O sistema financeiro brasileiro sempre esteve na vanguarda tecnológica, com destaque para o Pix, o open finance e o mobile banking, que transformaram radicalmente a relação entre clientes e instituições. Ao mesmo tempo, a crescente digitalização elevou os riscos de fraudes e golpes eletrônicos, exigindo respostas mais rápidas e sofisticadas.
Nesse cenário, a inteligência artificial e a Automação Robótica de Processos (RPA) deixaram de ser diferenciais para se tornarem pilares estratégicos de governança, compliance e segurança no setor bancário.
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A IA, com sua capacidade de processar dados massivos e identificar padrões ocultos, tornou-se fundamental para a análise de crédito e para o monitoramento de operações suspeitas.
Já a RPA garante agilidade e padronização na execução de tarefas repetitivas, como coleta de informações, geração de relatórios e comunicações regulatórias. Juntas, essas tecnologias ampliam a eficiência operacional e fortalecem a resposta das instituições frente às exigências regulatórias do Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Contudo, o protagonismo da automação no sistema financeiro traz dilemas jurídicos e éticos. Questões como a explicabilidade de decisões algorítmicas, a responsabilidade por falhas, o risco de viés discriminatório e a compatibilidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) tornam-se centrais.
Para a advocacia, isso significa a necessidade de acompanhar de perto a aplicação dessas ferramentas, tanto para prevenir litígios como para estruturar políticas e contratos alinhados a boas práticas de governança digital.
O presente artigo analisa o uso de IA e RPA em duas frentes principais: análise de crédito e monitoramento de operações suspeitas, discutindo ainda os aspectos regulatórios e éticos que envolvem essas práticas. Por fim, reflete sobre o futuro da supervisão financeira e o papel dos advogados na construção de um ecossistema inovador, eficiente e juridicamente sustentável.
Evolução do uso da tecnologia no setor financeiro
A trajetória do setor financeiro brasileiro é marcada por avanços tecnológicos que transformaram a forma de ofertar e consumir serviços bancários. Dos caixas eletrônicos nos anos 1980 ao internet banking nos anos 1990 e, mais recentemente, aos aplicativos móveis, a tecnologia passou a ser protagonista na relação entre bancos e clientes. Esse processo democratizou o acesso, reduziu custos operacionais e elevou a conveniência, mas também trouxe novos riscos, sobretudo ligados à segurança cibernética.
O grande marco da última década foi a introdução do Pix e do open finance, aliados à ascensão das fintechs. Essas inovações ampliaram a competitividade, estimularam a inclusão financeira e transformaram o Brasil em referência global em digitalização bancária. Entretanto, a massificação dos canais digitais elevou o volume de transações e a sofisticação das fraudes, revelando a insuficiência de modelos baseados apenas em regras fixas e análises retrospectivas.
Nesse contexto, a IA ganhou protagonismo ao permitir análises em tempo real, identificar padrões ocultos e detectar anomalias que escapam aos sistemas tradicionais. Já a RPA tornou-se ferramenta essencial para executar tarefas repetitivas de forma padronizada, como preenchimento de relatórios regulatórios e integração de dados de diferentes sistemas. Em conjunto, IA e RPA garantem maior eficiência operacional e reforçam o compliance.
O avanço da digitalização também intensificou o custo regulatório. Órgãos como Banco Central, Coaf e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passaram a exigir relatórios mais detalhados, trilhas de auditoria e maior capacidade de resposta. No plano internacional, as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI/FATF) pressionam as instituições a adotar padrões globais de prevenção à lavagem de dinheiro, o que aumenta a necessidade de soluções tecnológicas sofisticadas. Assim, a inovação tecnológica não é mais opcional, mas requisito de governança e conformidade.
