A tributação da mobilidade elétrica na Lei Complementar 214/25

A energia elétrica é uma das formas mais relevantes de energia. Pode ser usada para permitir movimento de máquinas e objetos, e como meio da obtenção de um bem ou serviço a ser produzido e consumido. No caso da recarga de veículos elétricos, é preciso ter em mente a capacidade de geração e armazenagem de energia pelos próprios veículos, por meio das suas baterias.

Existem soluções comerciais que oferecem a locação de carregadores para a recarga de veículos da própria empresa onde é instalado o ponto de consumo de energia. Outras permitem o uso de carregadores em redes “abertas”, tais como estacionamentos, vias de acesso ou postos de combustíveis.

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Em qualquer modelo, a recarga depende do vínculo entre uma unidade consumidora e a fonte de energia elétrica. Os equipamentos têm interface com terceiro, seja o software que gerencia o carregador ou o aplicativo do dono do veículo elétrico, para aferir a quantidade de energia elétrica dispendida na recarga da bateria.

Independentemente de quem “forneça” a energia elétrica, no caso de recarga destinada à rede aberta (de acesso ao público), há relação entre o carregador (infraestrutura de recarga) e a plataforma (aplicativo) que gerenciará e indicará os locais mais apropriados ao usuário do veículo para recarrega da bateria do automóvel.

A função do ponto de recarga é recarregar a bateria, por meio da transferência de eletricidade, para que esta retome sua capacidade (elétrica) de gerar trabalho, movimento. Os veículos elétricos com motores de indução também são autogeradores da própria energia devido à composição química das baterias. Essas particularidades foram aferidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Para a agência, a recarga de veículos elétricos não está sob a ótica da regulação pelo fato de que dar “carga em baterias” não se caracteriza, tecnicamente, nova cadeia de venda ou revenda de energia elétrica. Na Nota Técnica 0063/2018-SRD Aneel os veículos elétricos foram considerados como “cargas móveis”, equiparados a computadores, celulares ou demais equipamentos que possam ser recarregáveis por fontes conectadas em tomadas.

A Aneel não só permitiu a descentralização do mercado desvinculando a recarga veicular dos agentes regulados (geradores, distribuidores e comercializadores de energia elétrica atuantes no mercado livre e cativo), mas também indicou a prática de preços livres (KW/h ou outra medida de preço), dissociadas das tarifas de energia, para a cobrança da atividade. Pela regulação, não há nova cadeia de circulação de energia elétrica entre uma unidade consumidora (ponto de recarga e eletroposto) e o equipamento móvel (veículo elétrico), ainda que as partes envolvidas nesta operação sejam diversas.

A nova sistemática tributária do IBS e da CBS, instituída pela LC 214/25 tende a resolver os desafios atualmente existentes, notadamente o conflito de tributação entre o ICMS e o ISS. Não importa para aplicação do novo modelo tributário, se são ou não transferidos elétrons de um fornecedor a um consumidor em modelo de venda ou revenda de energia.

Basta para a cobrança do IBS e da CBS que exista uma atividade oferecida de forma onerosa para terceiros com contexto comercial, independentemente de sua natureza jurídica (art. 4º da LC 214/25). O fornecedor, pessoa física ou jurídica, será aquele que realiza o fornecimento oneroso, ao passo que o adquirente será aquela pessoa, física ou jurídica, que efetua o pagamento pela contraprestação revestida de preço.

O local de disponibilização da energia para consumo (art. 11, §7º, I da LC 214/25) – onde tem-se a tributação de IBS, CBS da energia elétrica utilizada, neste caso é coincidente com o local onde ocorre a “geração de utilidade” para o conceito de “serviço” prestado fisicamente (art. 11, III) ou de forma remota (§1º, I, do mesmo art. 11), seja o adquirente contribuinte ou não do IBS e da CBS. O princípio do destino será o orientador geral da competência tributária da recarga veicular, que pode ser alterada de acordo com o modelo de negócios adotado pelo fornecedor.

