‘Mais inteligência e menos sangue’: como governo Lula calibrou o tom após operação no RJ

O presidente Lula estava incomunicável dentro do avião KC-30 da Aeronáutica, voltando da Malásia para Brasília,  na terça-feira (28/9), quando o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, arrastou o governo federal para os holofotes ao criticá-lo na primeira coletiva logo após a operação Contenção. A operação nos complexos do Alemão e da Penha deixou mais de 130 mortos, incluindo 4 policiais.

Sem contato com o presidente da República, a cúpula do governo em Brasília tentou articular uma resposta. O vice-presidente Geraldo Alckmin convocou uma reunião de emergência com os ministros Rui Costa (Casa Civil), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Sidônio Palmeira (Secom) para discutir o que fazer.

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Ainda sem contato com Lula, as primeiras respostas foram críticas. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, deu entrevista coletiva para dizer que o governo nunca negou ajuda ao Rio de Janeiro, que Castro não havia feito nenhum pedido sobre essa operação específica e que o papel constitucional do governo federal na segurança é muito limitado.

“A responsabilidade constitucional pela segurança pública nos estados é das autoridades locais, é do governador”, disse o ministro. “A Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e as forças federais têm uma competência muito limitada, constitucionalmente. As forças federais não são forças coadjuvantes das polícias militares e das polícias civis, nós auxiliamos o Rio de Janeiro no que pudemos.”

Edinho Silva, presidente do PT, chamou a operação de “desastrosa para toda a população”, acusou Castro de tentar politizar a crise de segurança e comparou a ação no Rio de Janeiro com a operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, destacando que ela mirou o crime organizado sem deixar mortos. 

“Segurança pública não se faz com ações isoladas, improvisadas e que colocam a população em risco”, escreveu ele nas redes sociais.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também criticou Castro, dizendo que, no Rio de Janeiro, o dinheiro que financia o crime organizado é oriundo da fraude tributária e que “o Estado do Rio não tem feito praticamente nada em relação ao contrabando de combustível”, problema que a Fazenda tem tentado resolver. 

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Quando o presidente Lula finalmente pousou no Brasil, o tom do discurso mudou. Após uma reunião do presidente com os ministros na quarta-feira (29/10) de manhã, as respostas do governo passaram a indicar uma tentativa de não confrontar diretamente Castro para não reforçar a ideia vendida pela oposição de que a esquerda é conivente com a criminalidade. 

“O fato de que tudo está acontecendo enquanto o presidente da República está em um avião incomunicável é importante porque todos os ganhos de popularidade do governo Lula na conjuntura recente têm muito mais a ver com o papel e a ação efetiva do presidente (além de serem uma boa resposta aos erros da oposição) do que diretamente a presença de um núcleo decisório muito eficaz”, avalia o cientista político Creomar de Souza, CEO da consultoria Dharma e professor da Fundação Dom Cabral. “Quando o presidente da República chega, em algum sentido, a primeira parte do embate está perdida.”

“Mesmo não sendo um grande comunicador e mesmo tendo uma fala que é de difícil compreensão, o Cláudio Castro se colocou ali para os olhares de uma parte importante da população do Rio de Janeiro como alguém que está resolvendo o problema”, diz Souza. 

O tema da segurança pública é tradicionalmente espinhoso para a esquerda e o próprio Lula tinha feito uma fala desastrosa, com péssima repercussão, na semana anterior. Ele disse que “os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também”. O presidente se retratou pouco tempo depois e disse que foi uma “frase mal colocada”.

Tudo isso ampliou a importância de uma resposta estratégica à crise no Rio de Janeiro, até para não perder a vantagem que o governo havia alcançado nos últimos meses. Embora várias das vitórias do governo recentes tenham sido de certa forma erros da oposição, a avaliação do Planalto foi de que o governo vinha conseguindo surfar muito bem, o que foi um mérito da comunicação.

Na primeira fala oficial do presidente sobre a operação, Lula abriu com uma crítica ao crime organizado e não citou o número recorde de mortes.  “Não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias, oprimindo moradores e espalhando drogas e violências pelas cidades”, disse Lula no comunicado oficial.  “Precisamos de um trabalho coordenado que atinja a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco.”

