Da PEC da Bandidagem ao Conselho de Estética

Com a tramitação acelerada da chamada PEC da Bandidagem, que buscava limitar o alcance de decisões judiciais contra parlamentares, voltou ao centro do debate público uma pergunta antiga: quem pune o Congresso? A resposta institucional a essa pergunta está nos Conselhos de Ética da Câmara e do Senado, instâncias criadas para garantir a responsabilização de deputados e senadores por condutas incompatíveis com o mandato.

Mas os dados mostram que, ao longo das últimas três décadas, essas instâncias operam com seletividade e lentidão, funcionando menos como mecanismos de integridade e mais como arenas simbólicas de disputa. A seguir, apresento visualizações empíricas baseadas em uma base original com 798 representações disciplinares de 1993 a 2024 no Senado e na Câmara, mostrando como o sistema falha sistematicamente em aplicar sanções de forma efetiva.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

Representações: quem representa quem?

Entre 2002 e 2024, se consideradas as 248 representações na Câmara dos Deputados, destacam-se o PV, responsável por 70 representações, número atípico, no entanto, vinculado à sua atuação durante a Operação Sanguessuga, em 2006.

Em seguida vêm PT (30), PL (29) e a própria Mesa Diretora da Câmara (24), indicando alguma institucionalidade. Além disso, picos ocorridos em 2005, 2006 e pós-2018 evidenciam a sensibilidade do Conselho a momentos de crise e polarização política.

A análise de rede mostra clusters ideológicos nítidos: partidos como PSOL e PL aparecem tanto como autores quanto como alvos, revelando dinâmicas de retaliação política.

Rede de interações entre partidos proponentes e parlamentares representados

Fonte: Câmara dos Deputados

Parlamentares como Eduardo Bolsonaro, Sâmia Bomfim e Glauber Braga são recorrentes na base de representações, independentemente da gravidade das acusações.

Letargia como estratégia deliberada

Aplicamos uma técnica estatística usada para medir a duração de processos, semelhante a estudos de “tempo de sobrevivência” em medicina, e identificamos três padrões: casos resolvidos rapidamente (até 200 dias), casos de morosidade média (2 a 5 anos) e processos que se prolongam por mais de dez anos.

Duração dos processos na Câmara dos Deputados (Kaplan-Meier)

Se a ativação do Conselho obedece a cálculos políticos, sua morosidade também é funcional. As análises de sobrevivência revelam que 25% dos processos na Câmara permanecem ativos por mais de cinco anos, enquanto 18,5% dos casos no Senado ultrapassam os sete anos de tramitação.

Duração dos processos no Senado (Kaplan-Meier)

Não se trata de ineficiência burocrática. Trata-se de uma estratégia deliberada de obstrução. Relatores são trocados, sessões deliberativas são inviabilizadas por manobras regimentais, pareceres são lidos e engavetados. Casos como os de Eduardo Cunha, que antecipava a abertura da Ordem do Dia para evitar reuniões do Conselho, ou o de Renan Calheiros, que foi salvo no plenário mesmo com parecer pela cassação, ilustram como o rito é manipulado para esvaziar o conteúdo normativo da punição.

Essa morosidade não é neutra: é instrumento de obstrução deliberada. Casos de maior repercussão, como Eduardo Cunha ou Demóstenes Torres, só avançaram mediante colapsos políticos ou pressões externas intensas.

Quando o Conselho age (e quando se cala)

A comparação de estudos de caso mostra que a eficiência processual varia conforme o perfil político do acusado. A seguir, alguns exemplos contrastantes:

Caso
Tramitação
Desfecho
Notas

Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
9+ meses
Cassado
Só avançou após afastamento pelo STF

Jair Bolsonaro (PL-RJ)
Arquivado sumariamente
Nenhuma sanção
Representação por apologia da tortura

Glauber Braga (PSOL-RJ)
< 4 meses
Parecer por cassação
Tramitação expressa em 2025

Chiquinho Brazão (sem partido)
Iniciado em 2024
Em aberto
Envolvimento em homicídio político

Demóstenes Torres (DEM-GO)
7+ meses
Cassado
Exigiu provas cabais e pressão midiática

Renan Calheiros (PMDB-AL)
2007
Absolvido no plenário
Plenário ignorou parecer do Conselho

 

O padrão revela seletividade política e assimetria na aplicação de sanções: aliados do poder escapam, opositores são punidos com rapidez.

O caso de Glauber Braga, processado por suposta agressão a manifestante de direita, tramitou com velocidade incomum e alta carga política. Em contraste, representações por quebra grave de decoro (inclusive com provas públicas e vídeos) foram arquivadas sumariamente. Isso confirma que o Conselho funciona como instância performativa, mais preocupada em gerir reputações do que em aplicar sanções.

Conclusão: a estética da impunidade

A análise empírica evidencia que os Conselhos de Ética têm sido instituições frágeis, vulneráveis à captura por interesses corporativos e condicionadas ao equilíbrio de poder no interior do Legislativo. Eles não são irrelevantes, produzem visibilidade, organizam narrativas, afetam a opinião pública, mas não cumprem sua função disciplinar com isonomia.

No momento em que o Congresso tenta ampliar sua própria imunidade com a PEC da Bandidagem, a urgência de revisar os mecanismos internos de responsabilização se intensifica. A pergunta que nos resta é: o Conselho de Ética quer – ou pode – ser um instrumento de justiça normativa?

Ou seguirá, como ironizou o deputado Chico Alencar, atuando apenas como um Conselho de Estética?

Generated by Feedzy