No Brasil, ainda predominaria um “estado de pajelança regulatória”. A constatação é de Jacintho Arruda Câmara, segundo o qual, por ora, pouco teria sido feito para examinar, prévia ou posteriormente, a eficácia da regulação estatal (leis, decretos e resoluções) — reguladores em geral seguiriam apostando em “garrafada jurídica” para lidar com desafios cada vez mais complexos. Faltaria, portanto, algum método de avaliação no campo da regulação.
À luz da realidade nacional, o diagnóstico parece correto. Normas de diferentes níveis e núcleos de poder vão se empilhando sem muita lógica, não raro com alto grau de improviso, dando a sensação de que o peso da regulação pública é cada vez maior e inibe o empreendedorismo, a inovação, a livre competição e os avanços de produtividade.
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Contudo, seguindo tendência global, o país parece cada vez mais empenhado em mudar essa realidade.
De olho nos impactos (econômicos, sociais etc.) da regulação, leis e decretos têm sido editados para exigir de órgãos e entes estatais que, ao elaborarem propostas de atos normativos, façam estudos de seus impactos e possíveis benefícios (análise de impacto regulatório); façam revisões das obrigações e custos exigidos dos agentes econômicos por normas específicas (avaliação de resultado regulatório) e atualizem, periodicamente, o conjunto total dos atos normativos, confirmando se ainda são pertinentes ou eficientes (atualização do estoque regulatório); e sejam mais transparentes durante os processos normativos, recebendo comentários por escrito (consultas públicas e tomadas de subsídio) e em sessões orais (audiências públicas e reuniões participativas) antes de aprovar novas regras, e divulguem, a cada ano, a agenda com temas que espera aprovar ou revisar (agenda regulatória).
Mas como tem se desenrolado esse movimento? Quais desafios têm sido enfrentados por reguladores e regulados na prática? Há lições a serem extraídas?
Motivada por essas questões, e visando contribuir com a agenda da melhoria da governança regulatória, a FGV Direito SP, com o apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), realizou pesquisa para investigar duas experiências recentes e relevantes da administração pública federal — um com medidas regulatórias de natureza prospectiva (processo de elaboração da Resolução da Agência Nacional de Mineração – ANM 122, de 2022, que procurou disciplinar a atividade sancionatória no campo da mineração) e outro com medidas regulatórias de natureza retrospectiva (revisão do estoque regulatório do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro, ocorrida após a edição do Decreto federal 10.139, de 2019, e utilização de análise de resultado regulatório pelo Instituto).
Com base nessas duas experiências federais, concluiu-se o seguinte:
1) Do rol de instrumentos voltados ao aprimoramento da atividade regulatória, a ANM e o Inmetro utilizaram apenas os menos custosos e mais difundidos na experiência jurídica brasileira (consulta pública, audiência pública, tomada de subsídios e reuniões participativas). O achado de pesquisa dialoga com levantamentos previamente realizados pelo projeto Regulação em Números, da FGV Direito Rio.
2) A ANM procurou compensar a não realização de análise de impacto regulatório e análise de resultado regulatório com o uso de outros instrumentos voltados ao aprimoramento da regulação. A estratégia parece ter sido o caminho encontrado pela agência para conciliar o pouco tempo de que dispunha para regulamentar o assunto com a percepção de que, no caso, análises de impacto eram mesmo um insumo valioso.
3) Há indícios de que as agências poderiam ver mais utilidade em análise de impacto regulatório e análise de resultado regulatório simplificadas. Entre realizar esses procedimentos e dispensá-lo (ou não utilizá-los) talvez exista espaço para a criação de procedimentos mais adaptáveis aos desafios cotidianos das administrações públicas.
4) A valorização da agenda regulatória pelo regulador, pelo Executivo central e pelo Legislativo pode mitigar problemas principalmente relacionados a urgências. O uso desse instrumento para fomentar a colaboração entre órgãos e entes do governo pode levá-los a convergir para objetivos comuns, a evitar sobrecarga de trabalho e a assegurar ambiente regulatório mais previsível e eficiente.
5) Reguladores precisam ter conforto para não regular, regular de modo mais brando ou desregular. O risco reputacional, ou de responsabilização pessoal por ação ou omissão, parece estar na origem da regulação por impulso e da manutenção de normas em vigor por inércia. Regular nem sempre é o caminho.
Vários dos desafios mapeados pela pesquisa têm sido discutidos e trabalhados no âmbito do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG) e do Programa de Aprimoramento da Qualidade da Regulação Brasileira. As iniciativas, ambas do Governo Federal, são fundamentais para a difusão de melhores práticas na regulação e para a capacitação de órgãos e entes estatais e de seus agentes.
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No plano legislativo, o PL 4888, de 2019, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, propõe medidas que dialogam com os achados da pesquisa.
A iniciativa, voltada a reformar as bases jurídicas da regulação e de sua governança nos âmbitos municipal, estadual, distrital e federal, é baseada em proposta acadêmica, elaborada pelo Núcleo Público da FGV Direito SP e da Sociedade Brasileira de Direito Público – sbdp. Grosso modo, a ideia é que uma lei, com breves dispositivos, impeça o exercício descontrolado da função estatal de ordenar a vida econômica privada, evitando a ineficácia da regulação e as capturas, além de garantir o ambiente vital para a atuação dos agentes econômicos, que são regidos pelo direito privado.
Autores:
André Rosilho
Camila Castro Neves
Francisco de Andrade Figueira
Jéssica Loyola
João Domingos Liandro
Roberto Moraes Dias