No cenário dinâmico do mercado de trabalho brasileiro, a terceirização de serviços e a contratação de profissionais como pessoas jurídicas (pejotização) tornaram-se estratégias empresariais amplamente adotadas, visando flexibilidade e redução de custos. Contudo, a ausência de um entendimento jurisprudencial claro entre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Supremo Tribunal Federal (STF) tem gerado insegurança jurídica.
Historicamente, a terceirização era disciplinada de forma restritiva pela Súmula 331 do TST, que permitia a contratação de serviços apenas para atividades-meio. A violação dessa diretriz geralmente resultava no reconhecimento de vínculo empregatício direto com a empresa contratante.
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Embora buscasse proteger o trabalhador, essa jurisprudência impunha barreiras à modernização das estruturas empresariais. A promulgação das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017 (reforma trabalhista) alterou esse cenário, permitindo a terceirização inclusive para atividades-fim, com o objetivo de modernizar as relações de trabalho e atrair investimentos.
Em 2018, o STF consolidou a licitude ampla da terceirização ao julgar a ADPF 324 e o Tema 725 da Repercussão Geral, afastando a distinção entre atividade-meio e atividade-fim. Para o STF, a livre iniciativa e a liberdade contratual, previstas na Constituição, são compatíveis com a terceirização, desde que não haja desvirtuamento da relação de trabalho.
Segundo o ministro Luiz Fux, relator da ADPF 324, a terceirização reflete a autonomia privada e a organização empresarial legítima, não podendo ser proibida por construções jurisprudenciais infraconstitucionais.
Apesar desse marco interpretativo, o TST tem resistido em algumas decisões, aplicando o instituto do distinguishing para analisar o caso concreto. Quando identificados elementos da relação de emprego — subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade —, o vínculo é reconhecido. Um exemplo é o caso de um técnico de informática contratado como PJ, mas que atuava sob ordens diretas da tomadora. O STF, ao apreciar a lide, determinou o retorno dos autos ao TST, que manteve o vínculo empregatício.
Paralelamente, a pejotização — contratação de pessoas físicas por meio de pessoas jurídicas unipessoais — tem gerado conflitos. Essa prática é comum em setores como tecnologia, saúde e marketing, mas frequentemente esconde relações de emprego disfarçadas.
A diferença central entre terceirização e pejotização está na natureza do vínculo: na primeira, contrata-se uma empresa para prestação de serviços; na segunda, contrata-se uma pessoa física que se apresenta como PJ, mas atua de forma pessoal, subordinada e contínua. O TST frequentemente reconhece fraude nesses casos, como no julgamento de um médico que, mesmo contratado como PJ, cumpria plantões fixos e submetia-se a escalas e metas impostas.
O STF, por outro lado, tem equiparado a pejotização à terceirização lícita em algumas decisões, anulando reconhecimentos de vínculo empregatício em contratos com PJs. Essa postura gerou reação da Anamatra, que argumenta que a jurisprudência do STF sobre terceirização não se aplica automaticamente à pejotização, já que esta envolve prestação pessoal e, muitas vezes, subordinada. A entidade defende que cabe à Justiça do Trabalho verificar fraudes e proteger os direitos dos trabalhadores.
Diante da crescente judicialização, o STF reconheceu a repercussão geral do Tema 1.389, que discute a licitude da contratação de PJs com indícios de fraude. Em abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos sobre o tema. O julgamento deverá esclarecer questões como a competência da Justiça do Trabalho para julgar fraudes, a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego em contratos com PJs, o ônus da prova em casos de alegação de fraude e os limites da autonomia privada nas relações de trabalho. Uma audiência pública foi marcada para setembro de 2025, reunindo representantes do setor produtivo, academia, entidades sindicais e do Judiciário.
A indefinição jurisprudencial afeta diretamente a elaboração de contratos, estruturas operacionais e custos trabalhistas. Empresas de setores especializados, como tecnologia e saúde, dependem de modelos flexíveis de contratação e veem na pejotização uma ferramenta legítima de gestão. Contudo, sem segurança jurídica, enfrentam riscos de passivos trabalhistas, autuações fiscais e danos à imagem institucional. Para mitigar esses riscos, é essencial adotar boas práticas, como cláusulas claras de autonomia contratual, ausência de ordens diretas, liberdade na execução dos serviços e multiplicidade de clientes do prestador.
O STF tem sinalizado que a hipersuficiência do trabalhador pode afastar a proteção da CLT, mesmo quando presentes elementos da relação de emprego. Esse entendimento está associado ao artigo 444, parágrafo único da CLT, que trata de empregados com diploma de nível superior e remuneração superior a duas vezes o teto do INSS. Para o STF, esses trabalhadores possuem capacidade negocial suficiente para firmar contratos sem a tutela estatal típica da CLT. Embora ainda não consolidada como tese vinculante, essa interpretação reflete uma valorização da liberdade contratual.
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O embate entre o STF e o TST revela uma disputa mais ampla entre os princípios da livre iniciativa e da proteção ao trabalho. Enquanto o TST busca preservar o caráter protetivo da legislação trabalhista, o STF privilegia a autonomia privada e a modernização das relações contratuais. Nesse contexto, as empresas devem acompanhar atentamente as decisões relacionadas ao Tema 1.389 e revisar suas práticas contratuais com base em critérios técnicos e jurídicos consistentes. Políticas de compliance trabalhista, auditorias periódicas e capacitação de gestores de RH serão fundamentais para garantir segurança jurídica e sustentabilidade nas contratações.
A solução definitiva dependerá de um posicionamento equilibrado do STF, que harmonize os interesses em jogo. É necessário considerar a liberdade empresarial, permitindo modelos de contratação flexíveis, mas também garantir a dignidade do trabalhador, protegendo-o contra fraudes e abusos. Além disso, é crucial preservar a competência da Justiça do Trabalho, assegurando seu papel na fiscalização de irregularidades. Com um entendimento claro e coeso, será possível oferecer segurança jurídica para empresas e trabalhadores, promovendo um ambiente de negócios estável e respeitando direitos fundamentais.