O nível de letalidade na operação Contenção foi tão alto que ultrapassou o massacre do Carandiru, levou a cobranças nacionais e internacionais e motivou até mesmo algumas críticas pontuais da própria polícia e de um deputado de direita, embora a resposta da direita, em geral, tenha sido de apoio massivo. 

O ex-delegado da Polícia Civil Vinícius George criticou a tática usada na operação em entrevista à Folha de S.Paulo. Já o pastor e deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) afirmou que quatro filhos de membros da sua igreja que nunca pegaram em armas foram mortos na operação.

“E ninguém nunca vai correr atrás de saber que eram inocentes. Porque preto correndo em dia de operação é bandido. Preto, com chinelo havaia, sem camisa, pode ser trabalhador; correu, é bandido”, afirmou em um discurso emocionado na Câmara dos Deputados. 

O discurso de Lula e do governo, no entanto, foi rapidamente modulado e as críticas foram contidas e focadas na efetividade do combate ao crime. 

Souza afirma que a situação toda coloca o governo em uma posição muito difícil para não parecer que concorda com um massacre e, ao mesmo, mostrar que também não é conivente com o crime.

“É um desafio sobretudo porque esse movimento tem que ser feito de maneira a convencer os poucos eleitores que não estarão já mergulhados em apoiar candidatos que são mais belicistas, mas também sem perder aqueles que efetivamente votam no PT porque têm uma expectativa de uma abordagem mais próxima do olhar da esquerda”, afirma o analista político. 

Em um vídeo institucional publicado na quarta-feira, o governo abre dizendo que o crime organizado é um dos piores problemas do Brasil e fala sobre os riscos à vida dos policiais, para desfazer a ideia de que a esquerda não defende a polícia. 

“O crime organizado destrói famílias, oprime moradores e espalha drogas e violência pelas cidades. Por isso, com razão, as pessoas têm medo e raiva do crime organizado”, diz o vídeo. “Então, matar criminosos parece a solução. Mas operações como essa também colocam policiais, crianças e inocentes em risco”, continua a peça institucional, que argumenta que matar 120 pessoas não é a solução e que o combate tem que ser feito com “mais inteligência e menos sangue”. 

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O segundo momento de resposta à crise conseguiu algo com o que o PT historicamente já teve muita dificuldade: coordenar rapidamente a comunicação do partido, com os diversos nomes do governo dando respostas alinhadas. 

A ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, conhecida por integrar a ala mais à esquerda do partido, deu entrevista na quarta-feira focando não em criticar a ilegalidade de execuções pela polícia, mas em discutir a efetividade prática da ação contra o crime. 

“Para saber se a operação foi bem sucedida, precisamos entender de que forma ela descapitalizou, tirou o dinheiro do crime organizado”, disse Hoffmann em entrevista à GloboNews, destacando o aspecto econômico — um dos trunfos da operação Carbono Oculto da Polícia Federal também levantados no vídeo institucional.

Pesquisas de opinião mostram que uma parte considerável da população vê com bons olhos ações extremas e operações como a de terça.

Uma pesquisa da Palver, que faz análises de tendências sociais, analisou 100 mil grupos de Whatsapp e mostrou que, nacionalmente, 45% das mensagens compartilhadas de terça até as 8h de quarta eram favoráveis à operação. No Rio de Janeiro, no entanto, o cenário foi oposto: 43% das mensagens foram críticas à ação do governo do estado. 

Nesta quinta, um editorial do jornal O Globo elogiou a operação, dizendo que ela foi “planejada” e que, embora a letalidade precise ser investigada, “houve preocupação das autoridades em preservar moradores”. 

Outro ponto, que amplia a necessidade de Lula não parecer excessivamente combativo ao governo do Rio de Janeiro, é que um dos principais temas eleitos pelo Executivo federal para retomar o controle da discussão pública é a PEC da Segurança Pública (PEC 18/2025), que atribui à União a competência para estabelecer a política e o plano nacional de segurança pública e defesa social.

Um dos pontos centrais da proposta é a necessidade de coordenação entre as polícias e trabalho em conjunto, o que colocaria o governo em conflito consigo mesmo se continuasse batendo de frente com Castro. 

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