No último dia 30 de outubro, tive o privilégio de moderar um debate sobre
Segurança Pública e Análise Econômica do Direito Penal no XVIII Congresso da
ABDE (IDP, Brasília).
O tema ganhou relevância após a recente incursão das forças de segurança do Rio de Janeiro no Complexo do Alemão, em confronto com o Comando Vermelho. Os palestrantes – Ana Claudia Pinho, Daniel Cerqueira e Pery Shikida – apresentaram visões distintas sobre o fenômeno, ainda pouco compreendido quanto aos desafios para moradores e policiais.
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Do ponto de vista jurídico, discutiu-se como enquadrar dinâmicas criminais
que empregam métodos de terror, violência em massa e domínio territorial sustentado por armamento pesado e estratégias de guerrilha. Estariam as normas penais preparadas para enfrentar esse tipo de macrocriminalidade, semelhante a ações terroristas?
Em texto anterior (Rodrigues, 2025), demonstrei que tratados internacionais e legislação nacional apresentam soluções comuns para o crime organizado e o terrorismo. No entanto, aqui, o foco é outro: a correlação entre sistema penitenciário e organizações criminosas, sob a ótica da Análise Econômica do Direito, especialmente os conceitos de superlotação e encarceramento em massa.
Para teóricos da criminologia, o sistema prisional, em vez de dissuadir o crime,
converte-se em um “RH” das facções, recrutando e fidelizando novos membros. Essa visão busca contestar Gary Becker (1968), para quem o produto da probabilidade de punição e da severidade da pena reduz o crime. Para garantistas e abolicionistas, quanto mais prisões, mais o crime prospera.
A tese se apoia na correlação entre aumento da criminalidade organizada e da
população carcerária, tomando superpopulação e encarceramento em massa como fenômenos indissociáveis. Contudo, há um equívoco conceitual: superpopulação carcerária é apenas o excesso de presos frente às vagas disponíveis.
Trata-se de um conceito objetivo e quantitativo, tal qual estabelece a Lei de Execução Penal (6m² por preso). Já o encarceramento em massa é qualitativo e ideológico, frequentemente antecedido por juízos morais sobre o “quanto se deve prender”.
Um estudo recente de Alícia Regianne Bezerra de Lima (2025), do Grupo
DECrim/UFRN, evidenciou discrepâncias entre fontes oficiais. O Anuário de Segurança Pública (2023) registrou 846 mil presos, enquanto o Senappen indicou 642 mil – diferença de 200 mil pessoas. Isso decorre da exclusão, por algumas entidades, dos beneficiários do regime semiaberto harmonizado, criado pelo Judiciário e mantido como solução à falta de vagas.
O semiaberto harmonizado soma-se a uma dezena de institutos
despenalizadores – ANPP, transação penal, sursis, colaboração premiada, penas
alternativas, entre outros. Esse conjunto reduz a prisão a casos graves e reincidentes, revelando que a política criminal brasileira é, na prática, desencarceradora, apesar dodiscurso alarmista de “encarceramento em massa”.
Mas como explicar a superpopulação sem política de encarceramento? O Brasil
mantém há décadas um estoque elevado de crimes, agravado pela subnotificação e pela baixa resolução de delitos. Países como Suécia e Coreia do Sul têm 98 presos e 1 homicídio por 100 mil habitantes; o Brasil, com 392 presos, registra 27,38 homicídios por 100 mil. Embora encarcere 4 vezes mais, são 27 vezes mais homicídios.
Considerando que a maioria dos presos responde por delitos diversos de
homicídio, a criminalidade brasileira é ainda muito superior à média da OCDE. Já na América do Sul, o Brasil prende menos que o Uruguai, apesar de apresentar três vezes mais homicídios.
Esses dados indicam que o efeito dissuasório da pena de prisão nunca foi
efetivamente testado no país. A precariedade estrutural e as inúmeras alternativas à prisão reduzem a probabilidade de punição e a severidade da pena, variáveis centrais no modelo de Becker (1968). Como mostrou Shikida (2024), quando ambas tendem a zero, o crime dispara – exatamente o que ocorreu no Brasil após a reforma penal de 1984.
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Diante disso, a solução para a superpopulação carcerária não é soltar, mas
construir. É preciso ampliar os estabelecimentos penais, sobretudo para os regimes semiaberto e aberto, onde a falta de vagas é crônica. Essa carência alimenta um “desencarceramento em massa”, sustentado pela precária monitoração eletrônica. (Rodrigues, 2021).
Por fim, é fundamental mensurar empiricamente a rotatividade das vagas
prisionais. Uma penitenciária com 500 presos em janeiro pode ter o mesmo número em dezembro, mas com pessoas distintas. Essa taxa de substituição revelaria que o país não prende demais, e sim prende mal, mantendo milhares de criminosos impunes por décadas de ineficiência estatal.
BECKER, G. Crime and punishment: an economic approach. 1968.
LIMA, A. R. B. de; RODRIGUES, F. A. O Brasil prende pouco e mal. 2025.
RODRIGUES, F. A. Análise econômica da execução penal. 2021.
RODRIGUES, F. A. Análise econômica do direito penal propriamente dita. 2023.
RODRIGUES, F. A. Terrorismo e crime organizado. 2025.
SHIKIDA, P. F. A. Aspectos da economia do crime em unidades prisionais. 2024.