Exportação de serviços na reforma do consumo e um novo terreno de disputas

A reforma tributária do consumo promete simplificar, dar previsibilidade e reduzir litígios. Para a exportação de serviços, porém, a promessa vem acompanhada de um deslocamento conceitual que muda a linha de frente das discussões existentes no regime atual: sai o critério objetivo do ingresso de divisas (clássico no PIS/Cofins) e entra a imunidade condicionada ao “consumo” no exterior para a CBS e o IBS.

Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

O resultado? Haverá avanços pontuais, mas a controvérsia se desloca do local do “resultado” (critério atualmente aplicável ao ISS) para o local da fruição, acesso, utilização e aproveitamento no exterior, com forte carga probatória. É um novo mapa de riscos que exige preparo documental e contratual desde já.

Do “resultado” ao “consumo”: o que muda e o que não muda

O atual regime tributário convive com parâmetros diferentes: no PIS/Cofins, o ingresso de divisas basta para caracterização da exportação de serviços à pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior; já para o ISS, a exportação depende de o resultado do serviço se dar fora do território nacional. A reforma tributária sobre o consumo substitui essa sistemática por uma imunidade unificada da CBS e do IBS quando o consumo ocorrer fora do país.

A aposta do legislador é alinhar-se à regra do destino e aproximar o conceito à experiência internacional. Na prática, contudo, a chave interpretativa continua aberta: “consumo” é descrito como utilização, exploração, aproveitamento, fruição ou acesso — termos amplos, que dão margem a diferentes interpretações, e cuja comprovação depende de fatos e provas.

Há um avanço relevante ao tratar de bens estrangeiros que ingressam no Brasil para receber serviço e retornam ao exterior. O texto legal prestigia a lógica de exportação, superando entendimentos antigos e restritivos que negavam a desoneração quando a conclusão técnica ocorria no Brasil (como no emblemático caso do conserto das turbinas de avião julgado pelo STJ há quase duas décadas). Ainda assim, o desafio está nos detalhes: prazos de permanência, escopo do serviço e comprovação documental seguirão determinantes.

Pontos de atenção: contratos, prova e segregação de escopos

A maior mudança está no ônus de comprovar onde o serviço é consumido. O que antes se demonstrava com o contrato de câmbio de ingresso de divisas, no caso do PIS/Cofins, agora exigirá um dossiê probatório capaz de evidenciar a fruição no exterior, aproximando-se dos desafios atuais para a comprovação da imunidade do ISS na exportação de serviços, cujas discussões, em muitos casos, exigem inclusive perícias judiciais.

Em operações complexas, com atividades concomitantes no Brasil e fora, a lei antecipa que apenas a parcela consumida no exterior será considerada exportação. Isso impõe a segregação contratual e econômica de escopos, horas, entregáveis e ambientes de execução, sob pena de glosas e autuações.

Documentos operacionais (relatórios de uso, logs de acesso, geolocalização de usuários, trilhas de auditoria, contratos de serviços e KPIs de consumo), além de cláusulas contratuais claras sobre a cadeia de fruição e o local de utilização, passam a ser decisivos para garantia da imunidade na exportação.

Riscos: novos contornos para velhas disputas

O risco imediato é a substituição do parâmetro objetivo hoje aplicável para o PIS/Cofins (com a simples exigência da comprovação do ingresso de divisas por um conceito fático, interpretável e sujeito à visão restritiva do fisco. Como já vemos hoje no ISS, discussões sobre o “resultado” migrarão para debates sobre o “consumo”, a exemplo da consultoria em investimentos de fundos estrangeiros com aplicações no Brasil sempre gerou divergência sobre onde ocorre o resultado; agora a pergunta será quem consome, onde frui e em qual etapa da cadeia.

Em marketing digital, pesquisa e desenvolvimento, serviços de nuvem, suporte remoto, auditoria e consultoria com efeitos no Brasil, a tensão entre contratante estrangeiro e impactos locais persistirá em novo formato. Há também um paradoxo no período de transição: é possível que, olhando “consumo”, haja imunidade para IBS/CBS e, simultaneamente, incidência de ISS sob a ótica antiga de “resultado”.