Outro vetor dessa evolução está na mudança do comportamento do consumidor. Clientes cada vez mais digitais exigem rapidez, disponibilidade a todo o tempo e personalização de serviços. Isso levou bancos e fintechs a investir em sistemas que, além de segurança, entregam experiências personalizadas e fluidas. Para atender a essas demandas sem comprometer a confiabilidade, as instituições passaram a depender de IA para prever necessidades e riscos, enquanto a RPA sustenta a escala das operações.
Por fim, esse processo também impacta o campo jurídico.
Isso porque, além de desafiar o mercado financeiro a busca de novas soluções para conter os impactos da IA no setor, com um sistema ainda mais protecionista de análise de dados, riscos do negócio e segurança nas transações, contribui para a sofisticação dos golpes e aumento das demandas judiciais na busca de atribuir às instituições financeiras a responsabilidade objetiva por eventual transação não reconhecida.
Assim, a digitalização bancária não apenas modificou produtos e serviços, mas redefiniu conceitos como dever de informação, responsabilidade civil e proteção de dados. A forma como o Brasil regula e equilibra inovação, segurança e direitos fundamentais influencia não só o mercado interno, mas também serve de referência internacional. Nesse sentido, compreender a evolução tecnológica do setor é indispensável para que advogados atuem de forma estratégica em consultoria, regulação e contencioso.
IA na análise de crédito
A concessão de crédito é uma das funções mais estratégicas e sensíveis do setor bancário. Trata-se de atividade que movimenta a economia, garante liquidez ao mercado e possibilita o consumo e o investimento. Ao mesmo tempo, é uma das áreas de maior risco para as instituições financeiras, já que envolve inadimplência, fraudes e potenciais litígios.
Historicamente, o processo de análise de crédito baseava-se em critérios rígidos: histórico bancário, comprovação de renda, informações cadastrais e relacionamento prévio do cliente com a instituição. Esse modelo, embora relativamente seguro, mostrou-se excludente, pois marginalizava grande parte da população sem histórico formal ou com baixa bancarização.
A IA modificou radicalmente esse cenário. Por meio de algoritmos de machine learning, os bancos passaram a analisar milhares de variáveis simultaneamente, muitas delas não consideradas no modelo tradicional.
Além das informações financeiras clássicas, entram em jogo dados como o comportamento de consumo digital, histórico de pagamentos em plataformas de e-commerce, movimentações em tempo real e até dados compartilhados via open finance, mediante consentimento do consumidor. O resultado é uma análise de risco mais precisa e inclusiva, capaz de expandir o acesso ao crédito sem comprometer a segurança.
Frisa-se que hoje há empresas no mercado direcionadas a ofertar créditos apenas ao público mais marginalizado e com menos chance de crédito no mercado tradicional. Apesar de as operações envolverem maior risco, a oferta de valores baixos e com alta taxa de juros, movimentam a economia e fideliza os clientes, tornando-os recorrentes nessa prática comercial.
Um exemplo emblemático é o uso de IA por fintechs especializadas em microcrédito. Essas empresas desenvolveram algoritmos capazes de identificar padrões de comportamento em consumidores sem histórico bancário. Informações como a regularidade no pagamento de contas de serviços, o histórico de recargas de celular e até a frequência de movimentações em carteiras digitais passaram a compor os critérios de avaliação. Esse modelo não apenas ampliou o acesso ao crédito para grupos historicamente excluídos, como também reduziu as taxas de inadimplência, já que o risco era calculado com base em indicadores mais próximos da realidade de cada consumidor.
Outro caso prático relevante é a utilização de IA para detectar fraudes em solicitações de crédito. Bancos e fintechs enfrentam rotineiramente tentativas de fraude baseadas em uso de identidades falsas ou roubadas. Sistemas de IA são treinados para analisar variáveis como geolocalização, dispositivo de acesso e comportamento de login.
Alterações bruscas, como a solicitação feita a partir de outro país ou em dispositivo nunca utilizado, geram alertas automáticos. Em muitos casos, a operação é bloqueada antes mesmo da concessão do crédito, evitando prejuízos expressivos para as instituições e protegendo consumidores vítimas de roubo de identidade.
