Esvaziamento patrimonial e manutenção de serviços: a antecipação dos efeitos da falência da Oi

O processo de recuperação judicial da Oi teve uma decisão impactante na terça (30/9), quando a Justiça do Rio de Janeiro determinou a antecipação dos efeitos de uma falência, afastou a diretoria e demandou um plano de transição para os serviços essenciais prestados pela empresa.

A decisão da juíza Simone Gastesi Chevrand, da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, foi tomada em um incidente instaurado pela própria Oi, que pedia uma tutela cautelar para suspender obrigações extraconcursais (contraídas após o pedido de recuperação) diante de dificuldades com o fluxo de caixa. 

Chevrand concedeu o pedido de congelamento dos débitos, mas apresentou uma solução que foi muito além do pedido pela empresa: determinou a criação de um plano de transição e o início dos efeitos da liquidação — decisão que, segundo analistas ouvidos pelo JOTA, é inédita. 

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“A hipótese é de antecipação dos efeitos da liquidação, visando a necessária transição da prestação dos serviços essenciais que incumbem à recuperanda. Para que, somente após o decurso do prazo, se resolva acerca da liquidação integral ou continuação do processo recuperacional”, diz a decisão. 

Ou seja, a falência não foi oficialmente decretada e ainda existe a possibilidade de continuação da recuperação em 30 dias. Analistas afirmam, no entanto, que é bastante improvável que a empresa consiga resolver todos os débitos nesse tempo. 

“Me parece um ponto sem retorno, a não ser que a empresa consiga uma solução milagrosa”, afirma Ana Paula Tomasi, advogada do Efcan Advogados. “É difícil, considerando a situação mostrada na decisão, que a empresa consiga resolver todos os débitos em 30 dias. O mais provável é que a juíza tenha dado esse tempo para que seja possível uma organização e a falência não seja decretada do dia para a noite.” 

Manutenção de serviços essenciais 

Segundo a juíza, a decisão visa a manutenção dos serviços essenciais prestados pela Oi, que é concessionária de uma série de serviços públicos. 

A operadora é responsável, entre outros, por serviços tridígitos no Rio de Janeiro, (os códigos de três números, como o 192) usados para chamar serviços emergenciais. No ano passado, o governo do Estado notificou a Oi porque o 192 (Samu) ficou fora do ar em pelo menos três ocasiões. 

Nesta quarta (1/10), o ministro das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho, afirmou que a Telebrás não vai assumir os serviços prestados pela Oi. Segundo ele, “a solução precisa ser dada através do mercado”, mas o ministério e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) “vão estar de olhos abertos” para o processo. “Com certeza, a população não será prejudicada, os serviços não serão paralisados nem descontinuados. Vai ser resolvido da melhor forma”, afirmou Siqueira Filho na Futurecom, em um evento da área em São Paulo. 

Na decisão, Chevrand afirmou que é “imperativa a realização de um processo de transição desses serviços” para outros prestadores. 

Segundo o advogado Leonardo Adriano Ribeiro Dias, sócio da consultoria AJ Ruiz, não existe um parâmetro na legislação de como deve acontecer a transição.

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“Eu nunca vi uma transição como essa acontecer, é um caso com muitas peculiaridades. E não existe um detalhamento na lei de recuperação de empresas”, afirma Dias. “O que se percebe na decisão é que existe uma preocupação quanto à continuidade dos serviços.” 

Esvaziamento patrimonial 

A decisão também argumenta que o afastamento da diretoria e do conselho administrativo é necessário porque a Justiça identificou fortes indícios de “esvaziamento patrimonial”, fornecimentos de informações equivocadas e a contratação de profissionais e serviços muito caros e “incompatíveis” com o atual processo de recuperação.

Isso inclui a contratação de advogados para a tentativa fracassada de enquadrar a situação da empresa no Chapter 11 nos EUA (o processo de recuperação judicial americano). 

Segundo a decisão, a empresa gastou US$ 100 milhões (R$ 530 milhões) com a empreitada. O fluxo de caixa da empresa no final de setembro era de R$ 21 milhões. 

A juíza também proibiu a contratação da empresa do CEO Marcelo Millet, a Íntegra, “cuja ‘assessoria’ vem sendo reiteradamente contratada nos negócios realizados”, segundo a decisão. 

Diante da situação, a Justiça apontou o administrador judicial (AJ) Bruno Rezende para assumir diretamente a gestão da empresa, algo que também é inusitado em casos de recuperação judicial. “Normalmente se nomeia um terceiro para gerir as atividades, com o AJ fazendo a supervisão”, afirma Tomasi. “É um caso que tem muitas especificidades.” 

Esta já é a segunda recuperação judicial da Oi. A primeira começou em 2016 e terminou em 2022. Em 2023 a empresa iniciou a segunda reestruturação e neste ano abriu um pedido para suas duas subsidiárias, Serede e a Tahto.

A identificação de esvaziamento patrimonial é uma das hipóteses previstas na legislação para a decretação de falência — e é nesta previsão legal que a juíza do caso se baseou, apontam os advogados ouvidos pelo JOTA

“A decisão usou como fundamento o artigo 73 da Lei de Recuperação Judicial e Falências, que prevê que o juiz pode decretar a falência durante o processo, como aponta o inciso 6º, quando identificado esvaziamento patrimonial que implique liquidação substancial da empresa em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial”, afirma Dias. 

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Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, destaca que a situação da Oi não é uma perda de patrimônio decorrente de fraude contábil que distorce o preço de aquisição do ativo, como nos casos de IRB e Americanas.

“Os investidores compraram barato o que pouco valia e se desvalorizou ainda mais”, afirma ele. “Boa parte dos investidores foi atraída para a Oi em um contexto de juros baixos, saques em massa da poupança e uma crença utópica de que o mercado de capitais recompensaria, a longo prazo, sua aposta. Contudo, após sair de uma longa e complexa recuperação judicial, a empresa ingressou em outro processo semelhante. E, desta vez, talvez não haja uma saída possível”, diz Silva. 

Para ele, “eventuais impropriedades da diretoria em sede da recuperação judicial” são falhas que “deveriam ter sido inibidas pelo próprio Judiciário que aprovou um plano de recuperação”. 

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