Relatório da OMS sobre doenças negligenciadas aponta ações que interessam ao Brasil

A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou no último dia 22 de outubro o Relatório Global sobre Doenças Tropicais Negligenciadas 2025, o terceiro de uma série que monitora o progresso em direção às metas de 2030 estabelecidas no Roteiro para Doenças Tropicais Negligenciadas 2021-2030. O relatório apresenta um panorama abrangente das conquistas e desafios globais relacionados às doenças tropicais negligenciadas (DTNs) em todas as seis regiões da OMS.

Doenças tropicais negligenciadas são doenças bastante relacionadas à pobreza e que impõem um fardo humano, social e econômico devastador a mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo, predominantemente em áreas tropicais e subtropicais, entre as populações mais vulneráveis ​​e marginalizadas.

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Em geral, são doenças infecciosas, como a leishmaniose, hanseníase e malária, que afetam desproporcionalmente populações de baixa renda, especialmente em países em desenvolvimento. Elas são consideradas negligenciadas por receberem pouca atenção e interesse político e também por atraírem pouco investimento de pesquisa e desenvolvimento, embora tenham alto impacto na saúde individual e coletiva.

Além do relatório sobre o impacto e as ações que vem sendo tomadas para enfrentar as doenças negligenciadas no mundo hoje, o documento também traz um roteiro de ações a serem adotadas até 2030. O roteiro elaborado pela OMS para 2030 define metas e estratégias específicas para cada doença negligenciada ali destacada, sendo fruto de um amplo debate onde estão representadas as vozes de toda a comunidade de DTN.

O texto também reforça as atividades específicas desenvolvidas pela OMS para cada doença, organizando um programa de ação dedicado a todas as DTNs e fomentando a colaboração entre fabricantes de produtos farmacêuticos, parceiros de P&D, organizações filantrópicas, autoridades nacionais de saúde e a própria OMS.

Esse esforço coordenado é fundamental para uma redução da carga global das DTNs e o Brasil, como país diretamente interessado no tema e com boas capacidades para a adoção de medidas voltadas ao enfrentamento das doenças negligenciadas, deve atentar para este movimento e ocupar um protagonismo que lhe é natural neste debate global.

Destaques do Relatório Global sobre Doenças Tropicais Negligenciadas 2025

O relatório e o roteiro de ação estão baseados em três pilares estruturantes:

Aceleração das ações programáticas;
Intensificação das ações e planos transversais;
Mudança dos modelos operacionais atuais e implementação de ações que facilitem a apropriação, pelos países, de todas as etapas do processo de inovação, produção e acesso a medicamentos para doenças negligenciadas.

Além destes três pilares que estruturam o relatório e pautam as ações a serem tomadas até 2030, vale destacar alguns pontos essenciais trazidos pelo Relatório:

Redução no número de pessoas que necessitam de intervenções contra DTNs: Em 2023, 1,5 bilhão de pessoas necessitaram intervenções contra DTNs. Este número representa 122 milhões a menos do que em 2022 e uma redução de 32% em relação à linha de base de 2010.

Redução da carga da doença: Entre 2015 e 2021, a carga da doença caiu de 17,2 milhões para 14,1 milhões de DALYs (anos de vida ajustados por incapacidade), enquanto as mortes relacionadas a DTNs (Doenças Tropicais Negligenciadas) diminuíram de uma estimativa de 139 mil para 119 mil.

Aumento do número de pessoas tratadas: Em 2023, 867,1 milhões de pessoas foram tratadas para pelo menos uma DTN, cerca de 18 milhões a mais do que em 2022.

Eliminação de DTNs: Em 2024, sete países foram reconhecidos pela OMS por terem eliminado uma DTN.

Progressos transversais: Os avanços incluem maior integração na implementação da quimioterapia preventiva, adoção mais ampla de estratégias integradas para DTNs cutâneas, maior inclusão de DTNs em estratégias, planos e pacotes de serviços essenciais nacionais de saúde e a adoção mais ampla de diretrizes para o manejo de deficiências relacionadas a DTNs.

Pesquisa e inovação: Em 2024, a OMS lançou um processo para definir as prioridades de pesquisa e desenvolvimento para as DTNs e pré-qualificou seis novas formulações de medicamentos, um ingrediente farmacêutico ativo e uma nova vacina contra a dengue.

Medicamentos e outros produtos de saúde: Até o final de 2024, 19 tipos diferentes de medicamentos para DTNs foram doados por 12 fabricantes; dos quase 30 bilhões de comprimidos e frascos entregues aos países desde 2011, 1,8 bilhão foram destinados a tratamentos somente em 2024. No mesmo ano, a OMS facilitou a aquisição de mais de 1 milhão de testes de diagnóstico para cinco DTNs.

