Em 14 de julho de 2025 foi publicada a Lei 15.164, diploma alterador da Lei 12.351/2010 (Lei de Partilha) que, entre outros assuntos, incluiu o artigo 46-A.
De forma resumida, o mencionado artigo permite a alienação, pela União, de direitos e obrigações decorrentes de Acordos de Individualização da Produção (AIP) em áreas não concedidas ou não contratadas, desde que inseridas em áreas do pré-sal ou em áreas estratégicas.
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Caberá à PPSA promover o leilão destas áreas e, ao vencedor, caberá a sub-rogação nos direitos e obrigações assumidos pela União nos acordos de individualização de produção a ele transferidos e nos contratos complementares a estes acordos de individualização da produção.
Com efeito, será transferida apenas a parcela pertencente à União (enquanto titular da área não contratada ou não concedida) que componha o AIP.
O tema de fundo desta alteração legislativa ainda é, entretanto, alvo de muitos questionamentos, inclusive para aqueles que atuam diretamente na indústria de óleo e gás. Afinal, o que seria a individualização da produção? Esta é obrigatória no Brasil (ainda que a empresa não tenha interesse comercial no desenvolvimento da jazida compartilhada)?
A fim de responder o questionamento acima, é preciso fazer alguns esclarecimentos acerca do instituto, a começar por sua definição. Entende-se por individualização da produção, na forma do artigo 2º, IX da Lei 12.351/2010, o “procedimento que visa à divisão do resultado da produção e ao aproveitamento racional dos recursos naturais da União, por meio da unificação do desenvolvimento e da produção relativos à jazida que se estenda além do bloco concedido ou contratado sob o regime de partilha de produção”.
A nomenclatura deste instituto também merece destaque. Por mais que os textos normativos que tratem da matéria façam referência à expressão individualização da produção, é muito comum que em AIPs e documentos de governança correlatos seja utilizada a palavra “unitização” para se referir ao procedimento. Ademais, nos documentos escritos em inglês utiliza-se a palavra “unitization” (talvez venha daí, inclusive, a influência para adotar o termo “unitização”).
Feitos os esclarecimentos, tem-se que a unitização é disciplinada no país a partir dos artigos 33 a 41 da Lei 12.351/2010. Assim dispõe o citado artigo 33: “O procedimento de individualização da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos deverá ser instaurado quando se identificar que a jazida se estende além do bloco concedido ou contratado sob o regime de partilha de produção”.
Regulamentando a Lei de Partilha neste ponto, a Resolução ANP 867/2022 disciplina e detalha o procedimento de unitização, trazendo aspectos específicos quanto às regras procedimentais a serem seguidas.
Tanto a Lei 12.351 quanto a Resolução ANP 867/2022 dispõem que, em sendo identificada a possibilidade de extensão de uma jazida para além da área concedida, contratada ou cedida onerosamente, deve ser instaurado o procedimento com vias a individualizar a produção daquela jazida. E essa individualização se formaliza através de um AIP – ou CIP (Compromisso de Individualização da Produção), quando se tratar de jazida compartilhada por áreas sob contrato com direitos de exploração e produção detidos pela mesma empresa ou consórcio de idêntica composição e mesmos percentuais de participação.
O documento será assinado pelas partes e aprovado pela ANP, passando a integrar o contrato administrativo (de concessão, de partilha de produção ou de cessão onerosa) como anexo, via aditivo.
Faz-se a unitização ainda que a jazida se estenda para áreas não contratadas ou não concedidas, situações em que a União integrará o AIP como parte, enquanto titular dos direitos e obrigações sobre estas áreas. Representarão a União, nestes casos, a PPSA (em áreas do pré-sal ou em áreas consideradas como estratégicas) ou a ANP (em áreas do pós-sal).
Aqui entra a matéria de que trata o artigo 46-A da Lei de Partilha. A União, representada pela PPSA, poderá leiloar sua participação nestes AIPs, ficando a adquirente sub-rogado em seus direitos e obrigações ali instituídos (à exceção, por óbvio, das prerrogativas que cabem à PPSA enquanto representante da União e como empresa pública).
