Familiares do ex-juiz Eduardo José Antonio Moliné O’Connor pediram à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) a condenação do Estado da Argentina pela destituição dele do cargo de ministro da Suprema Corte, em dezembro de 2003. Ele morreu em 20 de agosto de 2014, por complicações decorrentes de um câncer de pâncreas.
Moliné O’Connor era vice-presidente do tribunal e sofreu impeachment depois de participar de uma decisão colegiada no caso “Meller S.A.”, que tratava de favorecimento público a uma empresa privada de telecomunicações. Outros quatro ministros foram destituídos concomitantemente, à época dos fatos.
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Conforme os denunciantes, o magistrado foi retirado da Corte por não atender a interesses do então presidente, Néstor Kirchner. O processo de destituição foi conduzido pelo Executivo e apoiado pelo Legislativo.
Para o advogado Eduardo Moliné O’Connor, filho homônimo do ex-ministro, o julgamento foi arbitrário, tendencioso e sem chance de defesa.
“O presente caso transcende a história individual e um homem injustamente removido do seu cargo. Constitui a crônica de um ataque direto, deliberado, astuto e calculado contra a independência judicial na República da Argentina”, disse o representante da suposta vítima, em audiência pública realizada na quinta-feira (25/9) pela Corte IDH.
Na ocasião, o Senado argentino justificou o impeachment de Moliné O’Connor por “mau desempenho de funções”, procedimento previsto exclusivamente no artigo 53 da Constituição Argentina, mas não regulamentado ou desenvolvido por lei. Quem conduziu o processo na Casa legislativa era a então senadora Cristina Kirchner, esposa de Néstor.
Para o filho, a argumentação utilizada é subjetiva, já que nunca houve explicação do que pudesse ser “mau desempenho”.
“O estado de indefesa foi absoluto. Nosso pai dirigiu seu esforço defensivo contra causas aparentes, sem poder atacar o verdadeiro motivo da remoção. Lutava contra fantasmas. É como tentar golpear a neblina. Ao longo dos anos, nunca se disse qual foi o fato que configurou o mau desempenho. A sentença proferida seguiu 57 anos de jurisprudência”, afirmou o filho e advogado.
Posição da Comissão Interamericana
Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as autoridades que participaram do processo de impeachment do ministro já tinham uma posição predeterminada, o que caracteriza falha em observar o devido processo legal e a exigência de imparcialidade.
Além disso, o regulamento interno não previa a apresentação de recursos à Câmara e ao Senado, que decidiram pelo impeachment. O ex-ministro chegou a recorrer à Suprema Corte, mas a composição de juízes nomeados posteriormente por Kirchner rejeitou a apelação.
Susana Rita Almeyra de Moliné O’Connor, viúva de Moliné O’Connor, contou aos juízes da Corte IDH que a família passou a sofrer ameaças diárias a partir da abertura do processo de impeachment.
“Havia protestos desde a manhã até a noite na minha casa. Quando saía para ir à Corte, havia um monte de jornalistas que apenas perguntavam se ele renunciaria. Recebíamos ameaças continuamente. Ligavam em nossa casa e colocavam uma marcha fúnebre para tocar, diziam que o sangue iria escorrer, que poderíamos ter mortos na família”, relembra.
A ex-mulher afirmou que, depois do afastamento do cargo, o marido mudou completamente e ficou muito debilitado. Ela disse acreditar que sua doença e consequente morte foi em decorrência do processo injusto ao qual foi submetido.
“Sua saúde se deteriorou. Estava completamente desgastado. Eduardo mudou muito. Não era o mesmo que conheci antes de o destituírem. Mudou sua personalidade, mudou tudo. E sua saúde se devastou”.
Adolfo Roberto Vázquez, que era ministro da Suprema Corte no mesmo período que Eduardo Moliné O’Connor, disse que Kirchner começou a interferir no tribunal logo que assumiu a presidência, em 2003.
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“Dez dias depois de assumir a presidência, Kirchner começou um grande conflito com a Corte, porque exigia que mudássemos uma jurisprudência já firmada, com coisa julgada, relativa a uma alteração monetária e a uma busca indiscriminada por fundos de poupanças”, relatou na audiência pública.
Segundo o ex-ministro, o então presidente da República perseguiu juízes para formar uma Corte “totalmente moldada de acordo com seus desejos”. Vázquez discorda veementemente da justificativa de “mau desempenho das funções” utilizada contra O’Connor.
“Não havia causa [para a destituição]. Era apenas a vontade onipresente do legislador. No julgamento do caso pelo qual destituíram O’Connor, só o que fizemos foi replicar a jurisprudência consolidada da Corte. Nunca fizemos o contrário, ao longo de um século e meio de existência da Suprema Corte”, disse.
Em razão dos fatos, a Comissão concluiu que o Estado argentino é responsável pela violação do princípio de independência judicial, do direito à imparcialidade da autoridade, do direito à justificação adequada, do prazo razoável, do princípio de legalidade, do direito à participação política e da proteção judicial consagrados nos artigos 8.1, 9, 23 e 25.1 da Convenção Americana em relação às obrigações estabelecidas nos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, em detrimento do senhor Moliné O’Connor.
O representante do Estado, Alberto Julio Baños, subsecretario de Direitos Humanos da Nação, criticou a demora para o caso chegar à Corte IDH e defendeu que todos os ritos constitucionais foram seguidos no processo de impeachment do ministro.
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“Cumpriu-se formalmente com os requisitos constitucionais para a destituição do juiz Moliné O’Connor? Sim, não há discussão quanto a isso. Além disso, a Constituição da República da Argentina se adequa aos standards internacionais, portanto, não seria o caso de modificação”, argumentou.
Baños afirmou aos juízes da Corte IDH que o alegado “mau comportamento” se justifica por possíveis danos institucionais à nação. “O Estado argentino não julga os juízes pelo conteúdo de suas decisões. Quando emite a sanção, considera que o ministro não levou em conta repercussões institucionais, econômicas, que suas decisões podem ter”.