Advocacia e parcerias: Em 2024, as DTNs permaneceram visíveis em fóruns globais, como a Assembleia Geral das Nações Unidas, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e o G7 e o G20; parcerias foram estabelecidas ou renovadas com a Gavi, a Aliança de Vacinas (sobre a vacina contra a raiva) e com o Fundo Global de Tecnologias Inovadoras em Saúde (sobre o acesso a medicamentos, vacinas e diagnósticos).

Sustentabilidade: Em 2024, 14 países africanos haviam desenvolvido planos nacionais para fortalecer a sustentabilidade da prestação de serviços relacionados às DTNs.

Roteiro de ações para tratamento das DTNs até o ano de 2030

Além do diagnóstico preocupante, embora positivo em alguns aspectos, apresentado pela OMS, o documento também traz um roteiro de ações para serem adotadas até o ano de 2030.

O roteiro para 2030 abrange um conjunto medicamentos voltados ao tratamento de doenças e grupos de doenças que afetam desproporcionalmente pessoas que vivem na pobreza, predominantemente em áreas tropicais e subtropicais.

Embora os recursos para DTNs muitas vezes não sejam compatíveis com a vasta necessidade, o documento destaca o fato de que as intervenções para DTNs são um dos melhores investimentos em saúde pública global. Nesse sentido, o roteiro tem dois objetivos principais: permitir que os governos nacionais assumam a liderança na implementação de intervenções contra as DTNs, fornecendo marcos claros e abordagens transversais específicas para cada doença.

O roteiro inclui também o incentivo à comunidade global e partes interessadas – doadores, empresas farmacêuticas, parceiros de implementação, organizações não governamentais e instituições acadêmicas – a aumentar seus compromissos para superar as DTNs na próxima década. De forma geral, espera-se que o roteiro incentive três mudanças fundamentais na abordagem para o combate às DTNs:

adoção de indicadores de impacto em vez de indicadores de processo e aceleração da ação programática;
deixar de adotar programas isolados e específicos para doenças e passar a integrar estes programas aos sistemas nacionais de saúde, bem como intensificar abordagens transversais centradas nas necessidades das pessoas e das comunidades e;
mudar os modelos operacionais para facilitar uma maior apropriação dos programas pelos países.

Desafios a serem enfrentados

O relatório da OMS destaca o progresso lento na redução de mortes por doenças transmitidas por vetores, na expansão do acesso à água, saneamento e higiene, e na proteção das populações contra gastos catastróficos com saúde, revelando lacunas persistentes em uma resposta multissetorial harmonizada.

Também persistem lacunas na garantia de relatórios de dados completos sobre todas as DTNs e na coleta de informações desagregadas por gênero. As conclusões de uma avaliação qualitativa do progresso em direção às metas do roteiro identificaram necessidades e prioridades essenciais em quatro dimensões: diagnóstico, monitoramento e avaliação, acesso e logística, e advocacia e financiamento.

Os programas para DTNs continuam sendo severamente afetados pela redução da disponibilidade de financiamento. A ajuda oficial ao desenvolvimento diminuiu 41% entre 2018 e 2023, ressaltando a necessidade de priorização, mobilização de recursos domésticos e foco estratégico em intervenções de alto impacto.

Oportunidade para o Brasil

O Brasil, como um país de dimensões continentais, que sofre com as doenças negligenciadas e que possui uma capacidade considerável para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de saúde voltadas ao enfrentamento destas doenças, tem uma oportunidade ímpar para assumir protagonismo global na condução de soluções universais e eficazes para dengue, malária, febre amarela, leishmaniose, zika e várias outras.

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Como apontado pela OMS, a redução do financiamento internacional para o enfrentamento das doenças negligenciadas exige que os países aumentem os seus recursos internos destinados a este problema de saúde.

O Brasil deve assumir o seu papel neste movimento global que lhe interessa diretamente e assumir o protagonismo que o tema lhe insere naturalmente, dada a prevalência destas doenças em nosso território e considerando a existência do Sistema Único de Saúde e de um crescente complexo econômico e industrial em saúde.

Organização Mundial de Saúde. Ending the neglect to attain the Sustainable Development Goals: A road map for neglected tropical diseases 2021–2030. Disponível em: https://www.who.int/teams/control-of-neglected-tropical-diseases/ending-ntds-together-towards-2030

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