“Mudamos para melhorar ou mudamos para ter mais inseguranças?”. A pergunta feita por Mary Elbe Quiroz, presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret), deu o tom das preocupações sobre as consequências da reforma tributária que formam debatidas no 7º Congresso de Direito Tributário do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte (Codecon-SP), realizado pela FecomercioSP em parceria com o Codecon-SP. O JOTA é parceiro de mídia do evento.
Os seis painéis apresentados durante o evento, abordaram diferentes perspectivas da reforma tributária, todos marcados por uma preocupação comum: a apreensão de especialistas e contribuintes com o início da implementação do novo sistema.
O presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP, Ives Gandra da Silva Martins, abriu o congresso com críticas à reforma e aos seus efeitos sobre a carga fiscal. Ele alertou para as perdas que estados e municípios exportadores líquidos devem enfrentar na segunda fase da reforma, especialmente São Paulo. Segundo o jurista, a redistribuição do ICMS e do ISS tende a reduzir a receita de entes que enviam mais bens ou serviços do que recebem.
Na avaliação de Ives Gandra, o país corre o risco de substituir um sistema imperfeito por outro ainda mais complexo, com impactos significativos sobre a competitividade e a segurança jurídica. Também chamou atenção para a centralização de poder na União por meio do Comitê Gestor nacional do IBS, que pode enfraquecer a autonomia federativa e os tribunais administrativos locais.
Na sequência, Quiroz reforçou as críticas ao modelo e apontou perda de autonomia dos entes federativos, insegurança jurídica e risco de desequilíbrios financeiros. Para ela, a transferência da competência do IBS para a União representa ruptura estrutural, já que estados e municípios “não têm mais o poder de legislar sobre matéria tributária, salvo a fixação da alíquota”. Quiroz também destaca que as empresas enfrentarão incertezas e possível aumento de carga.
Na mesma mesa, Luciano Garcia Miguel, diretor da Diretoria Geral Consultiva e de Contencioso da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo, concordou com diversos pontos trazidos por Mary Elbe, mas trouxe questões técnicas sobre a reforma tributária. Ele afirmou que o modelo representa um projeto claro de centralização e que estados e municípios passarão a exercer poder apenas por meio do colegiado, cuja diretoria executiva tende a concentrar grande influência. De forma crítica, observou que o modelo foi aprovado “num ato de fé”, ressaltando que o Brasil se tornou pioneiro ao adotar uma estrutura que ainda não foi testada internacionalmente. Para ele, o país aprenderá “na base de erros e acertos”, já que não utilizou referências consolidadas de outros sistemas de IVA.
As mudanças no regime de benefícios fiscais também foram alvo de debate. Simone Rodrigues Costa Barreto, professora do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), explicou que a reforma tributária redefine profundamente o regime de benefícios fiscais, pois os atuais incentivos serão extintos gradualmente e substituídos por um fundo de compensação controlado pela União. Na sua avaliação, isso reduz a autonomia dos estados e cria incertezas sobre a manutenção de benefícios durante a transição. Dividindo o mesmo painel, Tathiane Piscitelli, professora da FGV-SP, acrescenta que os regimes diferenciados do novo sistema devem seguir critério de essencialidade e exigirão revisões periódicas sem metodologia definida, o que pode gerar disputas setoriais, desigualdades e instabilidade sobre preços ao consumidor.
Outro ponto de debate foi a uniformização das decisões judiciais no novo sistema. Robson Maia, professor da PUC-SP e do IBET, afirmou que o Brasil historicamente negligencia mecanismos de coerência jurisprudencial e que a reforma não resolve essa fragilidade, o que pode levar o Judiciário a intervir novamente para harmonizar conflitos entre normas e práticas. Argos Campos Simões, presidente do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT-SP), alertou que o contribuinte perderá instâncias de contestação em comparação ao modelo atual. Ambos apontaram que a transição exigirá enfrentamento e forte coordenação para que a reforma não se torne apenas “uma troca de bolso”. Nesse contexto, o subprocurador-geral do estado de São Paulo, Danilo Barth Pires, apresentou o Acordo Paulista como alternativa de resolução de conflitos fiscais, ao informar que mais de R$63 bilhões já foram negociados por meio de transações.
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O presidente do Codecon-SP, Márcio Olívio da Costa, reforçou que o papel do conselho dos contribuintes será ainda mais decisivo no novo sistema tributário, atuando como ponte permanente entre as demandas dos contribuintes e as autoridades fiscais. Segundo ele, a interlocução técnica e institucional do Codecon será essencial para reduzir incertezas, prevenir conflitos e assegurar que a transição não inviabilize a atividade econômica. “O Codecon continuará trabalhando para que a voz do contribuinte chegue de forma qualificada ao poder público”, afirmou.
No encerramento, o professor Tácio Lacerda Gama (PUC-SP) reforçou a necessidade de atuação ativa dos especialistas na transformação do sistema. Para ele, a advocacia tributária deve assumir papel protagonista na construção do novo modelo, articulando conhecimento técnico, comunicação e participação institucional. “É necessário que a gente entenda nosso papel ativo na transformação do Direito Tributário — porque, se não nos reconhecermos como sujeitos dessa história, seremos apenas objetos das decisões de terceiros”, finaliza o professor.