Ganhou força no governo a possibilidade de importar um modelo de “token etário”, semelhante ao sistema usado na Índia, como parte do processo de regulamentar a aferição de idade no meio digital.
A proposta está em estudo na Secretaria de Direitos Digitais (Sedigi), subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. A pasta organizou uma consulta pública sobre o tema e estipulou o dia 15 de dezembro como prazo para elaborar o relatório com os resultados.
A Sedigi trabalha com o conceito de que o “token etário” seja ligado ao CPF ou ao RG do cidadão. A implementação do sistema foi conversada com outros ministérios e com a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), apontada pelo Executivo como a autoridade responsável por garantir o enforcement do ECA Digital.
A aferição de idade é uma das medidas centrais previstas no ECA Digital, cuja entrada em vigor ocorrerá em março de 2026.
Com o “token etário”, cada pessoa teria uma credencial digital, de uso privado, capaz de informar às plataformas apenas se o usuário se enquadra em determinada faixa etária, sem a necessidade de expor documentos ou outros dados pessoais. Ainda não há definição sobre onde o cidadão emitiria esse token.
O desenho em estudo tem como referência o sistema indiano de proteção de dados pessoais, que prevê o uso de tokens virtuais como forma de comprovar a identidade e a idade de pais ou de responsáveis no acesso de crianças a plataformas digitais. Lá, as regras determinam que empresas confirmem a identidade e a maioridade dos responsáveis usando dados oficiais ou um token virtual vinculado a esses registros, emitido por entidades autorizadas.
Risco dos serviços
Os estudos conduzidos pelo Ministério da Justiça devem estabelecer um cardápio com modelos de aferição de idade, calibrados conforme o risco dos serviços oferecidos pelas plataformas. A orientação, segundo interlocutores do governo, é evitar uma classificação rígida com “tipos de plataforma” e que possa ser judicializada pelas empresas.
Em vez de criar rótulos formais, como “plataformas de conversação” ou “plataformas de videochamadas”, a ideia do governo é trabalhar com critérios ligados às funcionalidades e aos riscos concretos dos serviços. Redes que oferecem chats entre desconhecidos, chamadas de vídeo aleatórias ou outras interações consideradas sensíveis terão de enfrentar exigências mais duras, enquanto os serviços com menor potencial de dano poderão adotar métodos mais leves.
Preocupação com privacidade
Um dos pontos mais sensíveis nas negociações é a escolha dos métodos de aferição. A exigência de biometria facial foi descartada por ser um modelo considerado invasivo à privacidade. Ao mesmo tempo, outros formatos de biometria e de autenticação ainda estão em discussão, desde que não impliquem na captura recorrente de imagens do rosto dos usuários.
Decreto em elaboração
Além do relatório sobre a consulta pública, o governo prepara a edição de um decreto que irá regulamentar aspectos técnicos do ECA Digital, possivelmente com as diretrizes gerais ou os requisitos mínimos sobre a aferição de idade e outros pontos estabelecidos pela lei. O Ministério da Justiça deve finalizar a minuta ainda neste ano, mas a publicação dependerá do andamento das negociações na Casa Civil.
A ANPD também mantém conversas com o Ministério da Justiça para estabelecer quais serão os limites do decreto e quais serão os níveis de detalhamento e de concretude técnica que caberão à agência regular. Todas as propostas de regulamento elaboradas pela ANPD precisarão passar por consulta pública antes de serem votadas pelo conselho diretor.
O ECA Digital entrará em vigor em março devido ao veto de Lula à vacatio legis de um ano aprovada pelo Congresso. O governo editou, em paralelo à sanção da lei, a MP 1319/2025, que reduziu para seis meses o prazo de implementação do regramento. O Ministério da Justiça foi contra a alteração, mas acabou sendo voto vencido no Executivo.