Diálogo com Magalu sobre nuvem soberana avança, mas governo quer salvaguarda contra big techs

O governo ainda não bateu o martelo sobre o ingresso da Magalu como parceira na estruturação da nuvem soberana. Segundo o secretário de Governo Digital do Ministério da Gestão e da Inovação (MGI), Rogério Mascarenhas, as conversas com a empresa avançaram, mas ainda estão em estágio inicial e dependem do cumprimento de requisitos técnicos e de segurança. De acordo com o MGI, o governo quer a garantia de que a empresa nacional não será adquirida posteriormente por grupos estrangeiros.

“Essas conversas e negociações passam por salvaguardas que têm que ser negociadas”, afirmou Mascarenhas em entrevista ao JOTA. “Se estamos discutindo esse conceito de soberania e vamos investir em uma parceria de desenvolvimento e evolução dessas nuvens, temos que ter uma salvaguarda que deixe essa segurança de que você não está fazendo um investimento para que daqui a pouco isso seja adquirido por alguma big tech”, disse.

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A Magalu vem dialogando com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) para avaliar uma parceria para compartilhar expertise tecnológica e ajudar a estruturar uma oferta de nuvem nacional. Para o secretário, a empresa tem se destacado no desenvolvimento de soluções próprias de computação em nuvem seguindo trajetória semelhante à da Amazon Web Services (AWS).

Procurado pelo JOTA sobre negociações com a Magalu, o Serpro disse, em nota, que avalia modelos de cooperação com provedores nacionais de nuvem (leia a íntegra abaixo). “No momento, a empresa estrutura um processo formal de seleção, que será conduzido por meio de edital público, assegurando igualdade de condições a todos os interessados”, disse. Também declarou que dialoga com diversos atores do mercado, sem que isso signifique qualquer definição prévia de parceiros.

O JOTA também procurou a Magalu, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Soberania em nuvem

Mascarenhas explicou que a estratégia mira a soberania operacional e de dados. Isso envolve manter os dados sob jurisdição brasileira e garantir a continuidade da operação em caso de interrupções externas. Mascarenhas pontua que a soberania tecnológica ainda é um desafio e que, nacionalmente, não há ainda o mesmo nível de oferta das grandes provedoras internacionais.

Hoje, 11 órgãos federais já migraram para essa infraestrutura, que abriga máquinas físicas de provedores como AWS, Google, Huawei, Oracle e Microsoft, instaladas em data centers das estatais em infraestrutura mantida pelo Serpro e pela Dataprev.

O objetivo do governo é que 20% da administração federal opere em nuvens de governo até o fim do atual mandato de Lula. Segundo Mascarenhas, as próximas etapas incluem acelerar a repatriação de dados hoje hospedados em nuvens públicas e negociar com as big techs a localização de serviços de colaboração, como Google Workspace e Microsoft 365, em território brasileiro.

Até dezembro, o governo deve apresentar um relatório com estratégias para trazer dados críticos brasileiros para o território nacional até 2030. O trabalho é realizado por um colegiado instalado em setembro pelo Comitê Executivo para a Transformação Digital (CITDigital). O prazo pode ser prorrogado por mais 90 dias.

O grupo de trabalho terá a missão de desenvolver ações para reduzir a dependência de estruturas estrangeiras e assegurar a soberania sobre informações estratégicas. Entre as atribuições, deverá diagnosticar vulnerabilidades, propor diretrizes e elaborar estratégias para ampliar a segurança digital do país.

Leia os principais trechos da entrevista de Rogério Mascarenhas para o JOTA.

Como está esse processo de implantação da nuvem de governo. Tem um balanço de como está a implantação nos ministérios? O que temos de concreto?

Hoje, temos 11 órgãos que já migraram para essas nuvens de governo distribuídas entre Serpro e Dataprev. Conceitualmente, podemos endereçar, olhando a literatura, três níveis de soberania. O primeiro é a soberania de dados. Isso nada mais quer dizer que você ter a guarda dos seus dados com você, dentro da sua instalação ou da jurisdição. Nisso, você endereça uma questão de jurisdição de países, porque, se aquele dado está hospedado numa nuvem fora do Brasil, o dado está submetido à jurisdição daquele país e isso é uma preocupação.

