A entrada em vigor da Resolução BCB 520/2025[1] representa um marco importante no processo de amadurecimento do mercado de ativos virtuais no Brasil. Editada em cumprimento ao arcabouço legal estabelecido pela Lei 14.478/2022[2] e ao Decreto 11.563/2023[3], a norma concentra sua atenção em temas centrais como integridade de mercado, proteção ao cliente, prevenção à lavagem de dinheiro, governança, segregação patrimonial e segurança cibernética.
Integrando um conjunto normativo composto também pelas Resoluções 519/2025[4] e 521/2025[5], esse arcabouço estabelece as bases para a atuação das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs) e sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais (SPSAVs) sob a supervisão do Banco Central. Este artigo concentra-se especificamente na análise da Resolução 520/2025, que disciplina o funcionamento e a fiscalização dessas sociedades.
A norma estabelece três modalidades distintas de SPSAVs: (i) as intermediárias, que realizam a negociação de ativos virtuais por conta de terceiros; (ii) os custodiantes, responsáveis pela guarda e controle dos instrumentos que afetam o exercício dos direitos sobre esses ativos; e (iii) as corretoras, que acumulam as funções de intermediação e custódia.
Essa taxonomia responde à necessidade de adequar as exigências regulatórias à natureza específica dos serviços prestados, evitando que um modelo uniforme de regulação inviabilize determinadas estruturas de negócio.
Os requisitos de constituição das sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais estabelecem parâmetros de estruturação empresarial e governança. A Resolução determina que tais entidades sejam constituídas como sociedade empresária limitada ou sociedade anônima, vedando expressamente a figura do sócio único pessoa natural.
O objeto social deve concentrar-se primordialmente nas atividades previstas na regulamentação, conforme a modalidade escolhida, enquanto a denominação social deve obrigatoriamente incluir a expressão privativa “Sociedade Prestadora de Serviços de Ativos Virtuais”, evitando confusões quanto à natureza das operações realizadas. A exigência de integralização total do capital social em moeda corrente no ato da subscrição visa impedir que integralizações diferidas possam comprometer a solidez financeira desde o início das operações.
A exigência de autorização prévia do Banco Central para o funcionamento das SPSAVs constitui um dos aspectos mais relevantes da regulamentação. As sociedades que já atuavam no mercado receberam prazo de 270 dias para protocolar pedido de autorização, podendo manter suas operações durante o trâmite processual desde que demonstrem adequação progressiva aos requisitos regulamentares.
O período de transição, contudo, não afasta a pressão sobre os agentes econômicos. A partir de 30 de outubro de 2026, as instituições financeiras e instituições autorizadas pelo BC ficam proibidas de realizar operações com entidades não autorizadas ou em processo de autorização. Essa vedação cria um mecanismo de adesão em cascata, na medida em que as sociedades não autorizadas se verão impedidas de atuar junto às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.
A segregação patrimonial entre os recursos e ativos virtuais da prestadora e aqueles pertencentes aos clientes constitui outro ponto de grande relevância. Essa separação assume particular importância em cenários de insolvência, prevenindo que recursos dos investidores sejam utilizados para satisfazer credores da empresa. A Resolução determina que os recursos financeiros sejam mantidos em contas individualizadas, enquanto os ativos virtuais devem ser alocados em carteiras distintas daquelas utilizadas pela instituição para operações próprias.
Essa arquitetura patrimonial funciona como salvaguarda essencial, assegurando que os ativos dos clientes não integrem a massa concursal e possam ser devolvidos aos titulares.[6] Para garantir o cumprimento desse requisito, foi imposta a exigência de auditoria independente bienal sobre os demonstrativos de segregação patrimonial, conferindo maior proteção aos consumidores por meio da verificação externa da conformidade dos procedimentos internos.
No que concerne à custódia de ativos virtuais, a resolução estabelece deveres e responsabilidades ampliados para o custodiante. Já não se trata apenas de guardar as chaves privadas que permitem controle sobre os ativos, mas também de realizar a manutenção de registros tempestivamente atualizados, promover a conciliação com informações disponíveis nos sistemas de registros distribuídos e dar tratamento adequado aos eventos que afetem os direitos relacionados aos ativos custodiados.