É o antiexemplo da simplificação. Até que a transição se complete e a jurisprudência se estabilize, devemos ainda considerar incertezas sobre a interpretação e aplicação da norma.

Na prática: oportunidades de defesa mais coerente e planejamento de evidências

Nem tudo é risco. O conceito de consumo aproxima-se da tese historicamente defendida por contribuintes: olhar para a fruição imediata pelo contratante no exterior. Isso oferece argumentos mais alinhados ao princípio do destino do que o antigo “resultado” do ISS, frequentemente ampliado pelos fiscos para capturar efeitos mediatos, secundários e até mesmo meramente potenciais no Brasil. A previsão específica para bens estrangeiros que entram para receber serviço também corrige uma distorção histórica.

No plano prático, é preciso se antecipar com vistas a uma maior segurança jurídica no uso da imunidade na exportação. Isso porque a desoneração está atrelada diretamente à capacidade de demonstrar, com consistência, quem consumiu e onde consumiu.

E considerando o potencial contencioso que se espera sobre o tema, as empresas precisam estar preparadas, devendo ajustar suas operações e documentação para comprovar o consumo no exterior, garantido a sua rastreabilidade. Elementos como a segregação das etapas consumidas no exterior, a indicação das jurisdições envolvidas, a adoção de métricas objetivas (logs, relatórios técnicos, telemetria) serão determinantes para defesa da imunidade.

A fiscalização, por sua vez, tenderá, assim como acontece no regime tributário atual, a fragmentar contratos amplos, questionar a alocação de escopos e buscar porções consumidas no Brasil. O teste será probatório. E a jurisprudência caminhará em paralelo, reciclando discussões conhecidas com novos contornos.

Controvérsias que permanecem e temas novos no horizonte

Mesmo com a reforma, permanecerá a controvérsia sobre cadeias de consumo em serviços globalizados: quem consome num SaaS corporativo com usuários em múltiplos países? Como tratar entregas intelectuais preparadas no Brasil, mas fruídas por tomadores estrangeiros? Até que ponto efeitos (ainda que secundários) no mercado brasileiro podem ser invocados para negar a exportação, quando a fruição é do contratante externo?

Além disso, a segregação de porções em contratos híbridos e a prova de “acesso” e “fruição” inauguram discussões inéditas, cujos efeitos na comprovação da exportação já nos desafiam.

A experiência em tribunais sob o regime atual é valiosa: decisões restritivas iniciais (como no caso das turbinas julgado pelo STJ em 2006) foram superadas pela compreensão de que a conclusão técnica no Brasil não afasta a exportação quando a utilidade se destina ao exterior. Esse histórico reforça a coerência do consumo como critério, mas não elimina o contencioso; apenas o reposiciona.

Simplificação prometida, complexidade entregue: preparar é imprescindível

A reforma acerta ao prestigiar o destino e ao corrigir distorções em serviços sobre bens estrangeiros. Mas, ao adotar um conceito fático, transfere a simplificação para o terreno da prova. O contencioso não termina; muda de nome. Sem dúvidas, esse novo desenho da exportação de serviços na reforma tributária pode envolver um custo oculto: o contencioso.

Receba de graça todas as sextas-feiras um resumo da semana tributária no seu email

Ademais, ao privilegiar o local do consumo em detrimento da residência ou domicílio do adquirente, a reforma tende a elevar a carga tributária incidente sobre serviços contratados por não residentes e consumidos, total ou parcialmente, no país, atualmente beneficiados pela não incidência do PIS/Cofins quando representam ingresso de divisas.

Embora se possa argumentar que os prestadores dos serviços poderão repassar o IBS/CBS ao preço cobrado pelos serviços, tal repasse pode reduzir a competitividade das empresas brasileiras e, na prática, nem sempre será viável.

Portanto, exportar serviços continuará exigindo estratégia: contratos sob medida, operações desenhadas para evidenciar fruição no exterior e um ecossistema de documentação robusto. A antecipação das empresas ao lidar com o tema nesse novo cenário de incerteza certamente será uma vantagem competitiva.

Generated by Feedzy