A imposição de tarifas a quase todo o mundo pelos Estados Unidos e a postura do governo de Donald Trump em relação ao Acordo de Paris acendem alertas e incertezas sobre a agenda climática, especialmente em relação ao futuro dos investimentos em transição energética. Mas o cenário pode ser oportuno para o Brasil. “Quando os Estados Unidos decidem, de vontade própria, se retirar como player internacional pela transição energética, a importância relativa do Brasil aumenta e a gente tem mais ferramentas para atuar internacionalmente”, afirmou Júlia Cruz, secretária de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) em entrevista ao JOTA nesta terça-feira (30/9).
A transição energética e as oportunidades para a cúpula do clima, que ocorrerá em cerca de um mês em Belém, foram temas do Diálogos da COP30, iniciativa do JOTA com patrocínio da Bayer e do Sistema Transporte. Além da secretária do MDIC, participaram o do evento: a diretora executiva da COP30, Ana Toni; o secretário-executivo da Fazenda, Rafael Dubeux; representante do Tesouro Nacional no Comitê do Eco Invest; e o chefe da Divisão Climática do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores, Mário Mottin.
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Trump é um notório negacionista climático. No último mês, na Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), disse que o aquecimento global era uma “fraude” e que a transição energética para fontes renováveis, uma “preocupação estúpida”. As tarifas impostas a dezenas de países também podem interferir no deslocamento de recursos que seriam destinados a ações contra as mudanças climáticas.
“Essa postura enigmática do governo Trump em relação ao mundo gera muita incerteza. Dessa perspectiva, ela pode, sim, atrasar a transição energética, no sentido de que (a transição) demanda muito investimento, muito dinheiro, muita segurança para fazer esses investimentos. A postura dos Estados Unidos tem mitigado essa certeza e essa urgência que precisaria acontecer”, considerou Júlia Cruz.
Por ora, segundo o chefe da Divisão Climática do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores, Mário Mottin, não há nenhuma indicação de que os Estados Unidos terão representantes oficiais na COP30. Mas Mottin destaca que o discurso do governo federal encontra divergência no próprio país: “Há outras visões e há interesse de estados americanos em participar da COP30, inclusive com compromissos voluntários”.
Para a diretora executiva da COP30, Ana Toni, a postura do trumpismo tem fortalecido a agenda global, que, no próprio país de Trump, encontra apoio dos entes subnacionais e do setor privado. Ela também minimizou a saída dos EUA do Acordo de Paris. “198 países são membros do Acordo de Paris. 198 menos um não é igual a zero. Então vamos trabalhar com os outros 197 países que reforçaram na ONU essa mensagem de que estão a favor e querem continuar no direcionamento de uma economia de baixo carbono”, declarou ao JOTA.
Entre ambição e competitividade, o equilíbrio
O governo brasileiro conta com a COP30 como uma plataforma chave para o avanço na discussão sobre o corte das emissões de metano no setor de combustíveis fósseis. As soluções, segundo a secretária de Economia Verde do MDIC, estão no caminho do meio.
“A gente tem que achar um equilíbrio fino entre ser ambicioso do ponto de vista ambiental, porque precisamos muito agir e agir urgentemente. Mas a gente também precisa ser realista, porque não adianta ser tão ambicioso a ponto de impor obrigações severas demais para a nossa indústria e assim fazer com que ela perca competitividade”, disse Julia Cruz.
O desafio, diz a secretária, é criar marcos de descarbonização consistentes, que deem clareza ao setor privado e, ao mesmo tempo, mantenham o país competitivo e tragam uma adaptação do “olhar internacional” à realidade brasileira.
“Quando você pega os marcos europeus, eles não consideram o que a gente chama de emissão de escopo 2, ou seja, a emissão que vem não do processo industrial em si, mas da matriz energética. O que significa que se você pegar um marco legal europeu feito para incentivar produtos verdes, ele vai trazer desvantagem para o aço brasileiro, o que é ruim para o Brasil, mas é ruim para o meio ambiente também, porque o aço brasileiro é, de fato, mais verde”, explica.
O desafio trilionário
Durante a COP29 em Baku, foi firmado o acordo de que os países devem mobilizar, pelo menos, US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para o cumprimento das metas do Acordo de Paris. Esse valor é quatro vezes superior ao montante de US$ 300 bilhões, de fato, pactuado ao fim da última cúpula do clima.
Mario Gouvêa, do Tesouro Nacional, destaca que para além de atingir a meta, a preocupação deve estar na maneira como isso será feito. “Acho que aproveitar essa transição e não perder oportunidades como tradicionalmente o Brasil faz. Aproveitar essa oportunidade de transição para uma economia de baixo carbono desenvolvendo vantagens competitivas, internalizando essas vantagens em valor agregado para nossas cadeias”, disse.
O Brasil, junto com a presidência da COP29, elaborará um relatório para mapear o caminho para alcançar esse montante. Além de buscar o volume, o Brasil visa garantir que o financiamento impulsione o desenvolvimento de cadeias produtivas de alto valor agregado, como biotecnologia e bioindústria, e não apenas commodities, assegurando uma transição justa.
A expectativa é que, assim como a redução das emissões de gases de efeito estufa, a adaptação às mudanças do clima também tenha destaque nas discussões de Belém. Mário Mottin, do Itamaraty, pontua que a agenda de adaptação foi relegada a segundo plano desde o Acordo de Paris.
O diplomata explicou que o Brasil pretende propor em Belém a criação de uma métrica comum internacional para medir os avanços de cada país em adaptação. O governo brasileiro quer trazer a adaptação para o centro do debate, como prioridade política, segundo Mottin, capaz de salvar vidas e orientar estratégias de longo prazo.