A norma admite a contratação de custodiantes constituídos no exterior, mas impõe ao contratante nacional responsabilidade solidária perante os clientes brasileiros, mantendo assim a efetividade da supervisão do Banco Central.
A regulamentação da intermediação revela cuidado especial com questões concorrenciais e com a mitigação de conflitos de interesse. A possibilidade de as intermediárias atuarem também como provedoras de liquidez ou formadoras de mercado impõe riscos evidentes de abuso de posição e manipulação de preços.
Para mitigar tais riscos, a Resolução exige separação funcional entre unidades que desempenhem atividades por conta própria e aquelas que atuem em favor de clientes, vedando vantagens informacionais ou técnicas injustificadas. A obrigação de estabelecer políticas específicas para identificar e coibir práticas como esquemas de elevação artificial de preços, manipulação por meio de ofertas falsas e negociação com informações privilegiadas demonstra que o regulador reconhece a vulnerabilidade deste mercado a práticas abusivas.
A seleção de ativos virtuais aptos a serem ofertados constitui outro ponto sensível da regulamentação. As prestadoras devem estabelecer políticas baseadas em critérios claros e transparentes, ancoradas em decisões de comitês técnicos, vedando a listagem de ativos que contenham características de fragilidade ou que favoreçam práticas ilícitas.
O extenso rol de requisitos mínimos constante do anexo à Resolução evidencia a complexidade desta avaliação, que deve considerar desde aspectos técnicos da tecnologia subjacente até elementos de governança e reputação dos emissores. As stablecoins recebem tratamento diferenciado, com exigências adicionais relacionadas à adequação dos mecanismos de estabilização e à qualidade dos ativos de reserva.
A proteção ao consumidor perpassa toda a estrutura normativa, manifestando-se especialmente nos deveres de prestação de informações. As prestadoras devem fornecer dados detalhados sobre a instituição, os serviços prestados, os riscos envolvidos e as características dos ativos ofertados.
A obrigação de conhecer o perfil do cliente quanto ao seu nível de familiaridade com o mercado de ativos virtuais e sua tolerância ao risco, exigindo declarações específicas quando pretenda realizar operações incompatíveis com tal perfil, alinha-se às melhores práticas de adequação dos produtos financeiros às necessidades e capacidades dos investidores. A imposição de canais de atendimento que incluam necessariamente assistência humana visa afastar o risco de automação excessiva que poderia deixar clientes desamparados em situações críticas.
O regime de contratação de serviços relevantes por terceiros estabelece responsabilidade da contratante pela atuação do contratado, mantendo perante clientes e autoridade supervisora a integralidade dos deveres regulamentares. Esse modelo evita que a terceirização seja utilizada como expediente para contornar exigências normativas, embora reconheça a necessidade de especialização e compartilhamento de estruturas em mercado ainda em formação.
Os contratos com formadores de mercado e provedores de liquidez devem conter cláusulas específicas que previnam vantagens injustificadas e assegurem tratamento equânime entre participantes, sob pena de comprometimento da integridade do ambiente de negociação.
A Resolução BCB 520/2025 representa marco regulatório que busca conciliar a proteção aos investidores e a estabilidade do sistema financeiro com o reconhecimento das especificidades tecnológicas e operacionais do mercado de ativos virtuais. O êxito desta empreitada regulatória dependerá da capacidade dos agentes de mercado de se adaptarem aos novos requisitos sem perda significativa de eficiência, bem como da aptidão do regulador para acompanhar a evolução tecnológica e ajustar as exigências normativas às inovações que certamente continuarão surgindo.
[1] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolução%20BCB&numero=520. Acesso em 21 nov. 2025.
[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14478.htm. Acesso em 21 nov. 2025.
[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/d11563.htm. Acesso em 21 nov. 2025.
[4] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolução%20BCB&numero=519. Acesso em 21 nov. 2025.
[5] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolução%20BCB&numero=521. Acesso em 21 nov. 2025.
[6] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/crise-nas-exchanges. Acesso em 21 nov. 2025.