Além da previsão legal e regulatória acima trazida, o tema também é trazido em cláusula específica nos contratos administrativos, desde o contrato modelo da Rodada Zero.
A fim de tratar da obrigatoriedade em si é preciso ler o artigo 33 e §§, da Lei 12.351/2010, que assim dispõem:
Art. 33. O procedimento de individualização da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos deverá ser instaurado quando se identificar que a jazida se estende além do bloco concedido ou contratado sob o regime de partilha de produção.
§ 1o O concessionário ou o contratado sob o regime de partilha de produção deverá informar à ANP que a jazida será objeto de acordo de individualização da produção.
§ 2o A ANP determinará o prazo para que os interessados celebrem o acordo de individualização da produção, observadas as diretrizes do CNPE. (grifo nosso)
Como observado, a lei traz um dever de unitizar, cabendo aos interessados celebrar o AIP e remeter à aprovação da ANP. O termo “interessado” não parece fazer referência a um interesse da parte em participar do desenvolvimento da jazida compartilhada (já que, como dito, este é um dever que cabe a ela). Seria, em nosso sentir, uma referência direta às partes dos contratos administrativos, já que estas possuem interesses, direitos e obrigações naquela jazida que será individualizada.
O artigo 3º e seu p.ú., ambos da Resolução ANP 867/2022, explicam o seguinte:
Art. 3º A partir da identificação da possibilidade de existência de uma jazida compartilhada, o operador deverá comunicar prontamente este fato à ANP.
Parágrafo único. A ANP notificará as partes envolvidas quando identificar a possibilidade de existência de uma jazida compartilhada, devendo as partes confirmar ou rejeitar tal possibilidade dentro do prazo de cento e oitenta dias, a ser contado a partir da data de recebimento da notificação (grifo nosso)
Confirmando as partes a possibilidade de extensão, será iniciado o procedimento de unitização. Entretanto, em havendo a rejeição desta possibilidade, caberão novos estudos e avaliações, inclusive com a assinatura de um documento preliminar (pré-AIP, que contenha um Plano de Avaliação de Descoberta) que discipline a forma como estas atividades de avaliação serão feitas.
Assim, a rejeição ali disposta não parece significar rejeitar a possibilidade de desenvolver uma jazida compartilhada, mas sim rejeitar a possibilidade de existência desta jazida (que deverá ser tecnicamente confirmada ou rejeitada).
Além disso, nos contratos a cláusula de individualização da produção surge como uma obrigação, ao ponto em que seu descumprimento pode levar à aplicação das sanções contratuais. Como exemplo, segue o texto da Cláusula 18.1 do atual modelo de Contrato de Partilha de Produção (CPP):
Individualização da produção
18.1. Deverá ser instaurado Procedimento de Individualização da Produção de Petróleo e Gás Natural, nos termos da Legislação Aplicável, caso seja identificado que uma Jazida estende-se além da Área do Contrato.
Aqui, é de se notar que o atual CPP prevê, na Cláusula 32.1, “h”, a possibilidade de rescisão contratual em caso de recusa de assinatura do AIP por qualquer das partes.
Como se vê, portanto, há o dever legal, regulatório e contratual de unitizar, caso se identifique a possibilidade de extensão de uma jazida para além dos limites da área sob contrato.
A única exceção é trazida pelo artigo 10 da Resolução ANP 785/2019, que prevê que só será admitida a transferência parcial de um campo caso se faça como alternativa a um acordo de individualização da produção não concretizado, a critério da ANP. Assim, a empresa não interessada em unitizar poderá ceder parcialmente seu campo, na proporção de sua participação na jazida compartilhada, desde que o AIP ainda não esteja concretizado.
Em suma, a unitização é um dever legal, regulatório e contratual, sendo procedimento obrigatório. Caso não haja interesse de uma empresa em unitizar, esta poderá ceder parcialmente o campo que contratou, na proporção de sua participação na jazida compartilhada, desde que o AIP ainda não esteja concretizado.