O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu nacionalmente todos os processos que discutem a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas, até o julgamento definitivo do Tema 1264, que estava pautado para 12/11/2025 e, novamente foi adiado.
O julgamento definirá se é lícito incluir o nome de devedores em plataformas de negociação, como Serasa Limpa Nome, após a prescrição da dívida. O desfecho será vinculante e poderá redefinir não apenas as práticas de cobrança no mercado de crédito, mas também a forma como empresas e instituições financeiras tratam provisionamentos, políticas de compliance e estratégias de contencioso.
O dilema entre prescrição e cobrança extrajudicial
A prescrição é um instituto jurídico que impede a cobrança judicial da dívida após determinado prazo (nos termos dos artigos 205 e 206 do Código Civil). O ponto em discussão é se ela também deve impedir a cobrança extrajudicial, especialmente por meio de plataformas digitais de negociação.
De um lado, consumidores argumentam que a exposição de dívidas prescritas em bases públicas ou privadas configura prática abusiva, uma vez que o débito perdeu sua exigibilidade. De outro, credores sustentam que a negociação voluntária, sem coação ou negativação, é legítima, já que o direito material de receber o valor ainda existe, embora não possa mais ser executado judicialmente.
O STJ agora busca equilibrar esses interesses: proteger o consumidor e, ao mesmo tempo, garantir a funcionalidade do mercado de crédito.
Impactos diretos para o provisionamento e os processos judiciais
A decisão do Tema 1264 terá efeitos imediatos sobre o provisionamento e o gerenciamento de passivos nas empresas e instituições financeiras. Abaixo, penso em alguns:
Em caso de procedência (ilícita a cobrança):
As companhias precisarão rever suas políticas de cobrança extrajudicial, evitando contato ativo ou exposição de dívidas prescritas.
Poderá haver aumento de contingências e ações indenizatórias por danos morais, exigindo reclassificação dos riscos jurídicos e provisões contábeis.
Processos suspensos poderão ser julgados procedentes em massa, impactando diretamente o índice de perdas.
Em caso de improcedência (lícita a cobrança):
Empresas e instituições financeiras terão maior segurança jurídica para manter canais de negociação.
O cenário pode estimular estratégias de recuperação de crédito e reduzir o impacto de provisões antigas.
Contudo, será necessário reforçar a transparência e a governança nas comunicações, evitando práticas que possam ser interpretadas como constrangimento ou coação.
Para os times jurídicos e financeiros, o desafio será ajustar o balanço entre risco e oportunidade. A depender da decisão, a reclassificação de milhares de créditos poderá alterar indicadores financeiros e o próprio apetite ao risco das instituições.
O papel estratégico do time de Legal Ops
Em meio à incerteza jurídica, o time de Legal Operations assume papel central na governança e eficiência da área jurídica. Três frentes se destacam:
Mapeamento de dados e processos: Legal Ops pode apoiar o jurídico contencioso na criação de dashboards de contingência, rastreando o volume de ações relacionadas ao Tema 1264 e suas potenciais perdas.
Revisão de políticas e fluxos de cobrança: antes da decisão definitiva, é prudente que o Jurídico e o compliance revisem protocolos de comunicação com consumidores, garantindo o cumprimento do Código do Consumidor e LGPD.
Planejamento de cenários e provisões dinâmicas: com apoio de finanças, o time de Legal Ops pode estruturar cenários de provisão simulada, considerando os dois possíveis desfechos. Essa prática reforça a governança preditiva e antecipa ajustes contábeis.
Governança, reputação e responsabilidade corporativa
Além dos impactos financeiros, há um aspecto reputacional relevante. A cobrança de dívidas prescritas, mesmo quando juridicamente possível, pode ser mal-recebida pelo público se não for conduzida de forma ética e transparente.
Empresas que investirem em políticas claras de relacionamento e reeducação financeira tendem a se posicionar melhor no mercado e reduzir riscos de litígios. A decisão do STJ, portanto, não é apenas uma questão jurídica. Ela define os limites entre o legítimo exercício de um direito e o dever de respeito ao consumidor, moldando o padrão ético do crédito no Brasil.
O julgamento que redefinirá o equilíbrio entre risco e cidadania financeira
O julgamento do Tema 1264 é uma oportunidade para o STJ trazer segurança jurídica a um setor que movimenta bilhões e afeta diretamente a vida financeira de milhões de brasileiros.
Seja qual for o resultado, caberá às empresas atuar com governança, transparência e estratégia, repensando seus fluxos internos e reforçando a colaboração entre jurídico, finanças e compliance.
Mais do que definir o que é “lícito” ou “abusivo”, o julgamento determinará como o mercado de crédito poderá dialogar com a sociedade, conciliando recuperação de ativos e respeito ao consumidor.