A Rede Sustentabilidade propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF) três arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) contra práticas racistas praticadas pelo poder público. As ações pedem o fim das abordagens policiais baseadas no perfilamento racial (ADPF 1264); a reserva mínima de 30% das vagas em concursos públicos, processos seletivos e promoções para pessoas negras, indígenas e quilombolas (ADPF 1265); e a adoção de critérios raciais para a concessão de bolsas de estudo por entidades educacionais (ADPF 1266).
Os processos foram protocolados no dia 26 de setembro e distribuídos, respectivamente, aos ministros Cristiano Zanin, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
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ADPF 1264
Nas ação que questiona o abuso de poder do Estado em abordagens e revistas pessoas, a Rede argumenta que não é compatível com os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da impessoalidade “uma prática estatal que, a pretexto de promover a segurança pública”, submete sistematicamente a população negra a “um regime de vigilância ostensiva e de abordagens policiais invasivas”. Essas abordagens, segundo a petição inicial, não estariam baseadas em evidências de ilicitude, mas em estereótipos e preconceitos arraigados na cultura institucional.
O partido critica o chamado perfilamento racial, que se refere ao ato de entender o perfil étnico-racial dos indivíduos como um elemento que os torna suspeitos para a prática de crimes. Cita ainda dados do estudo “Por Que Eu?”, conduzido pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, segundo os quais pessoas negras teriam 4,5 vezes mais chances de serem abordadas pela polícia do que pessoas brancas.
A Rede menciona o tema 280 do STF, cuja tese, fixada em 2015, determinou que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita quando amparada em fundadas razões que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito. “No precedente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a ausência de parâmetros objetivos para a configuração da ‘fundada suspeita’ resulta na nulidade das provas e na responsabilização do agente público”, diz o partido.
Em 2024, o STF julgou um Habeas Corpus (HC 208.240) durante o qual firmou a tese de que a busca pessoal independente de mandado judicial deve ser fundada em indicativos objetivos de que a pessoa está em posse de arma proibida ou de objetos que constituam corpo de delito, “não sendo lícita a realização da medida com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física”. O caso também foi citado pela Rede na petição inicial da ADPF 1264.
O grupo político pede que a suprema corte declare um “Estado de Coisas Inconstitucional” no âmbito da segurança pública brasileira e que determine que todos os órgãos de segurança da União, dos Estados e do Distrito Federal instituam a obrigatoriedade de lavratura de um “auto de revista pessoal” para cada abordagem que resulte em busca pessoal.
Este auto deve conter informações como qualificação da pessoa abordada, local, descrição pormenorizada e resultado da abordagem. O pedido se aplica à Polícia Federal, à Política Rodoviária Federal, às polícias militares, civis e penais e às guardas municipais. O pedido contém ainda a criação de um Mecanismo Nacional de Controle e Monitoramento dos Autos de Revista Pessoal.
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ADPF 1265
Em outra ação, a Rede Sustentabilidade pleiteia a aplicação da política de cotas raciais a todos os concursos públicos, processos seletivos, contratações temporárias e formas de provimento de cargos em todos os Poderes da República na União, nos estados e nos municípios, incluindo a administração indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista).
Para isso, pede a destinação de pelo menos 30% das vagas para pessoas negras, indígenas e quilombolas, além da suspensão cautelar de todos os processos seletivos em andamento que não observem este requisito.
A ADPF quer ainda a determinação de que todos os entes federativos e órgãos da administração direta e indireta editem atos normativos para regulamentação da política de cotas raciais. Também busca a criação de um sistema nacional de monitoramento da implementação das políticas de cotas raciais no serviço público e de programas de capacitação.
A reserva de 30% das vagas para pessoas negras, indígenas e quilombolas já é medida prevista pela Lei nº 15.142/2025. A Rede, no entanto, observa que a administração pública tem agido de maneira inconstitucional por não levar a cabo a aplicação integral da política de cotas, que tem sido marcada pela “persistente omissão e fragmentação normativa”.
ADPF 1266
Já na ADPF 1266, o partido político questiona a ausência de critérios de diversidade racial na concessão de bolsas de estudo oferecidas pelas entidades educacionais que possuem Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS).
Conforme a legislação, as entidades sem fins lucrativos detentoras do CEBAS podem, em contrapartida às bolsas concedidas, desfrutar de isenção do pagamento das contribuições sociais incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos seus empregados.
Anualmente, deve ser concedida, no mínimo, uma bolsa de estudo integral para cada cinco alunos pagantes ou uma bolsa integral para cada nove alunos pagantes e bolsas parciais de 50%.
Segundo a Rede, o aspecto controverso da Lei 187/2021, que dispõe sobre o tema, é o dispositivo que diz que a seleção de bolsistas deve seguir o perfil socioeconômico, sendo “vedada a utilização de critérios étnicos, religiosos, corporativos, políticos ou quaisquer outros que afrontem esse perfil”, com ressalva à lei de cotas (Lei nº 12.711/2012).
“A redação deste dispositivo revela uma profunda contradição interna que tem gerado perplexidade interpretativa e, consequentemente, a inefetividade prática da política de ação afirmativa racial no âmbito das instituições certificadas”, afirma o partido político.
A Rede também critica a existência de “práticas segregacionistas” entre alunos bolsistas e pagantes nas instituições certificadas, como a criação de unidades educacionais distintas e a alocação dos bolsistas em período diverso.
Diante do cenário, os pedidos são para que o STF reconheça a “violação generalizada dos direitos fundamentais de milhares de estudantes bolsistas em todo o território nacional”. A Rede quer que a corte determine a criação, pelo Ministério da Educação (MEC), de um sistema de coleta e publicização de dados sobre o perfil racial de bolsistas do CEBAS; e a realização de uma fiscalização extraordinária nas instituições de ensino com CEBAS que foram objeto de denúncias de segregação.
Além disso, pede que o MEC elabore e publique diretrizes específicas para a promoção da equidade racial; que o poder executivo federal mantenha um banco de dados públicos com os perfis socioeconômicos e raciais dos estudantes beneficiados; e que sejam criados canais de denúncia e ações de capacitação, entre outras ações.
Há também um pedido para que o STF determine que o Congresso Nacional inclua, na Lei Complementar nº 187/2021, a obrigatoriedade de adoção de critérios de ação afirmativa racial, complementares ao critério socioeconômico, para a concessão de bolsas de estudo por entidades educacionais certificadas com o CEBAS.