A ADI da contramão: quando a ideologia freia a ciência e a esperança

A pesquisa clínica no Brasil, um motor vital para a inovação e o acesso a novos tratamentos, encontra-se sob ameaça. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), recentemente apresentada, busca desmantelar a Lei 14.874/2024, sob a suposta bandeira da proteção aos participantes. Contudo, uma análise mais atenta revela que essa iniciativa, revestida de boas intenções, é, na verdade, um retrocesso ideológico que pode frear o avanço científico no país e, ironicamente, prejudicar aqueles a quem pretende proteger.

A Lei 14.874/2024 foi fruto de um longo e complexo debate no Congresso Nacional, envolvendo diversos stakeholders e buscando modernizar o arcabouço regulatório da pesquisa clínica. Ela trouxe clareza e previsibilidade, elementos cruciais para atrair investimentos e posicionar o Brasil como um polo de pesquisa global. Agora, a ADI em questão ataca pontos essenciais dessa legislação, como as regras para o acesso pós-estudo, a criação de uma instância nacional de ética em pesquisa e até mesmo a autonomia do paciente em situações de emergência.

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

A argumentação da ADI, ao invocar um suposto “retrocesso social” e “violação do direito fundamental à saúde” nas disposições sobre o acesso pós-estudo (Arts. 30 a 37), ignora a complexidade e a sustentabilidade do sistema. A exigência de acesso gratuito e por tempo indeterminado, sem critérios claros, como previsto na antiga Resolução CNS 466/2012, era um entrave real. Ela afastava patrocinadores, que viam no Brasil um risco desproporcional.

A nova lei buscou um equilíbrio, estabelecendo critérios para a continuidade do tratamento que são compatíveis com a realidade da pesquisa e a sustentabilidade do sistema de saúde. Voltar ao modelo anterior não é “proteger”, é afastar a pesquisa e, com ela, a esperança de novos tratamentos para doenças que hoje não têm cura.

A criação do Instituto Nacional de Avaliação Ética em Pesquisa (Inaep) como uma instância ética centralizada para avaliar e controlar os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP’s), outro ponto atacado na ADI, é uma medida estratégica e imperativa para o Brasil. Longe de acarretar prejuízos aos pacientes, essa iniciativa trará uma evolução significativa no processo de aprovação de pesquisas clínicas, ao promover a padronização de diretrizes, aprimorar a fiscalização e garantir a uniformidade e o rigor técnico na análise dos protocolos.

A implementação do Inaep assegurará que a pesquisa clínica no país não apenas mantenha, mas eleve seus padrões éticos a níveis equivalentes ou superiores aos de outras nações desenvolvidas, consolidando uma prática ética robusta e uniforme que é fundamental para a credibilidade científica e para o avanço da saúde da população.

As consequências de uma eventual procedência dessa ADI seriam devastadoras. O Brasil, que já luta para atrair e reter investimentos em pesquisa e desenvolvimento, veria sua credibilidade abalada. A insegurança jurídica afastaria os patrocinadores de estudos clínicos, que buscam ambientes regulatórios estáveis e previsíveis. Isso significa menos ensaios clínicos, menos acesso a medicamentos inovadores para pacientes brasileiros que não têm outras opções, e menos oportunidades para nossos pesquisadores e centros de excelência.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Não podemos nos dar ao luxo de frear o avanço científico por posturas meramente ideológicas. A verdadeira proteção aos participantes de pesquisa não se dá pela imposição de barreiras intransponíveis, mas sim pela garantia de um ambiente de pesquisa ético, transparente e, acima de tudo, ativo. É através da pesquisa que se descobrem curas, que se aprimoram tratamentos e que se oferece esperança.

A ADI, ao invés de fortalecer o sistema, o fragiliza. Ao invés de proteger, isola. Ao invés de avançar, retrocede. É imperativo que o Judiciário, ao analisar essa ação, compreenda o impacto estratégico da pesquisa clínica para o desenvolvimento nacional e para a saúde da população. A ciência não pode ser refém de interpretações que, sob o manto da proteção, condenam o país à estagnação.

Generated by Feedzy