A segunda soberania é a operacional. Se tivermos um conflito qualquer, um sinistro, um rompimento de um cabo, um rompimento de um componente, mas, temos garantido a soberania operacional, você não para essa operação se houver uma interrupção por qualquer que seja a razão. Nessa nuvem de governo, estamos endereçando essas duas questões.

A terceira, a chamada soberania tecnológica, trata de desenvolver componentes e obter um grau de independência que ainda não temos no mesmo padrão. Já temos empresas nacionais aqui que vêm desenvolvendo iniciativas, a mais famosa delas é a Magalu, mas não temos o mesmo padrão, o mesmo nível de oferta que é dado por essas big techs. Quando fizemos todo esse processo, olhamos muito para o que era possível endereçar e garantir numa soberania, mesmo que não total.

O Dataprev e o Serpro já têm as principais nuvens: a AWS, Google, Oracle, a Huawei e, por fim, a Microsoft, que foi a última a entrar nesse processo. Hoje, estamos num processo de chamar os órgãos principais para acelerar esse processo de migração ou de repatriação dos dados dessas nuvens públicas para nuvens de governo.

E vocês trabalham com qual prazo específico?

A nossa meta, estabelecida em plano, é de que 20% do governo esteja operando em nuvens de governo até o final do atual mandato.

Em meio ao tarifaço e críticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a instituições brasileiras, a soberania entrou na ordem do dia do governo federal. Isso deu maior urgência para essa questão? Agilizou ou intensificou as tratativas?

Eu diria que tivemos juízo e sorte. Logo quando chegamos aqui, nos deparamos com a realidade de que os dados com um grau de sensibilidade grande no governo anterior tinham sido migrados ou disponibilizados em nuvens públicas hospedadas em qualquer lugar do mundo.

Em maio de 2023, quando começamos a olhar todo esse balanço, vimos a necessidade de agir em relação a isso. Nós publicamos a portaria 5.950 (de outubro/23, que estabelece modelo de contratação de software e de serviços de computação em nuvem), que já está para ser convertida em decreto.

Em todo esse esforço, chamamos as big techs todas para conversas individuais. Chamamos as duas empresas públicas para a conversa para dizer como é que estávamos pensando esse processo. Negociamos dentro do governo, dentro dos conselhos de administração das respectivas empresas, que o investimento deveria ser feito na aquisição. Hoje, se você visitar o Serpro ou o Dataprev, vai ver um corredor de máquinas da AWS, da Google, da Huawei, vai encontrar fisicamente onde o seu dado está lá.

Quando começamos esse processo, não contávamos com esse acirramento dessa questão geopolítica. Mas estávamos preocupados. E se acontecesse alguma coisa? Todo esse processo é uma negociação. Foram reuniões difíceis com as big techs aqui, que, por óbvio, não queriam mudar seu modelo. Hoje, estamos vendo elas mudarem, inclusive, a oferta de serviços e colocando soluções plenas, porque elas não entregavam uma solução plena pra gente.

Sobre a ideia de transformar a Magalu em uma espécie de “campeã nacional” no processo de hospedagem dos data centers aqui no Brasil. Essa é, de fato, uma possibilidade em discussão? Qual o posicionamento do MGI?

A Magalu é um dos players que começaram a avançar dentro desse processo com maior maturidade. Ela tenta fazer uma construção muito próxima do que foi a AWS. A história é bem parecida. E ela, por isso, conseguiu um grau de desenvolvimento enquanto uma empresa que precisava disso, e evoluiu bastante nesse sentido, mas focada ainda no privado.

Como é que ela interage com o governo? Ela vem tendo conversas sobre fazer parcerias, principalmente com o Serpro, para dar a expertise dela para potencializar a construção de uma nuvem dentro dos padrões de uma nuvem soberana, de uma nuvem de governo que atenda a esse movimento. Ela viraria mais um player, mais um fornecedor de nuvem de governo.

Existem discussões sobre como seria esse modelo, para que ela pudesse estar habilitada dentro dos requisitos de segurança e de disponibilidade que estão sendo debatidos?

As conversas avançam em relação a isso. Mas é uma coisa inicial. Há muitas conversas, há uma grande disposição deles em relação a isso. Mas eles precisam atender a alguns requisitos de segurança que ainda estão sendo concebidos, porque temos um rigor muito grande em relação a essa nuvem de governo. Eles teriam que chegar nesse patamar mínimo em relação a oferta de serviços para serem habilitados dentro dessa linha.

