O crime organizado chega à Faria Lima

Como foi amplamente noticiado pela imprensa, o Ministério Público de São Paulo, a Receita Federal e a Polícia Federal deflagraram, no último dia 28 de agosto, três operações – Carbono Oculto, Quasar e Tank – com foco no combate ao crime organizado, sobretudo ao PCC. O que impressionou desta vez foi que alguns dos focos das operações são instituições conhecidas e sediadas na Faria Lima, que possibilitaram que o esquema tenha movimentado mais de R$ 140 bilhões nos últimos anos.

Tais operações evidenciaram, mais uma vez, que o crime organizado vem se utilizando de setores da economia formal e de empresas financeiras para lavar recursos do narcotráfico e ainda obter novas receitas, valores que são resguardados a partir da atuação de uma série de intermediários da economia formal que lhes atribuem uma fachada de legalidade.

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Em coluna anterior, já havia tratado do tema, mostrando os riscos da crescente infiltração do crime organizado na economia formal, tanto para a atividade econômica como para os investimentos[1]. As descobertas das recentes operações apenas confirmam tais receios, além de evidenciarem várias das questões ali já pontuadas, dentre as quais o protagonismo de administradoras de fundos de investimento e fintechs.

Nesse sentido, as recentes operações demonstraram que o crime organizado contava com pelo menos três administradoras de fundos e uma fintech como operadoras principais do dinheiro ilícito. Tais entidades, descritas como bancos paralelos do PCC, foram consideradas estratégicas e fundamentais para a movimentação e ocultação de dinheiro de origem duvidosa. Para isso, contam com diversos mecanismos, como é o caso das chamadas contas-bolsões, nas quais não há a identificação precisa de todos os beneficiários dos recursos ali depositados.

A causa estrutural de tal cenário é falta de visibilidade sobre procedimentos e ausência de mecanismos efetivos sobre as devidas responsabilizações de tais agentes. Por uma série de razões, dentre os quais a possibilidade de que as próprias fintechs possam figurar como cotistas dos fundos de investimento, criam-se dificuldades para a identificação dos clientes finais, gerando um ambiente propício para a lavagem de dinheiro e outras práticas criminosas.

Verdade seja dita que gestoras de recursos como administradoras de fundos estão sujeitas a normas, inclusive de conformidade, para que conheçam seus clientes e, consequentemente, possam avaliar os riscos e identificar as suspeitas de lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros. A grande questão é que tais normas ou não são suficientes ou não estão sendo devidamente observadas.

No que diz respeito especificamente às fintechs, muitos apontam que o problema real é o de não estarem sujeitas às mesmas obrigações das instituições financeiras tradicionais, como as relacionadas ao dever de informação ao Coaf de determinadas movimentações. Assim, tornam-se instrumentos viáveis para facilitar o caminho do dinheiro ilícito.

Não é sem razão que, como apontou recente reportagem do Valor, “o caso é pelo menos o quarto grande escândalo envolvendo fintechs não reguladas no último ano. No mês passado, o ataque hacker que afetou a C&M e desviou mais de R$ 800 milhões transferiu esse dinheiro para várias fintechs, muitas não reguladas. Em fevereiro, a operação Hydra, também da PF e MP-SP, apurou a ligação das fintechs 2GoBank e Invbank com o Primeiro Comando da Capital (PCC). Em agosto do ano passado, a Operação Concierge mirou outras duas fintechs: InovePay e T10 Bank, também de Campinas”.[2]

Dessa maneira, evidencia-se a relação entre a ausência de regulação adequada e as práticas criminosas. Esse é um ponto especialmente importante, diante da discussão atual de que a regulação pode inibir a inovação e, exatamente por isso, não deveria existir – ou pelo menos deveria ser mais suave – em relação a novos negócios, como as fintechs.

De forma contrária, o episódio mostra o quanto é necessária uma regulação obrigatória mesmo para novos negócios, tendo em vista que a prevenção de crimes financeiros não é efetiva quando deixada a cargo dos agentes econômicos, os quais podem inclusive descumprir deliberadamente seus próprios programas de compliance.

Não é sem razão que, após o episódio, há especulações de que o Banco Central estaria revendo o cronograma inicialmente previsto para regulações de fintechs, para o fim de antecipar a meta de que todas estejam reguladas até o final de 2029.

Pelas mesmas razões, a Receita Federal apressou-se para editar a Instrução Normativa 2278/2025, que visa ao combate aos crimes contra a ordem tributária, inclusive aqueles relacionados ao crime organizado, em especial a lavagem ou ocultação de dinheiro e fraudes.

Para tais fins, prevê o seu art. 2º que “as instituições de pagamento e os participantes de arranjos de pagamentos sujeitam-se às mesmas normas e obrigações acessórias aplicáveis às instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro relativas à apresentação da e-Financeira, instituída pela Instrução Normativa RFB 1.571, de 2 de julho de 2015″.

Como se vê, o cerne da IN 2278/2025 é determinar que as chamadas instituições de pagamento e participantes de arranjos de pagamento terão que repassar dados sobre a movimentação dos seus clientes. Nesse sentido, acaba tendo a mesma essência da IN 2219, que virou o centro das fake news sobre a taxação de Pix.

Para além da maior transparência em relação às movimentações financeiras, é fundamental que haja maior transparência em relação aos beneficiários finais de fundos de investimento e das complexas relações que se estabelecem entre fundos, fintechs e os diversos agentes da economia formal.

Como já havia antecipado em coluna anterior[3], dificilmente será possível conter a crescente infiltração do crime organizado na economia formal sem que a regulação jurídica da atividade econômica – incluindo as regras jurídicas societárias e de investimentos – faça também a sua parte.

[1] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/a-infiltracao-do-crime-organizado-na-economia-formal

[2] “Crime organizado se infiltra em fintechs não reguladas”. Valor Econômico. Edição de 29.08.2025, C.

[3] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/a-infiltracao-do-crime-organizado-na-economia-formal

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