A transformação climática e ESG no Sistema Financeiro Nacional

Em tempos de reorientações das finanças para pautas ambientais e climáticas, tema, inclusive, da COP30 em Belém, a governança ambiental, social e climática (ESG) vem sendo consolidada como eixo estruturante da atuação do Sistema Financeiro Nacional.

O Banco Central, em coordenação com o Conselho Monetário Nacional (CMN), está edificando uma arquitetura normativa e regulatória que reposiciona o setor financeiro como vetor de sustentabilidade e resiliência econômica, além de direcionador do desenvolvimento nacional.

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Trata-se de um conjunto normativo que reflete o reconhecimento dos riscos climáticos em particular, e os ambientais de forma geral, como ameaças sistêmicas à estabilidade do SFN, alinhando o Brasil a movimentos globais como a Network for Greening the Financial System (NGFS), rede de bancos centrais criada para integrar o risco climático à supervisão prudencial, e a Task Force on Climate-related Financial Disclosure (TCFD), iniciativa de divulgação e transparência de riscos climáticos. A sustentabilidade tornou-se, assim, a quinta dimensão estratégica da Agenda BC# de regulação prudencial, voltada a direcionar recursos para uma economia mais resiliente, transformadora e de baixo carbono.

O pilar central dessa importante transformação é a integração dos temas e riscos de ESG à gestão de riscos prudenciais. As Resoluções CMN 4.943/2021[1] e 4.945/2021[2] são marcos nesse sentido. A Resolução 4.943/2021 introduziu o gerenciamento explícito do Risco Social, Ambiental e Climático (Risco SAC), detalhando na forma de Risco Climático Físico (como extremos de clima e desastres), Risco Climático de Transição (como transformações de tecnologias e regulação de baixo carbono), Riscos Ambientais (como desmatamento e embargos ambientais) e Riscos Sociais (como violação de direitos humanos ou trabalho análogo à escravidão). A norma exige que o Risco SAC seja integrado aos demais riscos financeiros e reportado ao nível da alta administração, como o Diretor de Riscos (CRO).

Na mesma linha, a Resolução 4.945/2021 impôs a obrigatoriedade de uma Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC). Essa política deve orientar toda a atuação da instituição e estender a diligência e o monitoramento do Risco SAC não apenas às operações diretas, mas também a clientes e fornecedores. Na prática, o compliance bancário assume função de um vetor de enforcement socioambiental, de modo que o risco do cliente passa a ser um risco de crédito ou reputacional para o banco, reorientando o papel da regulação prudencial.

No campo da transparência, o BC estabeleceu um regime de disclosure mandatório com o objetivo de fornecer ao mercado dados confiáveis e comparáveis, essenciais à alocação de capital e à precificação de ativos. O primeiro passo foi a edição da Resolução BCB 139/2021[3], que dispõe sobre a divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (GRSAC), complementada pela Resolução BCB 140/2021, que detalha a periodicidade e o formato de publicação do GRSAC. Este relatório, que serve de balizador para as instituições financeiras, deverá ser divulgado em dados abertos a partir da data-base de dezembro de 2026, conforme a Resolução BCB 445/2024[4].

Outro passo essencial dessa reestruturação foi a Resolução CMN 5.185/2024[5], que obriga a divulgação do Relatório de Informações de Sustentabilidade (RIS). Com vigência em 1º de janeiro de 2025, o RIS exige o uso dos padrões IFRS S1 e S2  (mesmo framework exigido pela CVM) e, de modo estratégico, requer a asseguração razoável por auditor independente (a partir de 2026 para segmentos S1 e S2). Essa auditoria é a principal ferramenta contra o greenwashing, tratando dados ESG com o mesmo rigor dos dados contábeis, passo decisivo na agenda nacional e global.

Na aplicação prática, destaca-se a regulação do Crédito Rural. A Resolução CMN 5.081/2023 (atualizada pela 5.193/2024[6]) veda o acesso ao crédito para produtores com ilicitudes ambientais, como falta de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), imóveis em Unidades de Conservação ou com embargo do IBAMA. A medida transfere parte do ônus da fiscalização para as instituições financeiras, reorientando e reforçando a função de diligência da regulação prudencial para riscos ambientais e sociais.

A obtenção de financiamento mediante fraude, como falsidade na declaração do CAR, pode configurar crime contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986), elevando os riscos legais e reputacionais das instituições que negligenciarem a devida diligência.

Dados recentes[7] do Banco Central indicam que, apenas em 2024, por irregularidades em coordenadas geodésicas de imóveis, foram bloqueadas 30.609 tentativas de operações, totalizando R$ 6,3 bilhões. Além disso, entre janeiro de 2024 e 31 de maio de 2025, o sistema bloqueou 15.276 operações irregulares, no valor de R$ 6,07 bilhões, dados que afirmam o papel da regulação prudencial e financeira no desafio da sustentabilidade, especialmente em tempos de agenda climática e de esforços em prol de fluxos financeiros confiáveis e sustentáveis.

Essas Resoluções materializam o dever de diligência das instituições financeiras, conforme art. 4º da Lei 4.595/1964, previsão que atribui ao CMN a responsabilidade de assegurar a solidez do sistema financeiro. Essas inovações constituem, assim, uma evolução atualizada dos princípios da precaução, prevenção e desenvolvimento sustentável, aplicados ao setor financeiro.

Finalmente, o Banco Central atua no fomento a instrumentos de dívida sustentável na transição ecológica da economia nacional. A Resolução BCB 492/2025[8] passou a classificar operações de crédito externo, criando uma pré-taxonomia de Títulos Verdes, Sociais, de Sustentabilidade e Vinculados a Metas ESG pré-definidas (SLB).

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Esse mecanismo terá integração com a recém-criada Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), instituída pelo Decreto 12.705/2025, instrumento regulatório interinstitucional coordenado pelo Ministério da Fazenda, com participação do BCB, da CVM e de outros órgãos, voltado à classificação de atividades, ativos e categorias de projetos com critérios e objetivos em finanças sustentáveis e ESG. Importa destacar que a TSB não substitui taxonomias privadas setoriais, mas busca harmonizá-las e fornecer um referencial público de classificação.

Em síntese, o Banco Central consolidou uma arquitetura jurídica, institucional e regulatória que está transformando o sistema financeiro em instrumento efetivo de governança ambiental e ESG. Ao integrar o Risco SAC, exigir a PRSAC, impor transparência auditável (RIS) e condicionar o crédito, o risco em temas ESG deixa de ser periférico e torna-se um risco de solvência regulado pelo Direito Financeiro, configurando-se como eixo estruturante do sistema financeiro nacional e marco na evolução institucional da sustentabilidade no Brasil.

[1] CMN, Resolução CMN nº 4.943, de 15 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=4943

[2] CMN, Resolução CMN nº 4.945, de 15 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=4945

[3] BCB, Resolução BCB nº 139, de 15 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=139

[4] BCB, Resolução BCB nº 445, de 17 de setembro de 2024. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=445

[5] CMN, Resolução CMN nº 5.185, de 21 de novembro de 2024. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=5185

[6] CMN, Resolução CMN nº 5.193, de 19 de dezembro de 2024. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=5193

[7] BCB, Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos – agosto 2025. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/publicacoes/relatorio-risco-oportunidade

[8] BCB, Resolução BCB nº 492, de 14 de agosto de 2025. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=492

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