Em decisão unânime, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam a inconstitucionalidade de um dispositivo da Lei Complementar 37/2004, do estado do Piauí, que versa sobre autonomia administrativa e financeira da Polícia Civil, assim como incluía os delegados na carreira jurídica do Poder Executivo estadual, concedendo isonomia em relação às carreiras da magistratura e do Ministério Público. No caso, os ministros declararam a inconstitucionalidade da expressão ‘jurídicas’, que constava no art. 12, parágrafo único, da lei estadual questionada.
Além disso, os ministros também declararam inconstitucional a expressão ‘aos auditores fiscais da Fazenda Estadual, aos delegados de polícia e aos auditores governamentais’, trazida no art. 54, X, da Constituição do estado do Piauí, com redação dada pela Emenda Constitucional 44/2015. O dispositivo constitucional do Piauí aplicava a essas carreiras o teto de subsídio mensal de 90,25% dos ministros do STF.
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O julgamento da ação foi retomado nesta quinta-feira (28/8) com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que havia pedido mais tempo para analisar o caso. Ele acompanhou integralmente o voto do relator do caso, o ministro Nunes Marques.
Ao iniciar a leitura do voto, Moraes acolheu uma questão preliminar suscitada pela Advocacia-Geral da União (AGU), quanto à ausência de impugnação específica de toda a norma, que sustentaria a alegada inconstitucionalidade do art. 12, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual 37/2004. O ponto questionado se referia à participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em concursos públicos para provimento de cargos de delegado de polícia. Assim, Moraes também acompanhou o relator para excluir a expressão “com a participação da seccional da ordem dos advogados do Brasil no concurso” da norma.
Em relação ao mérito, Moraes destacou que a grande discussão era referente à “questão salarial”. “Tudo aqui diz respeito à questão salarial, uma vez incluindo, colocando como carreira jurídica determinada carreira, e aqui, no caso, a carreira de auditores fiscais, delegados de polícia e auditores governamentais”, disse.
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O ministro ressaltou que, em outros casos, o próprio STF entendeu que, a respeito da fixação do teto remuneratório do funcionalismo público, a remuneração, o subsídio dos cargos, funções e empregos públicos não podem exceder determinado teto. “Esse teto, em nível federal, é do ministro do Supremo Tribunal Federal, e em nível estadual, fora essas carreiras jurídicas, 90,25%, porque é o teto fixado aos desembargadores. Então, esse limite é aplicável”, pontuou o ministro.
A partir disso, Moraes ressaltou que cada estado tem, na sua competência, a possibilidade de estabelecer leis fixando qual a remuneração de determinadas carreiras. Respeitando o teto, segundo o ministro, não há nenhuma vedação, “inclusive que uma lei específica, seja para delegados de polícia ou para auditores, fixe que a remuneração deles é o teto”.
No entanto, segundo Moraes, ao estabelecer que o teto de 90,25% seria aplicável a carreiras do Poder Executivo, como os auditores e delegados de polícia, “se fere o autogoverno do Executivo, porque o Executivo não mais vai poder estabelecer os vencimentos por lei específica dessas carreiras”. “Se houver aumento do Supremo Tribunal Federal, por lei federal, há o aumento do teto para 90,25% para os desembargadores e automaticamente há esse aumento para as demais carreiras”, disse Moraes.
Conforme ilustrou o ministro, o que a Constituição Federal faculta a cada um dos estados é a definição de um subteto único correspondente ao subsídio de Tribunal de Justiça. Por fim, Moraes mencionou que as carreiras de delegados de polícia, auditores fiscais ou governamentais são hierarquicamente subordinadas ao Executivo, e que a própria Constituição Federal também não permite a autonomia administrativa sem subordinação hierárquica da Polícia Civil aos governadores de Estado.
O caso concreto
A ADI 5.622 foi ajuizada em 2016 pela Procuradoria-Geral da República (PGR), questionando as normas do estado do Piauí que versam sobre autonomia administrativa e financeira da Polícia Civil. Entre outros pontos, as normas incluíam os delegados na carreira jurídica do Poder Executivo estadual, concedendo isonomia com as carreiras da magistratura e do Ministério Público.
Segundo a PGR, as normas estaduais desnaturaram a função policial, ao conferirem indevidamente à carreira de delegado de polícia isonomia em relação às carreiras jurídicas, como a magistratura judicial e a do Ministério Público, com o intuito de aumentar a autonomia da atividade policial.
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À época em que a ação foi ajuizada, Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, afirmou que foi criada uma “disfunção do ponto de vista administrativo, ao conferir atributos que lhe são estranhos e que se contrapõem à conformação da polícia criminal na Constituição da República e na legislação processual penal”.