As ‘despesas invisíveis’ no radar do TCU

A fiscalização da receita pública é uma das tarefas mais relevantes do Tribunal de Contas da União (TCU). Já tratei do assunto em 2022 neste espaço [1], ao analisar o papel da corte na recuperação de créditos tributários. Agora, vale destacar outra frente igualmente relevante: o controle dos gastos tributários.

Segundo definição do próprio TCU, classificam-se como gastos tributários as medidas que: (i) representem exceção ao sistema tributário de referência; (ii) possuam finalidade extrafiscal, vinculada a um objetivo de política pública identificável; e (iii) impliquem renúncia de receita mensurável. [2]

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Na prática, são isenções, deduções ou reduções de alíquota que funcionam como verdadeiras despesas públicas, mas sem figurar no orçamento. Em vez de arrecadar e gastar, o Estado escolhe não arrecadar, com a expectativa de gerar determinado efeito econômico ou social.

Essa opção, no entanto, traz riscos. Os gastos tributários são despesas indiretas que permanecem alheios dos mecanismos orçamentários ordinários, o que reduz a transparência e o controle democrático. Sua expansão compromete o planejamento fiscal e amplia distorções distributivas, pois grande parte desses benefícios favorece setores específicos ou contribuintes de maior renda.

O TCU passou a se atentar ao tema com mais cuidado. Em setembro de 2025, lançou o Observatório de Benefícios Tributários, com dados e diagnósticos. O relatório apresentado à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara[3] mostrou que esses benefícios já alcançam cerca de 4,4% do PIB — valor superior ao orçamento de programas sociais de alta relevância. E o mais preocupante: o levantamento de alguns dos maiores gastos tributários revelou ineficiências pela ausência de metas claras, monitoramento e avaliação de resultados.

A contradição é evidente, pois enquanto o orçamento público é controlado por regras fiscais e pelo Parlamento, os gastos tributários crescem de forma difusa, sem o mesmo nível de debate. Um programa de transferência de renda, por exemplo, precisa ser aprovado pelo Congresso e submetido a auditorias. Já uma desoneração pode atravessar anos sem revisão, embora produza impacto semelhante. [4]

É aqui que a atuação do TCU torna-se importante. Ao dar visibilidade a essas “despesas invisíveis”, a corte permite que sociedade e Parlamento tenham elementos para avaliar a real eficiência das renúncias. Trata-se de efetivo exercício do controle externo estabelecido pela Constituição da República.

[1] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/o-tcu-preocupa-se-com-a-receita-publica

[2] BRASIL. TCU. Gastos Tributários e o Desafio Fiscal do Brasil, 2025, p. 19. Disponível em  https://sites.tcu.gov.br/recursos/observatorio-beneficios-tributarios/Avaliacao_dos_gastos_tributarios_vf.pdf

[3] BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatório do TCU aponta ineficiências em praticamente todos os maiores gastos tributários. In: Agência Câmara de Notícias, 2025, disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/1205003-relatorio-do-tcu-aponta-ineficiencias-em-praticamente-todos-os-maiores-gastos-tributarios/

[4] Conforme o próprio TCU, a chamada Lei de Informática, em vigor há mais de 25 anos, já resultou em renúncias fiscais superiores a R$ 25 bilhões apenas entre 2013 e 2017, relativas ao IPI não recolhido. Além disso, há um atraso de pelo menos R$ 9 bilhões na verificação do cumprimento da obrigação das empresas beneficiadas de aplicar recursos em pesquisa e desenvolvimento. Até hoje (2018, data da notícia no site do TCU), não foi realizada avaliação consistente sobre os reais benefícios dessa política. (BRASIL. TCU. Em vigor há mais de 25 anos, benefícios da Lei de Informática não foram avaliados. Disponível em https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/em-vigor-ha-mais-de-25-anos-beneficios-da-lei-de-informatica-nao-foram-avaliados, acesso em setembro de 2025)

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