A definição sobre as situações que podem levar à desconsideração da personalidade jurídica gerou debate no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e um pedido de vista adiou a elaboração de uma tese que deverá ser seguida pela 1ª e 2ª instâncias do Judiciário em todo o país.
A Corte discute se o instrumento da desconsideração pode ou não ser aplicado quando a empresa não tiver mais bens penhoráveis ou tiver sido encerrada de forma irregular.
A controvérsia gira em torno do alcance do mecanismo: se ele deve ser aplicado de forma mais restritiva, apenas em casos de abuso comprovado da personalidade jurídica, ou também quando houver obstáculos para o ressarcimento de consumidores por prejuízos sofridos.
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A desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento jurídico que permite suspender a separação entre o patrimônio da empresa e o dos sócios ou administradores, possibilitando que esses respondam com seus bens pessoais em caso de irregularidades da firma ou de dívidas não quitadas.
O relator, ministro Raul Araújo, defendeu a observância dos critérios estabelecidos no Código Civil. Para ele, nas relações de direito civil e empresarial, a desconsideração requer a comprovação de abuso da personalidade jurídica, ou seja, a existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial entre a empresa e seus sócios.
Para o ministro, a desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional que exige comprovação de abuso. “A mera inexistência de bens penhoráveis e o encerramento irregular das atividades da empresa, por si só, não configuram abuso da personalidade jurídica e não autorizam a aplicação da desconsideração”, afirmou. Ele propôs a seguinte tese:
“Nas relações jurídicas de direito civil e empresarial, a desconsideração da personalidade jurídica requer a efetiva comprovação de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, nos termos exigidos pelo art. 50 do Código Civil, sendo insuficiente a mera inexistência de bens penhoráveis ou o encerramento irregular das atividades da sociedade empresária.”
“Ninguém mais paga conta”
A ministra Nancy Andrighi pediu vista após manifestar dúvidas sobre a tese proposta pelo relator. Ela sugeriu ampliar as hipóteses de desconsideração.
“É preciso haver cumulativamente esses dois requisitos: primeiro, não ter bens penhoráveis, e, segundo, ter fechado a empresa de forma irregular ou indevida”, afirmou. “Somando esses dois, defere-se a desconsideração da personalidade jurídica, que é o incidente processual no qual haverá a prova pelos sócios.”
A ministra fez um alerta sobre as possíveis consequências: “Se escrevermos na tese que esses dois requisitos são suficientes e têm uma feição objetiva, ninguém mais vai pagar conta no Brasil, porque basta fechar a empresa irregularmente, desocupar o imóvel, alugar outro e pronto: começa de novo”.
A ministra Daniela Teixeira também defendeu aprimorar a tese proposta pelo relator, já que o texto deverá ser obedecido pelas instâncias inferiores.
“Como será uma tese repetitiva, aqui nós temos no STJ, especialmente na 3ª Turma, o entendimento de que a teoria menor deve ser adotada com o objetivo de proteger direitos dos hipossuficientes em relações assimétricas, como as de consumo”, declarou.
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Ela sugeriu incluir uma ressalva na tese para permitir a desconsideração nos casos de falta de bens ou de fechamento irregular quando o objetivo for garantir o ressarcimento de prejuízos causados a consumidores, conforme o Código de Defesa do Consumidor.
O STJ analisou dois recursos originários de São Paulo. Em um deles, a desconsideração foi aplicada com base apenas na falta de bens e no fechamento irregular da empresa; no outro, foi rejeitada. A discussão está reunida no Tema 1.210 (REsps 1.873.187 e 1.873.811).