O impacto da IA na análise de crédito, contudo, também enfrenta dilemas, como, por exemplo, o desafio da compatibilidade com a LGPD. O art. 20 da LGPD estabelece que o titular de dados pessoais tem direito de solicitar revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado, que afetem seus interesses.
Isso significa que um consumidor cuja solicitação de crédito foi negada por IA pode exigir que a decisão seja revista por um humano. Na prática, isso obriga instituições financeiras a manter mecanismos de revisão e canais de atendimento específicos, sob pena de violar direitos fundamentais do consumidor.
O open finance é outro elemento que potencializa a análise de crédito com IA. Ao autorizar o compartilhamento de dados entre diferentes instituições, o consumidor permite que os bancos construam um perfil mais completo e preciso. Isso abre espaço para modelos de crédito mais justos, que reconhecem, por exemplo, a regularidade de pagamentos em outras instituições ou a disciplina financeira em contas digitais. Contudo, também amplia os riscos jurídicos, pois exige consentimento informado, governança de dados e proteção contra usos indevidos.
Do ponto de vista prático, estudos apontam que a utilização de IA na análise de crédito permitiu reduzir significativamente o índice de inadimplência em determinadas carteiras, ao mesmo tempo em que ampliou o acesso para consumidores antes invisíveis ao sistema bancário. Fintechs relatam que conseguem oferecer crédito a juros mais baixos justamente porque calculam o risco com maior precisão, reduzindo perdas. Isso cria um círculo virtuoso: mais acesso, menos inadimplência e maior sustentabilidade do sistema financeiro.
Em síntese, a aplicação da IA na análise de crédito não deve ser vista apenas como uma inovação tecnológica, mas como uma ferramenta estratégica de governança. Seu uso responsável pode fortalecer a eficiência do sistema bancário e ampliar a confiança dos consumidores. Contudo, sem um acompanhamento jurídico adequado e uma sistema interno que permite gerenciar fraudes e golpes, corre-se o risco de transformar avanços tecnológicos em novas fontes de litígios e insegurança.
O papel da advocacia, portanto, é assegurar que os benefícios da IA sejam potencializados, ao mesmo tempo em que se mitigam riscos jurídicos e éticos associados à sua aplicação e desafiar o Judiciário, muitas vezes conservador, a se atentar para os impactos, tanto negativos quanto positivos dessa nova realidade, a buscar jurisprudências atualizadas, estratégicas e que vão ao encontro do modelo atual de governança.
Monitoramento de operações suspeitas
O monitoramento de operações suspeitas é uma das atividades mais críticas do setor financeiro. No Brasil, a Lei 9.613/1998 estabelece a obrigação de identificar, registrar e comunicar ao Coaf todas as transações que apresentem indícios de irregularidade. Trata-se de um dever legal que envolve não apenas instituições bancárias, mas também corretoras, seguradoras e empresas de meios de pagamento.
Durante muito tempo, esse monitoramento baseava-se em regras fixas. Por exemplo: depósitos acima de determinado valor ou transferências para países considerados de risco eram automaticamente sinalizados. Embora importante, esse modelo mostrou-se limitado diante da criatividade criminosa.
Estruturas como o smurfing — fragmentação de depósitos em valores ligeiramente abaixo dos limites de reporte automático — passaram a escapar dos radares. Além disso, a quantidade massiva de transações gerava muitos falsos positivos, sobrecarregando equipes de compliance e reduzindo a eficácia das análises.
É nesse ponto que a IA se mostra decisiva. Algoritmos de machine learning conseguem analisar milhões de transações em tempo real, comparando-as com o histórico de cada cliente e com padrões gerais de comportamento. Operações que se desviam significativamente do perfil esperado são automaticamente sinalizadas como suspeitas. Isso inclui, por exemplo, um cliente de perfil de baixa renda que subitamente passa a movimentar valores elevados, ou uma conta utilizada para transferências recorrentes a diversos destinatários sem justificativa econômica clara.
