Entenda quem responde judicialmente em casos de bebidas adulteradas por metanol

Durante os meses de agosto e setembro, 17 casos de intoxicação por metanol foram confirmados no estado de São Paulo. Segundo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), os locais suspeitos de venda de bebida alcoólica adulterada serão interditados cautelarmente para que seja checada a documentação com dados federais e mapeada a origem da bebida. Até o momento, as intoxicações somam cinco mortes e levantam debates sobre a responsabilização judicial nos casos.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

De acordo com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o número de intoxicados se aproxima da média da série histórica do Ministério da Saúde de “20 casos por ano” em todo território nacional. Segundo ele, a situação é “anormal” já que os casos estão “concentrados em um único estado da federação. Aquilo que é no Brasil como um todo, de forma esporádica, nós estamos observando especificamente no estado de São Paulo”.

A Polícia Federal, a pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública, abriu um inquérito para investigar o aumento dos casos, com suspeita de que exista uma distribuição de bebidas adulteradas com metanol para além do estado de São Paulo, em uma possível conexão com o crime organizado.

A investigação é uma parceria com a Polícia Civil de São Paulo, que tem realizado uma força-tarefa para a fiscalização de bares da capital paulista. De acordo com Tarcísio, os estabelecimentos serão interditados de maneira cautelar para que as investigações cruzem dados com a Secretaria da Fazenda e detectem a origem das bebidas. A intenção é alcançar os distribuidores para identificar a origem da bebida adulterada e verificar se a irregularidade se encontra em outro elo da cadeia produtiva ou, então, no próprio estabelecimento.

O que dizem os especialistas sobre a responsabilização judicial nos casos de intoxicação por metanol

Fernando Moreira, especialista em Direito Societário, Governança e Compliance, entende que mesmo que seja identificada a adulteração em outras etapas da cadeia de produção, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelece responsabilidade solidária entre todos os integrantes, ou seja, “fabricantes, distribuidores e pontos de venda podem ser igualmente responsabilizados pelos danos causados aos consumidores, independentemente de quem foi o causador direto da contaminação.”

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Segundo ele, mesmo que o artigo 13 do CDC preveja a responsabilidade subsidiária do comerciante, ou seja, “apenas quando o fabricante, produtor ou importador não puderem ser identificados”, a jurisprudência flexibiliza essa regra em casos de produtos contaminados que ameaçam a saúde e a segurança do consumidor. “Ao disponibilizar o produto na prateleira, o comerciante assume o risco da atividade e integra uma cadeia de fornecimento, tornando-se solidariamente responsável”, afirma.

Diferente da esfera cível, Leonardo Magalhães Avelar, advogado criminalista, membro do Observatório do Direito Penal, explica que “a responsabilidade penal dos representantes legais das distribuidoras e fabricantes depende da comprovação de vínculo com a adulteração. Se a adulteração ocorrer fora da cadeia oficial, não há responsabilidade penal das empresas. Porém, se houver participação em práticas ilícitas, podem responder por crimes contra a saúde pública e até por homicídio.”

Rafael Soré, sócio do Machado Meyer e responsável pelas práticas de compliance, investigações e direito penal empresarial, acrescenta que se comprovada a relação das distribuidoras ou estabelecimentos com o processo de adulteração, elas poderão ser enquadradas em dois tipos de crime, que constam no artigo 272 do Código Penal. “Doloso, que é quem falsifica, adultera ou quem vende e distribui um produto que sabe ser falsificado. E o culposo, que é alguém que não necessariamente sabe (da adulteração), mas que foi negligente, foi imprudente (na compra)”, afirma.

Do ponto de vista de Caren Benevento, sócia da Benevento Advocacia e pesquisadora do Grupo de Estudos do Trabalho da Faculdade de Direito da USP, é necessária a atuação do poder público para uma resolução satisfatória do caso. “Diante de um episódio de grande impacto social, com mortes e sequelas graves como casos de cegueira, cabe atuação do Ministério Público, da Defensoria Pública ou de associações legitimadas pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). Eles podem propor ação civil pública para responsabilizar os envolvidos e assegurar indenização às vítimas e familiares. Além da reparação financeira, essa ação pode exigir medidas urgentes de proteção à saúde pública”, afirma.

Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!  

Outros casos

Episódios de adulteração de bebidas têm um longo histórico em todo o Brasil. O caso anterior mais recente foi a contaminação por dietilenoglicol na cerveja Belorizontina, da cervejaria Becker em Minas Gerais. O incidente causou intoxicação em 29 pessoas, resultando em dez mortes e 19 vítimas com graves sequelas.

À época, a empresa foi condenada a indenizar as vítimas em R$ 500 mil e os familiares de primeiro grau em R$ 150 mil. Além de ressarcir todos os gastos com tratamento médico e o valor do salário das vítimas correspondente ao tempo inativo. A ação cível levou a empresa a pedir recuperação judicial por conta do alto custo das medidas.

Além disso, os sócios-proprietários, diretores e funcionários da Cervejaria Becker foram indiciados por homicídio culposo, lesão corporal culposa e contaminação de produto alimentício. O processo ainda está em andamento.

Em um episódio parecido na Bahia, em 1999, 35 mortes em dez cidades foram causadas pela contaminação de cachaça por etanol. O então vereador Ranulfo José Moreira e dois comerciantes foram presos por envolvimento no caso.

Em São Paulo, um caso trágico em Diadema, que ficou conhecido como “Bombeirinho”, resultou na intoxicação de aproximadamente 160 pessoas em 1992, com 28 internações e morte de três vítimas. Na madrugada de 27 de dezembro, cerca de 50 pessoas chegaram ao hospital após um baile na danceteria Roof 2, onde consumiram o drinque de vodca ou pinga com groselha.

Generated by Feedzy