A promulgação da Lei 14.879/2024, em vigor desde 5 de junho de 2024, trouxe alterações relevantes ao artigo 63 do Código de Processo Civil (CPC), com impacto direto nas regras de interpretação e validade das cláusulas de eleição de foro nos contratos.
A nova redação do §1º do referido artigo passou a exigir, de forma cumulativa: (i) existência de cláusula escrita; (ii) menção expressa a um negócio jurídico específico; e (iii) pertinência do foro eleito com o domicílio/sede de uma das partes ou com o local de cumprimento da obrigação.
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O §5º, também incluído pela nova legislação, passou a considerar abusiva a estipulação de foro que não possua vínculo com as partes ou com o negócio jurídico — os chamados “juízos aleatórios” — conferindo ao juiz a prerrogativa de afastar tais cláusulas.
Diante da relevância do tema e da aplicação frequente da cláusula de eleição de foro nos contratos de franquia, este artigo se propõe a analisar como os Tribunais de Justiça estaduais no Brasil vêm interpretando e aplicando os novos critérios legais, após quase um ano de vigência da Lei 14.879/2024.
A pesquisa baseou-se em decisões judiciais publicadas entre julho de 2024 e maio de 2025, abrangendo 70 acórdãos proferidos por 14 tribunais estaduais, obtidos por meio de levantamento independente, direto e não exaustivo nos respectivos sites institucionais.
Resultados da análise
Os acórdãos/decisões foram classificados em duas categorias principais: (i) os que mantiveram a cláusula de eleição de foro; e (ii) os que afastaram a cláusula.
De forma geral, 51 dos 70 julgados analisados (cerca de 73%) mantiveram a cláusula de eleição de foro originalmente pactuada, enquanto 19 decisões (27%) optaram por afastá-la.
Os julgados analisados foram prolatados pelos seguintes tribunais:
Os principais fundamentos utilizados para reafirmar a validade da cláusula foram: (i) reconhecimento do caráter empresarial do contrato de franquia; e (ii) ausência de prejuízo ou de violação ao acesso à justiça. Apenas 10 dos 51 acórdãos que mantiveram a cláusula de eleição de foro, o fizeram por julgar estarem presentes nas respectivas cláusulas avaliadas os três elementos exigidos pelo § 1º do art. 63.
A seguir, a relação de temas abordados nos referidos julgados (importante destacar que um mesmo julgado pode ter se baseado em mais de um desses fundamentos):
A maior parte dos julgados que afastaram a cláusula se baseou na qualificação do contrato de franquia como contrato de adesão, o que exigiria maior controle a eventuais abusividades contratuais.
Conclusão
Um ano após a entrada em vigor da Lei 14.879/2024, que alterou o artigo 63 do CPC no tocante às cláusulas de eleição de foro, observa-se que a aplicação dos novos critérios legais pelos tribunais brasileiros ainda é incipiente.
O levantamento conduzido nesta pesquisa revelou que, em apenas cerca de um terço dos julgados analisados, os magistrados mencionaram ou aplicaram expressamente os requisitos introduzidos pelo §1º do dispositivo — quais sejam: existência de cláusula escrita, menção expressa a um negócio jurídico determinado e pertinência do foro eleito com o domicílio/sede das partes ou com o local de cumprimento da obrigação.
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Essa constatação evidencia que a mudança legislativa ainda não se consolidou como parâmetro interpretativo dominante na jurisprudência, de modo que a análise da validade das cláusulas de eleição de foro permanece ancorada em fundamentos tradicionais, como o respeito à autonomia da vontade das partes, o caráter empresarial do contrato e a ausência de prejuízo concreto ao acesso à justiça.
Nesse cenário, é possível afirmar que os tribunais têm majoritariamente respeitado o foro escolhido pelas partes contratantes, inclusive nos contratos de franquia — relações contratuais que tradicionalmente despertam debate quanto ao equilíbrio entre a autonomia da vontade e a proteção contra abusos em contratos por adesão.