No artigo ‘’Do placar eletrônico ao Cix”, publicado neste JOTA, foi abordado o atual movimento na Câmara de Deputados durante a discussão do PL 2133/2023, do deputado federal Daniel Soranz (PSD-RJ).
O texto prevê a criação de um sistema de modelagem tipificada como e-marketplace com capacidade de revolucionar as aquisições públicas de medicamentos e demais insumos médicos a nível nacional com a criação do Cix, uma plataforma online que congregue empresas/fornecedores credenciados capazes de vender seus produtos e serviços em um mercado fluido, transparente, eficiente e moderno a partir de poucos cliques com as tecnologias contemporâneas.
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A presente proposta irá impactar em alterações na Lei 14.133/21 e no cenário licitatório brasileiro passará a exercer uma mudança no default do comportamento daqueles que atuam na área e do que se espera na alocação de recursos públicos mais proveitosa de acordo com o interesse público. Sendo assim, antecipar problemas e estudar casos de sucesso no qual países implementaram tal sistemática tecnológica do tipo B2G torna-se urgente para o debate político, jurídico, tecnológico e administrativo brasileiro.
Na América Latina, inclusive já conseguimos encontrar um paralelo com o Cix a partir do Sistema de Licitações e Contratações Públicas do Chile, através da plataforma transacional Mercado Público/ChileCompra.
Ela surgiu como resposta à necessidade de modernização, transparência e acima de tudo eficiência nas aquisições governamentais do país, especialmente após a crise política e de corrupção conhecida como MOP-Gate de 2002, que expôs fragilidades do sistema da época no âmbito das aquisições envolvendo desde peculato de fundos até irregularidades na adjudicação de contratos.
Tal cenário evidenciava uma necessidade de mudar a própria legislação vigente, o que ocorreu em 2003 com a Lei 19.886 denominada Ley de Bases sobre Contratos Administrativos de Suministro y Prestacion de Servicios. É ela que foi o marco legal que criou a Direção de Compras e Contratação Pública (ChileCompra) e determinou o Mercado Público como plataforma oficial para as compras do governo chileno.
O sistema de e-marketplace chileno está subordinado ao equivalente do Ministério da Fazenda e administra a plataforma de compras públicas, que é utilizada por mais de 850 organismos do Estado, incluindo ministérios, subsecretários e os serviços públicos atrelados a cada um deles, municípios, hospitais, serviços de saúde, universidades públicas, forças armadas e empresas estatais.
Segundo Ronny Charles, existem instituições públicas que possuem autonomia em relação ao sistema, podendo ou não utiliza-lo – é o caso do Poder Judiciário, Congresso Nacional, Ministério Público, Banco Central e empresas públicas. Contudo, mediante os casos de corrupção e a observância do princípio da transparência previsto no artigo 8º da Constituição chilena, cada vez mais instituições públicas, como Câmara e Senado, têm aderido à plataforma.
A utilização do e-marketplace favoreceu a simplificação administrativa, a ampliação da concorrência e do acesso de micro, pequenas e médias empresas às compras públicas, democratizando o acesso a grandes contratos que antes eram majoritariamente conquistados por grandes corporações.
Segundo o relatório de contas públicas de 2023 elaborado pelo governo do Chile, a plataforma tem gerado economia na casa dos milhões para o Estado e aumentou a participação de MPMEs, que hoje respondem por cerca de 96% dos fornecedores e 57,6% das transações realizadas.
A melhoria no acesso e na concorrência alinha-se perfeitamente com a facilidade oferecida para participação no sistema eletrônico. O Manual de Inscrição, disponibilizado digitalmente e destinado aos fornecedores e provedores, permite que pessoas físicas e jurídicas realizem seu cadastro e acessem a plataforma de e-marketplace chilena. Dessa forma, qualquer interessado pode tornar-se fornecedor de bens ou serviços para o Estado chileno.
A plataforma disponibiliza uma ampla gama de informações e funcionalidades, abrangendo desde consultas ao mercado e bases de licitação até a disponibilização e envio dos produtos ou serviços ofertados. Além disso, o sistema contempla processos de adjudicação, emissão e aceitação de ordens de compra, bem como a assinatura eletrônica de contratos.
Para além das organizações públicas, os cidadãos também conseguem acompanhar os procedimentos e as etapas das contratações da plataforma, podendo visualizar informações como o que está sendo adquirido, por quanto, quando, como e de quem se compra.
No nível operacional e das modalidades licitatórias previstas tem-se as Licitações Públicas (Lei 19.886/2003, Capítulo III; Regulamento 250, Capítulo IV ), Licitações Privadas (Lei 19.886/2003, Capítulo III; Regulamento 250, Capítulo V ), Convênio Marco (com base no Regulamento 250, Capítulo III de 2014 ) e a Compra Direta (Lei 19.886/2003, Capítulo III; Regulamento 250, Capítulo VI).
Na primeira modalidade, encontra-se a licitação pública tradicional, ou seja, um processo concorrencial de chamada pública e aberta que estabelece requisitos, condições e especificações previamente definidas em edital.
Em contrapartida, na licitação privada, o órgão responsável pela aquisição seleciona antecipadamente os participantes aptos a concorrer, constituindo-se em procedimento excepcional que se contrapõe à regra concorrencial geral, devendo contemplar, no mínimo, o convite a três potenciais fornecedores. Por sua vez, a Compra Direta, similarmente ao que ocorre no Brasil, caracteriza-se pela aquisição realizada junto a um fornecedor específico, dispensando a necessidade de chamada pública.
O Acordo Quadro (Convênio Marco) constitui a principal inovação do e-marketplace chileno, seguindo inclusive parâmetros internacionais estabelecidos pela OCDE. Nessa modalidade, o organismo comprador realiza aquisição direta no catálogo eletrônico de fornecedores previamente cadastrados na Loja de Acordos Quadro, emitindo uma fatura ou ordem de compra.
Esses documentos se encontram disponíveis na aba Convênio Marco, publicada pela ChileCompra. Na referida plataforma, o processo de contratação é finalizado automaticamente e recebe autorização imediata da Controladoria Geral da República Chilena para valores iguais ou superiores a 25.000 Unidades Tributárias Mensais (equivalentes a US$ 1,6 milhão).
A aquisição pública mudou significativamente no Chile, se dando de forma mais próxima à compra de itens em sites do tipo B2B como Amazon e Mercado Livre do que naquele rito burocrático que trabalhamos no artigo anterior.