“Nossa soberania e nossa democracia são inegociáveis”. Mais do que uma frase de efeito, a declaração de Lula na Assembleia Geral da ONU foi um recado político calculado. O discurso ecoou como um alerta tanto ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quanto ao povo brasileiro, sobretudo aos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. No fim, o recado é um só: o Brasil não aceitará novas investidas antidemocráticas.
Não é novidade que o cenário político brasileiro, seja interno, seja na relação com os EUA, enfrenta desafios. Desde o início do ano, o Planalto lida com duas frentes de desgaste: as crescentes tarifas impostas unilateralmente pela Casa Branca a produtos brasileiros e a pressão da oposição pela anistia do ex-presidente Bolsonaro e condenados pelo 8 de janeiro.
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O conflito comercial, somado ao julgamento de Bolsonaro no STF e à investigação dos EUA sobre possíveis práticas comerciais desleais contra big techs, abriu espaço para nova retaliação norte-americana, com sanções direcionadas a ministros da corte, e acentuou a narrativa da oposição de que o governo estaria isolado no tabuleiro internacional.
Foi nesse cenário de crise externa, porém, que a taxa de desaprovação do governo Lula 3 caiu. Em junho, o escândalo dos desvios no INSS havia levado a desaprovação ao maior índice desde 2023, alcançando 57% segundo pesquisa. A postura firme do governo diante do chamado “tarifaço” de Trump, ainda que sem resultados concretos em termos de redução das taxas, foi suficiente para recuperar parte da confiança da população. Em agosto, a desaprovação caiu para 51%, mostrando que a narrativa de defesa da soberania e da economia nacional conquista espaço entre os eleitores.
No Congresso, a popularidade do governo segue em sentido oposto — e o discurso do presidente na ONU pode não ajudar nesse contexto. A relação com partidos de centro mostra sinais claros de desgaste, intensificados pelo desembarque da maior bancada do Congresso Nacional, a federação União Progressista, às vésperas do ano eleitoral.
Já a oposição pressiona há meses pela anistia de Bolsonaro e de outros condenados pela invasão dos três Poderes, resultando em obstruções e adiamentos de agendas prioritárias ao governo. Lula, porém, aproveitou o palco internacional das Nações Unidas para reafirmar: “Não há pacificação com impunidade”.
Nesse embate político, o Planalto pode se ver obrigado a ampliar concessões para garantir votações mínimas e preservar a governabilidade. A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5.000 (PL 1087/2025) e a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLN 2/2025) já acumulam atrasos no cronograma e podem sofrer novas investidas da ala mais à direita no Parlamento.
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Ao mesmo tempo em que fortalece sua imagem no cenário internacional e busca recuperar apoio junto à opinião pública — sobretudo às vésperas de um encontro com Trump para negociações diretas — Lula enfrenta um Congresso cada vez mais fragmentado e resistente.
Nesse contexto, o discurso na ONU se insere como parte de uma estratégia mais ampla de reposicionamento. Ao defender a democracia e a soberania como bandeiras centrais de sua atual gestão, Lula busca consolidar apoio social e conter avanços da oposição. O desafio, no entanto, segue o mesmo: converter discurso em governabilidade num cenário em que cada votação depende de novas negociações, concessões e articulação política.