Mas em termos de implementação ainda não aconteceu nada?

Não, ainda não. Concretamente nada. Só negociações e conversas.

Temos alguma perspectiva de quando deve ter uma implementação?

Não. Ainda não consigo dizer quando essa parceria pode ser sacramentada. Depende muito dessas conversas. Existem conversas fortes. Existe, sim, a discussão de modelo, de requisitos mínimos, o que é que teria. Isso está em curso.

E há outras empresas brasileiras nessas conversas também?

Não, mas existem outros potenciais desenvolvedores ou provedores de nuvem que poderiam se enquadrar. O que tradicionalmente acontece com esses pequenos provedores – vamos usar o termo pequeno, mas que não é demérito – eles são adquiridos pelas big techs. Quando você olha para o mundo, qual o grande provedor de nuvem francês? Não tem. Qual é o grande provedor de nuvem alemão? Não tem. Mas por que não tem? Porque quando elas começam a ter o hype delas, são adquiridas.

Passa muito por essa questão de o governo ter alguma salvaguarda de que essas empresas não serão adquiridas. Se a gente está discutindo esse conceito de soberania e vai investir em uma parceria de desenvolvimento e de evolução dessas nuvens, tem que ter uma salvaguarda que deixe essa segurança de não se estar, na verdade, fazendo um investimento para que daqui a pouco isso seja adquirido por uma big tech.

É a estratégia comercial das grandes empresas e isso acontece em vários ramos. Não é só no ramo do provimento de móveis, não é só no ramo da tecnologia. O cara vê lá o seu parceiro subindo, vê que aquilo pode ser uma ameaça para ele e adquire aquilo.

É isso que é o x da questão. Você vê isso muito no mercado de alimentos, varejo. O tempo todo há esse tipo de movimentação. Essa é a preocupação.
Por isso, essas conversas e negociações passam por salvaguardas que têm que ser negociadas.

Como é que tem sido a posição dos outros ministérios com relação a esses diálogos com a Magalu, por exemplo? Há alguma divergência?

Há um processo geral, sim. As conversas acontecem, tem o próprio Serpro, o Ministério da Fazenda e essa parceria que se discute para evoluir esse modelo. Eu reforço muito que ela depende de evoluções em relação a esse processo de segurança, disponibilidade de algumas questões que são fundamentais dentro desse processo e essas salvaguardas. Acho que precisamos ter uma discussão de como é que você cria travas para que, na verdade, não esteja fomentando mais uma empresa. Como é que vai ser diferente aqui.

Quais são os próximos passos mais imediatos desse processo? O que está no radar do MGI para avançar nessa discussão e nessa implementação?

Estamos muito focados nessa repatriação dos dados para que a gente atenda tanto a soberania de dados quanto o operacional.

A segunda coisa que temos que procurar buscar é uma preocupação de que essas ferramentas de colaboração, seja o Google Workspace, seja o Microsoft 365, comecem a ter componentes dentro do componente nacional, de que isso esteja em operação aqui. Temos conversado muito com essas empresas para que esse modelo mude, porque dentro desse modelo de nuvem podem ser colocadas soluções em vários lugares do mundo também.

Também avaliamos e discutimos com eles onde está essa operação para que possamos ter também essas soluções de colaboração. Estamos olhando para o mercado francês, alemão, chinês. Buscamos alternativas que sejam compatíveis com essa questão de que também tenha possibilidade de que a comunicação do governo, a troca de mensagens ou a troca de correios estejam por óbvio também no nível de segurança que esperamos que garanta a soberania.

Leia a íntegra da nota do Serpro

“O Serpro avalia modelos de cooperação com provedores nacionais de nuvem, sempre orientado por critérios técnicos, legais e isonômicos. No momento, a empresa estrutura um processo formal de seleção, que será conduzido por meio de edital público, assegurando igualdade de condições a todos os interessados. Como parte desse movimento, o Serpro mantém diálogo com diversos atores do mercado, sem que isso represente qualquer definição prévia sobre eventuais parceiros. O objetivo da empresa é, sim, incorporar ao seu portfólio soluções de nuvem nacional que reforcem a soberania digital e ampliem a capacidade tecnológica do Estado brasileiro”.

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