O grande diferencial da IA está na capacidade de detectar anomalias sutis. Enquanto sistemas tradicionais exigem parâmetros pré-definidos, a IA aprende continuamente e identifica comportamentos novos. Se uma fraude utiliza uma modalidade inédita, o algoritmo tem potencial para reconhecê-la pela discrepância estatística em relação ao padrão usual, mesmo que não haja regra programada para isso. Essa habilidade de adaptação é essencial em um cenário de crimes financeiros que evoluem constantemente.
Já a RPA desempenha papel complementar, garantindo agilidade e padronização nas respostas. Uma vez que uma operação é sinalizada, robôs digitais podem coletar dados adicionais, preencher formulários internos, priorizar casos conforme o risco e até preparar relatórios completos para envio ao Coaf.
Isso reduz a sobrecarga das equipes humanas, otimizando o tempo dos colaboradores, que passam a se concentrar nas análises de maior complexidade. A RPA também assegura que os procedimentos sejam realizados de forma uniforme e auditável, requisito essencial em processos de compliance.
Casos práticos ilustram a relevância dessas ferramentas. Um exemplo recorrente é a detecção de fraudes via Pix. Em muitos golpes, criminosos utilizam dispositivos diferentes ou realizam transferências em horários incomuns. Sistemas de IA são capazes de identificar essas alterações em tempo real e gerar bloqueios automáticos, evitando a concretização do golpe.
Outro caso é o monitoramento de operações internacionais em jurisdições de risco. Antes, esse processo dependia de cruzamentos manuais demorados; hoje, algoritmos sinalizam imediatamente transações incompatíveis, permitindo respostas quase instantâneas.
Contudo, a automação, como toda novidade tecnologia, também possui seus desafios. Do ponto de vista jurídico, é necessário encontrar um equilíbrio entre eficiência e garantias fundamentais. A LGPD, por exemplo, exige que o tratamento de dados pessoais seja feito com base legal adequada. Isso significa que bancos precisam justificar o uso de informações e adotar medidas de proteção compatíveis.
Além disso, a lei assegura aos titulares direitos como acesso às informações e possibilidade de revisão de decisões automatizadas, o que gera uma tensão prática: como conciliar a confidencialidade necessária para investigações com a transparência exigida pela legislação?
Neste ponto, verifica-se também o surgimento de um novo desafio: os golpes, cada dia mais sofisticados, apesar de esbarrarem na detecção pela IA de transações suspeitas, contam com a contribuição direta do consumidor, responsável por fornecer a terceiros dados sensíveis que permitem a utilização de suas informações bancárias sigilosas para efetuar transações.
O Judiciário, nesse caso, permanece dividido nas decisões, com fundamento em ausência de segurança nas transações, culpa exclusiva do consumidor e, em muitos casos, a atribuição de culpa concorrente, o que aumenta ao desafio dos advogados.
A advocacia desempenha papel estratégico nesse campo. Na esfera consultiva, cabe orientar instituições financeiras na implementação de políticas de monitoramento compatíveis com a legislação, na elaboração de contratos com fornecedores de tecnologia que distribuam responsabilidades e na criação de mecanismos de governança que reduzam riscos de litígios. Na esfera contenciosa, os advogados atuam na defesa de bancos em ações decorrentes de bloqueios indevidos, transações suspeitas e aberturas de contas, assim como na representação de clientes prejudicados por falhas no sistema.
Em síntese, o monitoramento de operações suspeitas com o uso de IA e RPA representa um salto qualitativo para o setor financeiro. Mais do que detectar irregularidades, essas tecnologias criam um ecossistema de prevenção, resposta e rastreabilidade, capaz de fortalecer a integridade do sistema e aumentar a confiança do consumidor. O desafio está em garantir que essa eficiência não se converta em arbitrariedade e maior atribuição de riscos, assegurando que inovação e proteção de direitos caminhem lado a lado.
