A Câmara dos Deputados homenageou, por iniciativa do deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA), os 35 anos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), marco político e jurídico que transformou as relações econômicas e consolidou o papel do Estado na proteção dos direitos dos consumidores.
Desde sua promulgação, o CDC definiu conceitos e procedimentos que estabeleceram uma relação de consumo mais justa e harmônica, trazendo segurança jurídica e valores civilizatórios essenciais ao desenvolvimento econômico sustentável do país.
Durante a solenidade, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin que à época da elaboração do CDC era promotor público, e integrou a comissão técnica do Congresso, destacou a habilidade política do relator, deputado federal Joaci Góes. Devido à experiência como empresário, Góes soube liderar o processo de construção da lei, superando a visão ultrapassada de que haveria contradição entre os interesses do empresário e do consumidor. Sua vivência demonstrou que proteção ao consumidor e prosperidade econômica podem caminhar juntas. “O CDC é uma lei que nunca perderá sua legitimidade política e sua validade jurídica”, ressaltou o ministro na ocasião.
O CDC, ao fortalecer o equilíbrio nas relações de consumo, tornou-se referência mundial para a formulação de diversas políticas públicas, inclusive no setor de combustíveis. A Lei 9.478/1997, que institui a política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, reflete esse princípio ao determinar, em seu artigo 8º, inciso I, que cabe ao órgão regulador garantir “a proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos”.
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Embora o setor de combustíveis seja legalmente estruturado sob o princípio da livre concorrência, a realidade ainda é de alta concentração. Cerca de 60% da distribuição está nas mãos de três grandes companhias, enquanto mais de 150 distribuidoras regionais disputam a parte menor desse mercado, muitas dessas distribuidoras regionais atendem regiões distantes, com custos logísticos elevados e perfis de clientes diferenciados. Tratar essas empresas de forma igualitária, ignorando suas realidades distintas, contraria o princípio constitucional da isonomia e exige atenção da regulação pública para preservar o equilíbrio concorrencial e a razoabilidade nos preços.
A matriz de transporte brasileira, marcada pela presença dos biocombustíveis, é complexa e desafiadora. Nesse contexto, as distribuidoras exercem um papel essencial na homogeneização e garantia da qualidade dos combustíveis, assegurando que o produto chegue ao consumidor dentro dos padrões técnicos e ambientais exigidos. Essa atividade, que envolve logística e transformação dos combustíveis, constitui também um serviço ambiental de alto custo, relevante para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Entre as ferramentas de proteção ao consumidor, destaca-se o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC), da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O programa fornece dados técnicos imparciais e contínuos, permitindo que o consumidor exerça seu direito de escolha com base em informações confiáveis e contribuindo para um ambiente concorrencial mais saudável. Fortalecer o PMQC é, portanto, essencial para o interesse público e para o desenvolvimento equilibrado do setor.
Tramita na Câmara uma proposta que cria o Operador Nacional de Combustíveis, entidade privada que assumiria funções de monitoramento e fiscalização do mercado. Delegar esse papel a agentes econômicos compromete a imparcialidade necessária à regulação e fragiliza a proteção do consumidor. A experiência recente mostra que instituições públicas, como a Receita Federal, a Polícia Federal e a própria ANP, têm sido eficazes no enfrentamento de irregularidades do mercado de combustíveis. Por isso, o caminho mais correto é fortalecer o Estado regulador, e não o substituir.
Por fim, é necessário considerar a pobreza energética que ainda atinge milhões de brasileiros. Embora o país seja rico em recursos naturais, sua oferta per capita de energia está abaixo da média mundial, e os altos preços restringem o acesso da população. Garantir combustíveis de qualidade, a preços razoáveis e com ampla oferta é fundamental para conciliar crescimento econômico, transição energética e justiça social. Tais princípios, que refletem o próprio espírito do CDC, continuam a iluminar o caminho de um Brasil mais justo e equilibrado.