A licença-maternidade para servidoras públicas contratadas em regime temporário é garantida somente em dez das 27 unidades da federação. A licença-paternidade, por sua vez, é um direito apenas em nove estados. Tratando-se da estabilidade provisória para gestantes, o número cai: em só dois estados há previsão dos benefícios. Há ainda seis unidades que não asseguram férias remuneradas aos temporários, enquanto em sete não há garantia do 13º salário.
A contratação temporária de servidores públicos, especialmente em saúde e educação, cresceu 42,1% nos entes subnacionais e 10,6% na União entre 2017 e 2023. O tipo de contrato se tornou prática recorrente, mas sem garantias mínimas de direitos e sob forte insegurança jurídica. É que concluem os pesquisadores Felipe Drumond, Laís Montgomery e Myrelle Jacob em levantamento divulgado nesta segunda-feira (29/9).
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A pesquisa mostra um movimento contrário em relação ao número de servidores efetivos, que caiu 11,8% no período analisado. Os pesquisadores avaliam que a retração está, em muitos casos, associada à ausência de concursos públicos, ao envelhecimento da força de trabalho e à não reposição de vacâncias. O cenário indica fragilidades na gestão estratégica de pessoal. Por outro lado, a contratação por temporários já é uma modalidade que predomina em algumas áreas. Na educação, em 15 estados esse tipo de contrato prepondera desde 2022.
Ausência de direitos básicos e fragmentação
A falta de um marco regulatório nacional permite que cada ente federativo crie regras próprias. Enquanto alguns estados, como Minas Gerais e Santa Catarina, preveem expressamente direitos como férias, 13º salário e licença-maternidade para temporários, em outros, como Mato Grosso e Ceará, os servidores ficam sem cobertura em casos de luto, licença médica ou estabilidade pós-parto.
A análise das legislações estaduais identificou quatro padrões distintos. No primeiro grupo, estados como Amapá, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Roraima não possuem um rol específico de direitos para temporários, deixando as garantias restritas ao que consta nos contratos. Em alguns casos, como no Amapá, a lei prevê apenas férias e 13º na rescisão.
Já Acre, Tocantins, Sergipe e Pará aplicam de forma genérica o estatuto dos servidores, sem detalhar quais benefícios valem para temporários. Um terceiro grupo, que inclui Minas Gerais, Santa Catarina e Distrito Federal, especifica quais dispositivos dos estatutos são aplicáveis. Em Minas, por exemplo, os temporários têm direito a férias, 13º, adicionais e licenças previstas na Constituição.
Mas há também os estados que criaram listas próprias de garantias, incluindo repouso semanal, adicionais e licenças diversas. É o caso do Paraná, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é que os contratos temporários são constitucionais, desde que em caráter excepcional. Para o Tribunal, esse tipo de vínculo só é permitido quando se trata de situações excepcionais previstas em lei, com prazo previamente definido e para atender a uma necessidade temporária e indispensável. O interesse público deve ser também de caráter excepcional, ficando vedada a utilização dessa modalidade para atividades permanentes e rotineiras do Estado, estas devem ser supridas exclusivamente por servidores efetivos aprovados em concurso público.
“O que acaba acontecendo é insegurança jurídica”, afirma ao JOTA Myrelle Jacob, uma das especialistas responsáveis pela pesquisa. “Há um volume muito grande de declarações de inconstitucionalidade pelo Supremo das legislações”, afirma.
“E há uma deturpação no instituto que é feita para esses momentos em que eu vou expandir uma política pública, um serviço público. Eu vou ofertar um novo serviço, no caso da educação, todas essas demandas sazonais, em que eu vou suprir a ausência de servidor. E a medida em que há essa possibilidade dos entes determinarem as suas próprias hipóteses, o que a gente vê são hipóteses, muitas vezes genéricas, que são uma espécie de salvo-conduta do gestor público para contratar como e onde ele quiser, sendo que não há um permissivo legal para isso e não há direitos mínimos garantidos a esses trabalhadores”, diz Myrelle.
A diretora-executiva do Movimento Pessoas À Frente, Jessika Moreira, também alerta para a relação entre a garantia de direitos dos trabalhadores e a qualidade do serviço público. “Nesse cenário, quais são as condições institucionais onde esse profissional pode exercer sua função com qualidade? E já que quando estamos falando de temporários na educação e na saúde, estamos falando, sobretudo, de serviços públicos essenciais para a população, garantir direitos aos trabalhadores temporários também é garantir que a gente vai ter um ambiente institucional mais propício para a entrega da qualidade do serviço público”, afirma.
O estudo sobre as legislações estaduais foi encomendado pelo Movimento Pessoas À Frente. Neste semestre, o grupo encaminhou à deputada Tabata Amaral (PSD-SP) e ao senador Alessandro Vieira (MDB-SE) a sugestão de um projeto de Lei Geral de Contratação por Tempo Determinado no Setor Público. A proposta vingou na forma dos PLs 3086/2025 e 3069/2025, propostos em junho, que tramitam no Senado e na Câmara, respectivamente.
A proposta estabelece um regime jurídico mínimo comum, com regras claras sobre prazos, vedações e direitos básicos. Entre elas: a garantia de licença-maternidade, licença-paternidade e luto; a quarentena obrigatória entre contratos sucessivos, para evitar vínculos permanentes disfarçados; a proibição do uso de contratos temporários em carreiras típicas de Estado, como a segurança pública; e obrigação de respeitar concursos em andamento, evitando que temporários substituam concursados aprovados.
Os projetos foram também levados ao deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que lidera a elaboração de uma proposta de reforma administrativa na Câmara. O deputado já afirmou que a proposição a ser apresentada deve estabelecer regras gerais para esse tipo de contratação. A expectativa é de que o parlamentar considere em seu texto as propostas em tramitação.