O debate no TCU sobre o Tecon 10

A discussão sobre o modelo de leilão do Tecon Santos 10 — o maior terminal portuário que será licitado no Brasil nas próximas décadas — ganhou contornos inesperados após o voto revisor apresentado no Tribunal de Contas da União e seguido por, ao menos, mais dois de seus pares.

A proposta de um leilão em duas fases, com exclusão de incumbentes e especialmente de operadores verticalizados, parte de uma leitura imprecisa sobre os riscos concorrenciais do setor e ignora a teoria econômica mais consolidada sobre verticalização e concorrência.

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O ponto mais sensível do voto é a forma como a verticalização é tratada. Em vez de analisada como um fenômeno econômico com potenciais custos e benefícios — como ensina a literatura desde a obra clássica de Oliver Williamson — ela é retratada como um problema em si, como se toda integração entre armadores e terminais representasse uma ameaça automática ao mercado ou um privilégio indevido ao operador verticalizado.

Essa visão não apenas conflita com a experiência internacional, mas também com a própria análise técnica feita pelo Ministério da Fazenda, cujo parecer afirma expressamente que a integração vertical pode gerar ganhos relevantes ao consumidor, como eliminação de dupla margem, redução de custos de transação e alinhamento de incentivos.

No julgamento em curso, entretanto, o voto revisor reduz a verticalização à caricatura do risco e omite seu lado eficiente. A literatura econômica ensina há décadas que integrações verticais, na maior parte dos mercados, não reduzem bem-estar, pelo contrário: aumentam investimento, reduzem assimetrias de informação e elevam produtividade — fatores essenciais para um porto que já opera no limite da capacidade.

E aqui reside o ponto central: o voto revisor não demonstra fechamento de mercado. Os exemplos de comportamento supostamente discriminatório — dificuldades de agendamento, cobranças de demurrage e detention (cobrança de sobrestadia de contêineres pelos operadores portuários) e poucos horários de janela — estão documentados no Acórdão 521/2025/Antaq, mas a inferência lógica feita pelo voto é frágil.

Nada indica que tais fenômenos derivem de intenção anticompetitiva dos operadores; pelo contrário, os dados indicam que tais situações derivam de estrangulamentos estruturais do Porto de Santos, que opera próximo ao limite de saturação, conforme dados amplamente divulgados pela imprensa especializada e reconhecidos por estudos independentes.

Apenas para ilustrar o ponto, segundo o Parecer SEI 2954/2025/MF, os operadores de Santos possuíam, em 2024, uma capacidade de movimentação de contêineres (TEU) de 4.785.698. Por outro lado, de acordo com dados recentes da Autoridade Portuária de Santos, o volume acumulado entre janeiro e outubro já chega a 4,9 milhões de TEU.

É justamente por isso que o Tecon 10 existe: para expandir a capacidade de Santos em cerca de 50%. Com essa ampliação, o mercado muda profundamente e, com ele, os incentivos dos agentes econômicos. A análise de fechamento de mercado — como determina o próprio Guia Vertical do Cade — depende simultaneamente de capacidade e incentivos.

Quando a capacidade se multiplica e ociosidade passa a existir, os incentivos para discriminar rivais caem drasticamente, porque operadores verticalizados passam a depender da ocupação de seus terminais, inclusive por navios de terceiros.

A evidência empírica reforça esse ponto: segundo o relatório anual de 2024 da Maersk, aproximadamente dois terços da receita de seus terminais vêm de operações com navios de outros armadores. É um dado decisivo. Empresas verticalizadas não sobrevivem operando apenas carga própria; precisam de rivais para ocupar seus berços. A lógica econômica real é exatamente o oposto daquela sugerida pelo voto: quanto maior a capacidade instalada, mais interesse o terminal verticalizado tem em atender terceiros.

Outro ponto questionável, este extraído do voto do ministro relator, é o tratamento dado aos remédios antitruste. Em determinado momento, é sugerido que remédios seriam uma solução “de segunda ordem”, como se fossem frágeis instrumentos subsidiários.

Mas o Cade — e todas as autoridades de concorrência maduras — enxergam remédios como solução ótima quando a alternativa é um “ou tudo ou nada” desproporcional. Remédios existem justamente para preservar eficiências de uma operação sem permitir que ela gere poder de mercado indevido. São, portanto, instrumentos de calibragem fina, não de concessão parcial.

No caso do Tecon 10, a alternativa sugerida pelo voto — excluir os operadores que hoje detêm o know-how do porto — representa risco claro de resultado subótimo. Um terminal portuário desse porte requer experiência comprovada, escala global e capacidade financeira. Restringir a participação de incumbentes para “abrir espaço a novos players” pode soar sedutor em narrativa, mas ignora um problema central: a concorrência do leilão também é um bem a ser protegido.

Um certame com menos participantes tende a gerar propostas mais modestas, menor arrecadação, menor pressão para eficiência e maior risco de que o vencedor não seja o operador mais apto, mas apenas o único autorizado.

Nesse ponto, o parecer da Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação (SRE/MF) é inequívoco: o modelo mais eficiente é o leilão em fase única, com compromisso de desinvestimento caso o vencedor já opere terminal em Santos.

Trata-se de um remédio estrutural clássico: evita concentração excessiva sem expulsar players experientes do certame. E, diferentemente da vedação prévia, não sacrifica competição durante o leilão, garantindo disputa real entre empresas que têm conhecimento, escala e capacidade para operar o maior terminal da América Latina.

Se a preocupação do TCU deriva da potencial complexidade do processo de desinvestimento – o que é justificável, seria mais razoável sugerir ajustes nas regras e obrigações para o procedimento, nos moldes do que o Cade já faz, como submissão do interessado previamente para validação pelo Regulador, nomeação de trustees, dentre outras exigências cabíveis e já consagradas pela prática da autoridade antitruste.

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O debate sobre o Tecon 10 tem enorme relevância nacional. Santos é o coração logístico do Brasil, e sua eficiência impacta preços, exportações, emprego e o custo Brasil. O caminho mais razoável — e mais alinhado à teoria econômica — não é criar barreiras artificiais que reduzem a competição no leilão, mas sim permitir a participação ampla, impondo remédios proporcionais para evitar riscos identificados.

Decisões estruturais sobre a infraestrutura brasileira devem ser guiadas por racionalidade técnica, não por receios abstratos. O futuro do Porto de Santos exige menos dogma e mais economia. O modelo de fase única, com desinvestimento quando necessário, é hoje a solução mais equilibrada — e a que melhor atende ao interesse público.

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