Aspectos regulatórios, jurídicos e éticos
A introdução de inteligência artificial e Automação Robótica de Processos no setor bancário ocorre em um ambiente normativo multifacetado. No Brasil, há uma sobreposição de marcos legais que precisam ser interpretados em conjunto: a Lei 9.613/1998, que trata da prevenção à lavagem de dinheiro; a LGPD, que regula o tratamento de dados pessoais; e o CDC, que assegura a prestação adequada de serviços financeiros. Além disso, reguladores como o BC, a CVM e o próprio Coaf emitem normas complementares, reforçando a responsabilidade das instituições financeiras.
No plano internacional, o Brasil está sujeito às diretrizes do GAFI/FATF, que estabelece padrões globais. Iniciativas como o AI Act da União Europeia introduzem regulações específicas para a IA, classificando sistemas conforme o grau de risco e impondo requisitos de governança, auditabilidade e explicabilidade. Embora ainda em fase de discussão no Brasil, é provável que o ordenamento nacional caminhe em direção semelhante, incorporando princípios de governança algorítmica.
A LGPD também entra nessa discussão e acrescenta uma camada importante de complexidade. A análise de crédito, o monitoramento de operações e o reporte ao Coaf envolvem tratamento massivo de dados pessoais, muitas vezes sensíveis. A base legal frequentemente invocada é o cumprimento de obrigação legal ou regulatória. No entanto, isso não dispensa a observância de princípios como finalidade, necessidade e transparência.
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Há, também, dilemas de explicabilidade. Muitos modelos de IA, especialmente aqueles baseados em deep learning, são complexos demais para que se consiga explicar de forma clara a lógica de decisão. Isso cria uma tensão prática: como oferecer ao consumidor uma justificativa compreensível para a negativa de crédito ou bloqueio de uma transação, sem comprometer segredos industriais e sem reduzir a eficácia do sistema? O desafio regulatório é encontrar um equilíbrio entre a proteção do consumidor e a viabilidade técnica da explicabilidade.
No campo ético, destacam-se pelo menos três desafios centrais: a super confiança na tecnologia, o impacto social da automação e a cooperação internacional, de modo que se faz necessária a criação de mecanismos que acompanhem esses dilemas criados pela tecnologia.
Os contratos entre instituições financeiras e fornecedores de tecnologia também entram no radar. Em muitos casos, bancos terceirizam o desenvolvimento de algoritmos ou a operação de sistemas de RPA. Surge então a questão da responsabilidade compartilhada: em caso de falha, quem responde?
A jurisprudência brasileira tende a imputar a responsabilidade ao banco perante o consumidor, mas isso não impede que a instituição busque direito de regresso contra o fornecedor. Por isso, cresce a importância de contratos robustos, com cláusulas claras de alocação de riscos, auditoria de sistemas e garantias de conformidade.
Nesse cenário, o papel da advocacia é múltiplo. Na esfera consultiva, cabe orientar instituições financeiras na elaboração de políticas de compliance que considerem os riscos algorítmicos, na implementação de programas de governança de dados e na negociação de contratos tecnológicos.
Na esfera contenciosa, os advogados precisam estar preparados para atuar em litígios envolvendo negativas abusivas de crédito, bloqueios indevidos de transações e falhas em sistemas de monitoramento. E, na esfera estratégica, o advogado pode atuar como ponte entre tecnologia e regulação, ajudando a moldar políticas públicas e contribuir com a construção de um marco jurídico adequado para a IA no setor financeiro.
Em síntese, os aspectos regulatórios, jurídicos e éticos do uso de IA e RPA no setor bancário são complexos e interconectados. Eles envolvem não apenas a observância de normas vigentes, mas também a adaptação a tendências globais e a gestão de dilemas éticos ainda em evolução.
