A revolta dos tecelões e o dilema da Inteligência Artificial

No início do século XIX, trabalhadores da indústria têxtil britânica protagonizaram um dos primeiros embates entre homem e máquina. Conhecidos como ludistas, esses operários destruíam teares mecânicos em protesto contra a substituição de sua força de trabalho por tecnologias que prometiam produtividade, mas ameaçavam empregos e saberes tradicionais. A mecanização, apesar da resistência, se consolidou como um divisor de águas na Revolução Industrial. O mundo mudou — e não voltou atrás.

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Hoje, vivemos um momento semelhante. A Inteligência Artificial, com sua capacidade de aprender, decidir e criar, está redesenhando os contornos do trabalho humano. De diagnósticos médicos a decisões jurídicas, passando por produção de conteúdo e gestão de dados, a IA já ocupa espaços antes reservados exclusivamente à cognição humana. E, como aconteceu com os teares, não há como frear esse avanço. A irreversibilidade da IA é um fato — e ignorá-lo é perder tempo.

O problema é que estamos tomando decisões cruciais às cegas. A velocidade com que a IA se desenvolve supera nossa capacidade de compreendê-la e regulá-la. Governos, empresas e cidadãos enfrentam dilemas éticos e sociais sem precedentes, muitas vezes sem saber ao certo o que está em jogo. Quem responde por um erro cometido por um algoritmo? Como garantir que decisões automatizadas sejam justas e transparentes? Estamos construindo regras enquanto o jogo já começou — e isso exige coragem e lucidez.

É nesse contexto que se impõe a necessidade de uma regulamentação inteligente. Não se trata de restringir ou sufocar a inovação, mas de estabelecer princípios claros que orientem seu uso. Uma regulação principiológica — baseada em valores como transparência, responsabilidade e equidade — é mais eficaz do que normas rígidas que envelhecem antes mesmo de serem aplicadas. Caso contrário, corremos o risco de criar legislações que não dialogam com a realidade e se tornam letra morta.

O financiamento a projetos de IA também cresce verticalmente. Somente a Finep, agência de inovação governamental, disponibilizou mais de R$ 2 bilhões nos últimos dois anos para o segmento. Outras instituições financeiras do Sistema Nacional de Fomento, como o BNDES, e agências de fomento estaduais têm diversos recursos direcionados à Inteligência Artificial das mais diversos soluções.

Desde 2020 o Congresso Nacional deu início ao movimento de regulação de tecnologias de IA no Brasil. Entretanto, a discussão ganhou protagonismo na agenda nacional no ano passado, quando o Senado Federal aprovou o PL 2.338 de 2023. Neste ano o texto passou a tramitar na Câmara dos Deputados, e foi criada uma Comissão Especial sobre Inteligência Artificial. A Comissão realizou 12 audiências públicas, com o número de 87 convidados – representantes da sociedade, da academia e do governo. Ainda este ano, o plano de trabalho da comissão prevê a realização de seminários regionais e um seminário internacional. Tudo isso para que tenhamos bases sólidas no processo de transição que envolvem tantas ferramentas inovadoras.

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A história dos ludistas nos ensina que resistir à tecnologia é inútil, mas ignorar seus impactos é perigoso. A IA não é uma ameaça — é uma oportunidade. Mas, como toda oportunidade, exige preparo, reflexão e, acima de tudo, responsabilidade.

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