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Há mais um elemento relevante no contexto da LC 214/25 para o qual a natureza jurídica da recarga tem reflexos práticos. Trata-se da sistemática que vem sendo conhecida como diferimento do recolhimento do IBS e da CBS para o momento do consumo, ou operação para não contribuinte. O que se chamou de “diferimento” é uma sistemática de arrecadação que define a responsabilidade tributária de forma a facilitar, sobremaneira, a tributação na área de energia.

De acordo com o artigo 28 da LC 214/25, o recolhimento do IBS e da CBS deve ocorrer: 1) pela distribuidora, quando há venda de energia no mercado cativo; 2) pelo vendedor de energia no ambiente livre, quando o adquirente é consumidor final ou não contribuinte; 3) pelo adquirente, no consumo de aquisição multilaterais no mercado de curto prazo; 4) pela transmissora, pelos serviços de transmissão a consumidores conectados diretamente à rede básica.

Na hipótese de a recarga de carros elétricos vir a ser considerada “venda de energia” para o usuário, a operação de venda para o contribuinte que oferece a recarga ainda não deveria gerar recolhimento de IBS e CBS. No entanto, se consideramos que na recarga não há venda de energia elétrica, mas esta é apenas insumo para a prestação complexa do serviço de recarga, então o diferimento se encerrará na aquisição de energia elétrica pelo operador da recarga, que assume a condição de consumidor final da energia.

Isso, obviamente, assumindo a premissa de que o usuário do veículo, e beneficiário da recarga, não está utilizando da energia que ele próprio tenha produzido como autoprodutor, hipótese em que o questionamento da natureza jurídica da atividade passa a ser dispensável.

Percebe-se que o encerramento do diferimento da própria cadeia de energia elétrica, para fins de tributação do IBS e da CBS, dependerá da natureza jurídica que se atribui à atividade de carregamento veicular por recarga elétrica. Pelo que foi visto acima, a Aneel não considera esse fornecimento como venda de energia.

Essa compreensão deveria ser adotada pelo fisco eis que enquadrar a “recarga veicular” como “operação onerosa” ou “serviço” não impacta o diferimento previsto para a cadeia de energia elétrica, pois o recolhimento do IBS e da CBS passam a ser exigidos quando da aquisição da energia pelo consumidor final – que oferece o serviço de recarga.

O custo da energia elétrica estará embutido no valor da operação (onerosa ou serviço), fazendo parte do preço da recarga. E caso o tomador do serviço seja um contribuinte do IBS e CBS, esse valor se tornará crédito, mas não pela aquisição de energia, mas sim pela contratação da operação onerosa/serviço de recarga. No caso de o tomador não ser contribuinte do IBS, CBS, como uma pessoa física, tem-se o custo de IBS e CBS regular, como elo final da cadeia de fornecimento.

É difícil pensar em um mercado funcionando de maneira eficiente sem uma tributação sobre o consumo fluida, como é o caso do IBS/CBS. Ao se considerar a dinâmica que envolve a expansão da mobilidade elétrica no Brasil, tem-se o desafio adicional e complexo de política fiscal, considerando a defesa do meio ambiente e o direito de mobilidade, a sustentabilidade do veículo, as fontes de energia e o tratamento e destinação final das baterias.

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A LC 214/25, seguindo o comando do art.225, §1º, VIII, da Constituição, já antecipava a necessidade de se estabelecer diferencial tributário que permita a competitividade dos biocombustíveis em comparação aos combustíveis fósseis, notadamente o etanol em contrapartida da gasolina, ou do diesel em relação ao biodiesel.

Entretanto, a LC 214/25 precisa ser regulamentada de forma clara sob o aspecto operacional a fim de permitir a concentração do pagamento do IBS/CBS pelo estabelecimento centralizador ou pelo domicílio principal do fornecedor (em um único CNPJ), sobretudo nas operações em que o uso de novas tecnologias e a pulverização são fatores essenciais para o exercício e expansão das atividades.

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