O desafio é assegurar que a busca por eficiência tecnológica não comprometa direitos fundamentais como privacidade e segurança, igualdade e devido processo legal. Para a advocacia, isso significa uma oportunidade ímpar de protagonismo: atuar não apenas como intérprete da lei, mas como agente de governança em um setor em transformação.
O futuro da supervisão financeira e conclusão
O futuro da supervisão financeira no Brasil e no mundo será marcado por uma digitalização ainda mais profunda, na qual a IA e a RPA deixarão de ser ferramentas auxiliares para se tornarem estruturas indispensáveis de governança e compliance.
Neste sentido, o setor jurídico e o financeiro têm um desafio conjunto de se adequar à nova tecnologia para que não seja utilizada para majorar riscos, mas sim como estratégia de maior eficiência, economia no geral e governança estratégica.
A integração com o open finance e o real digital ampliará exponencialmente a base de dados disponível para análise, permitindo uma visão integrada do comportamento financeiro dos clientes. Nesse contexto, a IA terá papel central na interpretação de informações em tempo real, enquanto a RPA garantirá a execução rápida e padronizada das respostas, inclusive em comunicações regulatórias.
Importante frisar que surgimento de novas tecnologias de regulação e inovação não se apresentam como substituição a técnica humana, mas como um facilitador em demandas repetitivas que usurpam tempo de qualidade em demandas de maior complexidade.
Além disso, desponta a tendência de uso de IA generativa e preditiva em processos de supervisão e compliance. Diferentemente dos modelos atuais, que dependem de bases históricas, esses novos sistemas serão capazes de simular cenários futuros e antecipar padrões criminosos. Isso mudará a lógica da atuação do setor: de um modelo reativo, baseado em resposta a ilícitos já ocorridos, para um modelo proativo, em que riscos são neutralizados antes de se consolidarem. Para a advocacia, isso implicará lidar com relatórios mais complexos, fundamentar decisões jurídicas e defesas estratégicas diante de tecnologias altamente sofisticadas.
No âmbito regulatório, a expectativa é de maior sofisticação normativa. O Banco Central e a CVM devem exigir regras claras sobre governança de algoritmos, auditabilidade de modelos e mitigação de vieses discriminatórios. A experiência europeia com o AI Act, que classifica sistemas de IA por níveis de risco, serve de referência para um futuro marco regulatório brasileiro. Isso exigirá das instituições financeiras não apenas investimentos em tecnologia, mas também em governança e documentação para atender às exigências dos supervisores.
Para a advocacia, esse futuro representa tanto desafios quanto oportunidades. De um lado, é provável que aumente a litigiosidade em casos de negativas de crédito, bloqueios indevidos e falhas em sistemas automatizados.
De outro, cresce a demanda por consultoria preventiva, orientando bancos na adequação às normas, na redação de contratos com fornecedores de tecnologia e na implementação de políticas internas de compliance. O advogado será chamado a atuar como mediador entre inovação e regulação, traduzindo os requisitos técnicos em soluções jurídicas seguras e estratégicas.
Em síntese, IA e RPA não são apenas inovações tecnológicas: constituem novos pilares da governança financeira contemporânea. Sua utilização redefine a análise de crédito, fortalece a prevenção a ilícitos e transforma a supervisão regulatória.
Contudo, a consolidação desse cenário depende de equilíbrio: de um lado, a eficiência e a agilidade trazidas pela tecnologia; de outro, a observância de direitos fundamentais como privacidade, igualdade e devido processo legal. O futuro do setor financeiro será cada vez mais digital, passando pela integração criteriosa de IA e RPA como instrumentos de eficiência e conformidade, mas sem se desvencilhar da transparência, da ética e de um jurídico sustentável.
Registra-se, ainda neste contexto, que as decisões jurisprudenciais no direito bancário no cenário atual devem manter legitimidade, segurança jurídica e previsibilidade, sem sacrificar o elemento humano essencial ao discernimento jurídico.
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