A globalização do mundo como entendemos teve início com as navegações ibéricas e, ao que tudo indica, tem atingido seu ápice com a profusão de informações praticamente instantâneas. Isso se reflete nas decisões de consumo no comércio exterior, fortemente atreladas às preocupações com as questões ambientais, em que o consumidor exigente busca informações sobre a origem dos produtos que adquire, em especial, se o meio de produção aplicado é nocivo ou não ao meio ambiente.
Neste contexto, surgiu um pacto multisetorial entre diversos segmentos particulares denominado Moratória da Soja, que, no vácuo deixado pelo poder público, criou medidas de proteção para impedir o comércio de grãos cultivados em áreas desmatadas após 2008 na Amazônia, exatamente, para atender um público consumidor internacional exigente e intransigente na preservação do bioma amazônico, de importância global.
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Acontece que muitos produtores rurais proprietários de terras que não quiseram aderir à denominada Moratória da Soja promoveram articulação política para que o próprio Estado criasse, paradoxalmente de forma contrária ao meio ambiente, medidas para conter a atividade do dito acordo, sob a forma de regra de índole tributária, mais especificamente, o indeferimento de isenção de tributos estaduais incidentes sobre o comércio de produtos no âmbito do referido pacto.
A ADI 7774 tem por objeto a Lei Estadual 12.709/2024 de Mato Grosso, que prevê a vedação de incentivos fiscais e concessão de terrenos públicos a empresas que participem de acordos nos moldes da Moratória da Soja. Decisão liminar, de relatoria do ministro Flávio Dino, autorizou a vigência da norma em comento a partir de janeiro de 2026.
Via de regra, os benefícios fiscais são legítimos instrumentos indutores de conduta do contribuinte, dentro do contexto de uma política pública que reverta benefícios para a coletividade, mediante a redução da carga tributária, seja para atender questões humanitárias sob o aspecto da capacidade contributiva, para o desenvolvimento econômico local ou onerando produtos que sejam considerados nocivos à saúde, como no caso do cigarro.
Contudo, o que se vê é a instituição de um benefício tributário que favorece aquele contribuinte que não adote práticas ambientalmente corretas, constituindo verdadeira punição àquele que se submete espontaneamente a práticas definidas por particulares na salvaguarda do meio ambiente.
Importante frisar que o Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, veda a instituição de tributo como forma de sanção a ato ilícito, o que torna a situação mais esdrúxula, na medida em que foi instituída a vedação de benefício tributário àquele que adote práticas, não só ambientalmente corretas, como não consideradas ilegais.
Assim, a questão que se coloca é se diante da introdução do critério ambiental no bojo da reforma tributária instituída pela Emenda Constitucional 132/2023, hierarquizado como princípio constitucional tributário, faria sentido permanecer no sistema norma de índole tributária, no caso, vedação à concessão de benefício fiscal, exatamente para punir o particular que, em substituição à omissão do Estado, toma providências para preservar o meio ambiente.
A propósito, diversos doutrinadores já se posicionaram sobre a desnecessidade da introdução do princípio da proteção ao meio ambiente em âmbito tributário, sob o fundamento de que, implicitamente, a Constituição já o albergava sem seu art. 170 e 225.
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Assim, ao que tudo indica, estamos diante do primeiro embate entre norma infraconstitucional e o novel princípio da proteção do meio ambiente, que além de ter sido inserido no art. 145, § 3º, da Constituição Federal, mais adiante, quando é enfatizado no § 4º, art. 43, ao tratar da concessão dos incentivos regionais.
Portanto, é de causar estranheza que norma infraconstitucional que pressiona o contribuinte a ter que optar entre conduzir seus negócios adotando práticas ecologicamente corretas (atendendo, inclusive, as demandas do comércio internacional) possa permanecer no sistema, mesmo com a explícita adoção do princípio de índole constitucional, no sentido de que as regas tributárias devem contemplar a proteção ao meio ambiente.