A questionável alteração nos índices de atualização dos depósitos federais

Em julho deste ano, foi publicada a Portaria do Ministério da Fazenda 1.430/2025 que, com fundamento na Lei 14.973/2024, modifica o índice de atualização dos depósitos em processos administrativos ou judiciais em que figure a União, seus órgãos, fundos, autarquias, fundações ou empresas estatais.

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Segundo a Portaria, os depósitos realizados a partir de 1º de janeiro de 2026 passarão a ser atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e não mais pela Taxa SELIC. Já os depósitos realizados até o final deste ano continuarão sendo corrigidos pela mesma taxa.

A Portaria tem grande impacto nos processos judiciais envolvendo tributos federais em que o contribuinte tenha optado por realizar depósitos com o objetivo de suspender a exigibilidade dos débitos.

Se, de um lado, a própria Portaria é expressa ao mencionar a impossibilidade de cobrança de complemento dos valores depositados, caso o contribuinte saia vencido na demanda e haja descompasso entre o montante depositado e o valor da dívida, os possíveis reflexos de uma decisão definitiva favorável ao contribuinte são mais questionáveis.

O primeiro questionamento que a nova legislação suscita diz respeito ao próprio interesse dos contribuintes em imobilizar recursos em um cenário em que eventual levantamento de depósito será remunerado pelo IPCA, índice que, geralmente, tem sido inferior à SELIC.

Atualmente, o interesse pelo depósito decorre da possibilidade de levantamento dos valores acrescidos de juros calculados à Taxa SELIC. Com a perspectiva de aplicação de índice inferior, os depósitos podem perder sua atratividade.

A própria constitucionalidade  dessa disposição é questionável, sobretudo na hipótese de a demanda ser encerrada com ganho de causa ao contribuinte.

Já está consolidado pela jurisprudência que, na repetição de indébito, a União deve remunerar os contribuintes mediante a aplicação dos mesmos índices aplicáveis aos débitos tributários[1]. Apesar de, a princípio, esta lógica não ser aplicável aos depósitos -, uma análise mais aprofundada do funcionamento dos depósitos destinados à União tende a aproximar os institutos.

Segundo o art. 35 da Lei nº 14.973/2024, os depósitos em processos administrativos ou judiciais em que figure a União serão realizados perante a Caixa Econômica Federal, que os direcionará à Conta Única do Tesouro Nacional. A questão que surge desse procedimento está relacionada à disponibilidade dos recursos destinados à Conta Única do Tesouro Nacional: esses valores podem, ou não, ser utilizados pela União?

O funcionamento da conta única do Tesouro Nacional remonta a meados da década de 80, mais precisamente ao Decreto 93.872/1986, que prevê, em seu artigo 2º, que a arrecadação de todas as receitas da União deve ser recolhida à conta do Tesouro Nacional.

Nota-se, portanto, que como o próprio nome diz, se trata de uma conta única para a qual são destinados tanto o produto da arrecadação ordinária, isto é, os valores decorrentes da extinção de tributos pelo pagamento, quanto os montantes provenientes de depósitos judiciais.

O mesmo decreto estabelece, em seu artigo 4º, os requisitos para movimentação dos recursos existentes nessa conta, quais sejam, as despesas a serem pagas devem estar formalmente processadas e estar dentro dos limites estabelecidos na programação financeira.

Em outras palavras, é a conta única do Tesouro Nacional que faz frente às despesas da União, de modo que os valores nela existentes estão plenamente disponíveis para utilização, obviamente dentro dos limites estabelecidos pela lei orçamentária.

Sob a perspectiva de disponibilidade para a União, portanto, nada distingue os montantes provenientes do pagamento de tributos e aqueles oriundos de depósitos.

Essa equivalência de tratamentos entre as duas fontes de arrecadação permite aproximar também o tratamento jurídico destinado à repetição de indébito e aquele voltado aos depósitos.

Ora, considerando-se que (i) os débitos de tributos federais seguem sendo corrigidos pela Taxa SELIC; (ii) já é pacífico que na repetição de indébito a União deve restituir os valores ao contribuinte aplicando o mesmo índice aplicável aos tributos federais  e (iii) os depósitos judiciais realizados pelos contribuintes nas causas envolvendo a União destinam-se à conta única do Tesouro Nacional e podem ser por ela utilizados, parece bastante controverso que o levantamento dos depósitos pelos contribuintes seja remunerado por taxa diversa.

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Diante desse cenário, são relevantes os questionamentos jurídicos e econômicos suscitados pela Portaria nº 1.430/2025. De um lado, o interesse dos contribuintes em optar pelo depósito judicial como forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário tende a reduzir em razão da menor rentabilidade associada ao IPCA. De outro, devem surgir questionamentos quanto à coerência do tratamento conferido aos depósitos utilizados pela União com aquele aplicável às repetições de indébito. Caberá ao Poder Judiciário definir se a substituição da SELIC pelo IPCA preserva os princípios da isonomia e da justa remuneração dos valores depositados pelos contribuintes.

[1] Arguição de Inconstitucionalidade 0170909-61.2012.8.26.000 do Órgão Especial do TJ/SP e Tema 810, julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

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