Jair preso amanhã. A maior agonia recente da democracia brasileira terminou em 22 de novembro. Trata-se de uma detenção preventiva por conta da inadmissível tentativa de violação com o uso de ferro de solda da tornozeleira eletrônica que monitora o presidente 24 horas por dia e evidências de plano de fuga da prisão domiciliar. E o day after?
Bolsonaro pode estar enjaulado numa confortável sala de Estado-Maior da Polícia Federal, mas o bolsonarismo segue livre e solto. Criminalizou-se o criador devido às ameaças impostas à ordem constitucional de 1988, mas a criatura — nada mais, nada menos que o movimento de extrema direita mais bem-sucedido da história brasileira — segue firme e forte, dando, inclusive, a luz a filhotes que nascem como lobos em pele de cordeiro.
Nesse cenário, volta a ganhar força a candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo que já se autodefiniu como bolsonarista. Isso porque Flávio Bolsonaro (PL), senador pelo Rio de Janeiro e filho do ex-presidente, estava cotado para assumir uma candidatura presidencial apoiada por seu pai, mas está envolvido nos fatos que levaram à prisão preventiva além da tentativa de rompimento da tornozeleira.
O senador tinha convocado para a noite do dia em que a prisão acabou acontecendo uma vigília de cunho político-religioso em frente à residência do pai em Brasília. No entendimento da Procuradoria-Geral da República, poderia haver ameaça à ordem pública, ainda mais considerando a gravidade do episódio da violação, constatada somente após Bolsonaro ter recebido a visita da Polícia Federal, que ocorreu na manhã do dia 22.
São, portanto, fortes as evidências de que havia um plano de fuga em curso, ainda mais considerando a recente fuga para os Estados Unidos do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), um dos condenados ao lado de Bolsonaro por participação na trama golpista. Cabe destacar que a Justiça teria decretado a prisão preventiva de qualquer outro cidadão monitorado por tornozeleira eletrônica que tivesse feito o que o ex-presidente tentou, ainda que se argumente que ele estava num surto psicótico.
A paranoia é, aliás, uma característica-chave do bolsonarismo que, ironicamente, vai ter que ser abandonada caso o movimento queira sobreviver sob a égide da família Bolsonaro. Isso porque com o devido cerco judicial a Jair e Flávio, para não citar o foragido traidor da pátria Eduardo, não há ninguém além da ex-primeira-dama Michelle que carregue esse sobrenome e possa disputar a Presidência da República de modo competitivo pelo campo da direita em 2026.
Assim, cabe à família Bolsonaro, para não perder o controle sobre o bolsonarismo (aqui entendido como a extrema direita nacional), apoiar outro nome da direita para tentar impedir que Lula conquiste um quarto mandato. Sem dúvida, há a busca por controlar o Senado para impor as pautas extremistas e derrubar paulatinamente a ordem constitucional de 1988, inclusive via impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal. A joia da coroa, porém, ainda é a Presidência.
Se deixá-la seguir nas mãos da esquerda, Bolsonaro pode testemunhar desde a prisão — não mais preventiva, mas pela condenação por golpe de Estado — até uma maior fragmentação do campo da direita. Muitos podem achar que Tarcísio, uma vez no poder presidencial, pode ser a criatura que acabará por devorar o criador — ou seja, Bolsonaro, que, nesse cenário, apodreceria na prisão.
Mas o atual governador de São Paulo já demonstrou ter lealdade canina ao campo da direita radical e autoritária, assim como ao ex-presidente. Pode apoiar uma ampla anistia, ainda que isso o torne ainda mais refém da extrema direita.
Por mais dúbio e volúvel que Tarcísio possa parecer, ele já disse ser bolsonarista, o que implica em se submeter à liderança do ex-presidente e aos ideais que ele representa — a legitimação de todas as fobias sociais possíveis para fundamentar preconceitos e discriminação de toda sorte, enquanto se enfraquece o Estado brasileiro e o torna presa fácil de interesses privados (inclusive os ilícitos) e potências estrangeiras, notadamente os Estados Unidos.
Nesse cenário, bolsonarismo e centrão casam-se perfeitamente. São os milicianos e oligarcas, grandes entusiastas ao lado do mercado et caterva do projeto Tarcísio 2026. Com Bolsonaro e família judicialmente acuados, o bolsonarismo precisa de novos caminhos para sobreviver, entre eles uma aliança pragmática com partidos como o PSD de Gilberto Kassab (que já sinalizou apoio ao governador paulista na busca pelo Planalto) e União Brasil, para não citar o MDB, que há muito tempo deixou de lado seu compromisso com a democracia e a ordem constitucional de 1988.
Será que Bolsonaro por fim vai indicar com seu sucessor o governador de São Paulo ou vai insistir em um de seus filhos como candidato? Mesmo com a primeira opção sendo mais viável desde o ponto de vista eleitoral, tudo ainda está em aberto.
Tal como Donald Trump, o líder-mor da extrema direita brasileira parece ser um tanto quanto imprevisível, mas muito menos sofisticado intelectualmente. Essa é a sorte da democracia brasileira: alguém que solda usa ferro de solda para tentar romper a tornozeleira eletrônica não serve nem para liderar um movimento autoritário.
Democratas, portanto, devem agradecer às trapalhadas de Bolsonaro e família por ainda sermos uma democracia. A tão falada resiliência da Justiça e o suposto apreço por valores democráticos entre a população talvez se provem tão quiméricos quanto a ideia de que, do seio do bolsonarismo, possa ainda florescer uma alternativa de direita comprometida com a Constituição e os direitos fundamentais que ela nos legou.