O senador Carlos Portinho (PL-RJ) defendeu cautela na incorporação da jurisprudência ao Código Civil. O parlamentar é sub-relator do livro de Responsabilidade Civil do projeto de lei que atualiza o Código Civil (PL 4/2025). A positivação do que já é entendimento dos tribunais, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é parte da justificativa dos autores e defensoras da atualização do código. A proposta foi apresentada pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e tem origem em anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas.
Na avaliação de Portinho, transformar entendimentos reiterados dos tribunais exige limites claros. “Positivar a jurisprudência é muito importante, mas há situações em que o Legislativo entende que a jurisprudência foi além da vontade do legislador”, afirmou na quinta-feira (27/11) em audiência pública da comissão temporária do Senado que analisa a proposta. Para ele, o Congresso precisa avaliar com cuidado os efeitos econômicos e sociais dessas escolhas, e não apenas chancelar decisões judiciais consolidadas.
O PL 4/25 é analisado em comissão especial no Senado. O projeto deve ser votado pelo colegiado em junho do próximo ano e seguir para a Câmara dos Deputados. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) é o relator da proposta, que também tem a relatoria parcial de outros quatro senadores.
O senador demonstrou preocupação com o que considera uma ampliação excessiva das hipóteses de responsabilidade civil no anteprojeto. Ele citou, por exemplo, a possibilidade de responsabilização ampla do “tomador de serviço” e dispositivos sobre indenização que, na sua visão, podem estimular litigância em massa. Portinho também alertou para o risco de banalização das indenizações, inclusive em situações de “mera cobrança”, sem constrangimento relevante ou ato ilícito grave, o que poderia transformar conflitos cotidianos em ações judiciais.
No capítulo de indenizações do livro de Responsabilidade Civil, o projeto amplia de forma significativa o tratamento dado à indenização. A regra atual, prevista no artigo 944, estabelece apenas que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. A proposta passa a prever que a indenização será concedida em caso de danos diretos, indiretos, atuais ou futuros.
Para o advogado Julio Gonzaga Andrade Neves, representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o projeto, como está, gera dúvidas e insegurança jurídica ao não esclarecer suficientemente as hipóteses de indenização.
Outro ponto sensível abordado na audiência foi a responsabilização de tutores de adolescentes fora do contexto direto de supervisão. A vice-presidente da Comissão de Direito Civil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Lara Soares, alertou para o risco de desestimular a atuação de dirigentes de instituições de acolhimento, que poderiam ser responsabilizados por atos praticados pelos adolescentes fora de seu controle direto.
Já o professor e advogado Nelson Rosenvald observou que a maioria das ações judiciais no país envolve responsabilidade civil, mas considerou que o Código atual oferece respostas insuficientes ao tema. Ele defendeu maior previsibilidade e critérios objetivos no novo texto, de forma a equilibrar a proteção à livre iniciativa com a garantia de reparação integral às vítimas.
Para a presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás, Patrícia Carrijo, o modelo atual de responsabilidade civil é insuficiente diante dos desafios do mundo digital. Ela defendeu que o novo Código avance no campo da prevenção de danos, citando como exemplo os efeitos da desinformação nas redes sociais, cujos prejuízos nem sempre são reparáveis apenas por indenizações.
Indenizações
No debate sobre indenizações, Portinho voltou a criticar o que chamou de “falha do poder regulatório” e “inércia do Ministério Público” na reparação de danos coletivos, citando problemas recorrentes em setores como transporte aéreo. Ainda assim, afirmou confiar que o texto final do PL 4/2025 refletirá um amadurecimento do debate parlamentar e social.
O professor Rodrigo Azevedo Toscano, da Universidade Federal da Paraíba, apoiou a ampliação da possibilidade de indenização por danos indiretos, como no caso de familiares de vítimas fatais, mas sugeriu ajustes técnicos para delimitar com mais precisão o conceito de dano futuro.
Por fim, os relatores do anteprojeto reconheceram a necessidade de ajustes. A jurista Rosa Maria de Andrade Nery ponderou que o aumento da judicialização decorre, em grande parte, de demandas de consumo, enquanto o relator Flávio Tartuce avaliou que a responsabilidade civil no Brasil é ineficaz, sobretudo na indenização por dano moral, e defendeu reformas mais profundas no texto.
Ao encerrar a audiência, Portinho reforçou que a atualização do Código Civil deve resultar em maior segurança jurídica. “A lei precisa ser clara, coerente e previsível. Se ampliarmos excessivamente as hipóteses de responsabilização, corremos o risco de fazer exatamente o oposto do que se promete: aumentar a judicialização e a insegurança”, concluiu.