Paul Milgrom nos ensina que mecanismo é um conjunto de regras para controlar as interações das partes, sendo o objetivo “desenhá-lo” de forma a maximizar seu desempenho, segundo o objetivo especificado[1].
A licitação de uma concessão é, portanto, um mecanismo para que o Poder Público escolha seu parceiro privado, garantindo isonomia, transparência e a contratação mais vantajosa para a sociedade. Entre as ferramentas que podem formar o mecanismo licitatório, a legislação atual oferece diferentes critérios para julgamento das propostas, os quais devem respeitar princípios como o do julgamento por critérios objetivos, previsto explicitamente no artigo 14 da Lei 8.987/95.
Alguns critérios adotam o “preço” como parâmetro referencial básico. Por exemplo: a Lei 14.133/2021 o faz com o critério menor preço, enquanto a Lei 8.987/95 o faz com os critérios “menor valor da tarifa” ou “maior oferta”. Outros critérios adotam a “técnica” como parâmetro referencial para a definição da melhor proposta.
A Lei 14.133/2021 o faz, por exemplo, com a técnica e preço, enquanto a Lei 8.987/95 o faz com o critério “melhor proposta técnica” ou com aqueles em que a melhor técnica é um dos critérios a serem combinados (ex: combinação de menor valor da tarifa com melhor técnica).
Pois bem, em uma licitação para concessão, ao contrário do que alguns imaginam, o preço não é um critério simplista. Ele concentra a disputa em um dado quantificável e auditável, um proxy objetivo para a identificação da proposta mais vantajosa, eliminando margens amplas de interpretação que podem ocorrer em modelos mais propensos a subjetivismos, como o critério “melhor proposta técnica”.
Essa objetividade é um valor central: quanto mais claras e mensuráveis forem as regras do jogo, menor o espaço para arbitrariedades, favorecimentos indevidos e litígios. É justamente por isso que critérios que possuem o preço como parâmetro referencial básico são mais seguros para evitar direcionamentos, oferecendo uma barreira institucional contra manipulações sutis, travestidas de sofisticação técnica.
A escolha de critérios que adotam a “técnica” como referencial para a definição da melhor proposta, embora por vezes defendida como adequada para contratações em que o desempenho técnico influencia diretamente o resultado final, traz consigo questões sensíveis que precisam ser ponderadas. Seu uso exige planejamento robusto, com parâmetros adequados de pontuação. Sem isso, há risco de subjetividade e até de direcionamento do certame, razão pela qual órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), costumeiramente fazem apontamentos em processos nos quais são adotados, recomendando sua adoção apenas em hipóteses justificadas e excepcionais[2].
Se o preço é, sem dúvida, o parâmetro referencial mais objetivo para seleção da proposta vantajosa, o verdadeiro desafio está na capacidade de criar mecanismos eficientes de screening e signaling para qualificar a disputa como, por exemplo, no setor de saneamento básico. Esta é a função, por exemplo, das exigências habilitatórias e de garantia, entre outras ferramentas, além da escorreita especificação do objeto a ser executado.
Com esses mecanismos funcionando de forma adequada, a Administração consegue superar um dilema crucial: restringir a disputa apenas a fornecedores efetivamente capazes de executar o objeto com qualidade. A partir daí, o critério do menor preço passa a ser não apenas o mais seguro, como também o mais objetivo e propício para uma escolha eficiente, pois todos os concorrentes já atendem ao patamar técnico necessário e terão o preço como proxy para definição objetiva da proposta mais vantajosa.
A sofisticação da licitação não está em criar fórmulas complexas de julgamento, mas em desenhar mecanismos seletivos que eliminem assimetrias de informação, afastem maus fornecedores e garantam igualdade de condições na disputa. Nesse cenário, o menor preço permanece como a alternativa mais objetiva, transparente e estratégica para a boa governança das contratações públicas, especialmente quando pretende-se preservar a objetividade e reduzir o risco de questionamentos ao processo de escolha do parceiro privado.
[1] MILGROM, Paul. Aplicando a Teoria dos Leilões. Tradução Ligia Filgueiras. Rio de Janeiro: Alta Books, 2023. p. 20.
[2] Neste sentido: Acórdão 364/2020, Plenário; Acórdão 2108/2020, Plenário; Acórdão 1169/2022, Plenário; Acórdão 7200/2022, Segunda Câmara; Acórdão 1257/2023, Plenário; Acórdão 2107/2024, Plenário; Acórdão 949/2025, Plenário.