O ambiente jurídico é tradicionalmente conhecido por suas barreiras comunicacionais, marcadas pela utilização de linguagem complexa, excesso de formalidade e falta de objetividade. Vícios de redação, como o uso de abstrações, “pigarros linguísticos” e a proliferação de adjetivos e advérbios, comprometem a clareza e a precisão. Textos longos, com citações em excesso e rodeios, cansam o leitor e enfraquecem a ênfase do argumento. O uso desnecessário de expressões em língua estrangeira dificulta a compreensão e torna o texto menos acessível.
Essa complexidade impacta diretamente a utilidade dos documentos jurídicos. A orientação jurídica exige comunicação compreensível aos seus destinatários. Um parecer, por exemplo, deve ser um instrumento que facilita a tomada de decisão pela Administração Pública, e um texto mal escrito pode ser juridicamente correto, mas inútil para o gestor.
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A Consultoria-Geral da União (CGU), atenta à demanda por eficiência, tem se empenhado em reverter esse quadro. A necessidade de mudança foi identificada e confirmada por ferramentas de gestão, como a anual “Pesquisa de Satisfação dos Órgãos Assessorados”, dirigida a gestores que utilizaram serviços de consultoria e assessoramento jurídico da AGU. O questionário traz avaliação objetiva em eixos como clareza, abrangência e resolutividade, e inclui campo aberto para críticas, sugestões e comentários. Nesses registros, os gestores apontam problemas concretos nas manifestações recebidas. Não há receio a críticas.
Os consulentes esperam manifestações que enfrentem os aspectos jurídicos relevantes e indiquem, com segurança, a melhor forma de viabilizar, por exemplo, a contratação necessária aos objetivos do serviço público. A atuação consultiva da União deve viabilizar juridicamente a implementação das políticas públicas, e a linguagem é determinante nesse processo.
A consultoria jurídica deve cumprir seu papel de dar segurança jurídica às escolhas administrativas. Mesmo nos casos em que a conclusão seja pela impossibilidade da proposta inicial do gestor, a atuação consultiva não se encerra: o advogado deve se posicionar sobre a juridicidade do caso e oferecer alternativas viáveis à decisão, com seus condicionantes e riscos.
Identificada a necessidade de tornar a atuação consultiva mais objetiva, incisiva e direta, a Consultoria-Geral da União – CGU vem, desde 2023[1], implementando medidas para mudar a cultura jurídica e adotar a estruturação objetiva e a linguagem simples. Foram estruturadas iniciativas de formação, incluindo a realização de cursos de redação jurídica baseados em técnicas que viabilizem clareza, precisão e concisão. Em paralelo, vem sendo fomentada a revisão de orientações e modelos em âmbito nacional, para consolidar essa linha comunicativa, com recomendações sobre estrutura e extensão da manifestação (“Parecer Nota 10”) e sobre conteúdo (“Manifestação Consultiva Mínima”).
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As diretrizes gerais, consolidadas na “Boa Prática Consultiva Fundamental nº 1”[2], poderão receber suporte normativo, com parâmetros claros: as manifestações consultivas devem ser concisas e ter apenas a extensão necessária para responder de forma objetiva à consulta; a redação deve adotar linguagem simples e clara, evitando expressões excessivamente técnicas ou rebuscadas.
As medidas adotadas, sem prejuízo das futuras, vêm produzindo resultados percebidos pelos gestores, destinatários finais do trabalho consultivo. A edição mais recente da Pesquisa de Satisfação dos Órgãos Assessorados registrou a melhoria da qualidade das manifestações consultivas da União. No campo de comentários abertos, gestores relataram retorno positivo, com menções a orientações jurídicas “bem claras e didáticas”.
Esses relatos evidenciam que o caminho da objetividade, da clareza e do foco na resolução de problemas, orientado pelas novas diretrizes, está em curso. A adoção da linguagem simples e a estruturação dos elementos formais das manifestações, que abrangem a redação e a organização do texto, tornam os documentos consultivos da AGU, e especialmente da Consultoria-Geral da União, mais incisivas e diretas, cumprindo seu papel de prover segurança jurídica e viabilizar decisões administrativas em prol das políticas públicas.
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[1] https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-lanca-projeto-para-simplificar-linguagem-juridica-em-manifestacoes-consultivas
[2] https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/cartasecartilhas/bpcf-1-em-pdf-diagramado-ascom.pdf