A judicialização do fechamento de agências bancárias reabre um debate estrutural sobre o equilíbrio entre proteção do consumidor e livre iniciativa na ordem econômica brasileira. Na prática, tribunais e legisladores têm sido provocados a decidir se uma instituição financeira pode encerrar uma agência física mesmo cumprindo a regulação do Banco Central e qual seria o limite dessa intervenção estatal no mercado.
A discussão precisa começar com um dado incontornável, trazido em audiência pública na Câmara dos Deputados: 82% das transações bancárias hoje ocorrem em canais digitais, sendo 75% apenas por mobile banking. As agências físicas representam 2% das operações. O sistema financeiro passou por uma transformação estrutural e irreversível (acelerada pela pandemia) impulsionada por inovação tecnológica, entrada de fintechs e mudança no comportamento dos consumidores.
Diante disso, a questão jurídica não pode ser tratada como se vivêssemos na década de 1990. Obrigar uma instituição financeira a manter uma estrutura física deficitária não protege o consumidor; ao contrário, em efeito “bumerangue”, transfere custos para ele, na forma de juros maiores, tarifas mais altas e menor investimento em tecnologia. Trata-se, na prática, de um subsídio cruzado regressivo, em que a maioria (usuários digitais) financia um modelo ultrapassado utilizado por poucos.
O debate, portanto, não é entre “avanço tecnológico” e “proteção do vulnerável”. É entre soluções que aumentam bem-estar coletivo e soluções que apenas parecem protetivas, mas que ao final geram distorções e custos sociais maiores.
A Constituição fornece o roteiro. A ordem econômica é fundada na livre iniciativa (art. 1º, IV e art. 170) e harmonizada com a defesa do consumidor. Não há hierarquia cega entre princípios; há ponderação com base em impactos concretos, como impõem a LINDB e a Lei de Liberdade Econômica. Qualquer decisão que ignore custos econômicos, competitivos e de inovação viola essas normas.
Outro ponto essencial: o regulador especializado já ponderou o problema. A Resolução CMN 4.072/2012 não impede o fechamento de agências; ela condiciona o fechamento à informação prévia de 30 dias, justificativa de negócio e garantia de canais alternativos.
Ou seja: o BC protege o consumidor sem paralisar a inovação. Se o banco cumpre a regulação, não cabe ao Judiciário substituir a análise econômica da autoridade reguladora por impressões subjetivas de “proteção”. Fazer isso afronta a separação de poderes. Não há mandato constitucional para tamanho ativismo judicial.
Nada disso ignora a dificuldade real das populações idosas, rurais ou com baixa inclusão digital. Mas a solução social não pode ser manter estruturas caras que diminuem eficiência do sistema, desestimulam concorrência e afetam a precificação do crédito. O caminho institucional é outro: políticas públicas de inclusão e educação digital, em parceria com a iniciativa privada.
A experiência internacional mostra que intervenções judiciais que protegem modelos antigos acabam reforçando concentradores. Fintechs, que operam com custos menores, ganham vantagem competitiva frente a bancos obrigados a manter redes físicas. A medida que pretende proteger a população local pode provocar desinvestimento, redução da concorrência e exclusão ainda maior – o acima chamado “efeito bumerangue”.
O Brasil já dispõe de um arcabouço regulatório moderno, alinhado com evidências e com a literatura econômica. O risco agora é retroceder para um modelo de comando e controle judicial, isolado da análise de consequências e da expertise técnica. O Poder Judiciário não é o locus adequado para definir a geografia da rede bancária do país.
A digitalização do sistema financeiro é inevitável e desejável quando se avalia a floresta e não a árvore (na famosa metáfora de Análise Econômica do Direito). Mas ninguém deve ser deixado para trás. A conciliação entre inovação e proteção do consumidor não passa por congelar o futuro, e sim por construir pontes de inclusão. Interromper decisões empresariais legítimas em nome de uma proteção aparente gera mais insegurança jurídica, reduz investimento e prejudica exatamente quem se pretende proteger.
A Economia e o Direito convergem para a mesma conclusão: livre iniciativa com regulação eficiente e consequencialista gera mais bem-estar social do que paternalismo judicial. O desafio contemporâneo não é impedir a mudança, mas garantir que ela alcance todos.