‘Ataques de Trump podem incentivar os BRICS a fazer mais juntos’, diz criador do termo BRIC

Criador em 2001 do acrônimo BRIC (o grupo, então, não incluía a África do Sul), o ex-economista chefe do Goldman Sachs Jim O’Neill, que sempre minimizou a relevância da associação como plataforma política, a vê ganhar importância graças às investidas diretas de Donald Trump.

Em entrevista ao JOTA, vai mais longe e brinca que, no fundo, o presidente americano deve ser um “admirador secreto” do BRICS. Ele já esperava a política de tarifas, mas reconhece que se surpreendeu com a escala em que está sendo usada para atacar vários países por não gostar de algo que tenham feito, como é o caso do Brasil. E diz que o presidente Lula está provavelmente certo de não querer ligar para o Republicano.

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Para O’Neill, é natural o aumento de negócios em moedas locais dentro do grupo. Ele afirma que, se a China e a Índia, dentro do BRICS, aproveitarem a oportunidade para fazer mais comércio com menos tarifas entre si, incentivarão outros países ocidentais e outras nações em desenvolvimento se concentrar mais em fazer mais comércio com eles e se interessar menos pelos EUA.

Destaca que a economia americana dá claros sinais de enfraquecimento, que os EUA perderam credibilidade e que Trump terá que reverter o curso de algumas de suas políticas, se quiser fazer sucessor. Para ele, os EUA precisam de capital estrangeiro, porque sua taxa de poupança interna está muito baixa.

Confira a íntegra da conversa com a analista de internacional do JOTA, Vivian Oswald.

Vivian Oswald: O mundo está agitado…

Jim O’Neill: Para dizer o mínimo.

Em 2024, o senhor mencionou que sempre há incógnitas conhecidas e incógnitas desconhecidas. Referia-se a riscos de inflação, pressão sobre os bancos centrais para reduzir as taxas de juros e até novas tarifas e outras barreiras ao comércio internacional. O senhor esperava algo próximo do que estamos vendo agora?

Sim e não. Quer dizer, eu não esperava que Trump recuasse das tarifas tão depressa. Pensei que os problemas de inflação permaneceriam, o que eu acho que persiste, e tenho certeza de que falaremos mais sobre isso. O que eu não esperava mesmo é a escala em que Trump agora está tentando usar tarifas para atacar vários países por não gostar de algo que tenham feito, e isso não tem nada a ver com a relação comercial com o Brasil, que é, obviamente, o maior exemplo.

É bastante peculiar.

É notável — até eu usar essa palavra. Mas há tantas coisas sobre este presidente dos EUA que são notáveis. Esta está entre elas. É um pouco louco, para dizer o mínimo.

A pressão dos EUA sobre Lula deve seguir até o fim do mandato. Trump estaria tentando interferir no processo eleitoral de 2026. Um ministro do STF foi sancionado com a Lei Magnitsky. Quais opções o Brasil tem para enfrentar esse novo cenário e quais são os riscos para a economia brasileira?

Acho vários caminhos que eu poderia desenvolver aqui, em seu sentido mais amplo, bastante intelectualmente intrigantes. Digo isso porque também está em linha com Trump dizendo com mais frequência coisas que ele não gosta sobre os países do BRICS coletivamente. Uma das coisas em que não consigo parar de pensar – na verdade, estou quase pensando em escrever um artigo meio de piada – é que Trump é um admirador secreto do BRICS, porque eu imagino que seus ataques simultâneos à Índia e ao Brasil, que afinal são as duas democracias do BRICS ou os grandes BRICS, só podem encorajar os países do BRICS a considerarem fazer mais juntos.

Não entendo por que Trump não percebe isso. Em primeiro lugar, não entendo por que falou sobre o BRICS como se fossem algum tipo de ameaça genuína. Parece meio louco. Com esse pensamento em mente e, principalmente, considerando o que parece ser a natureza do pensamento de Lula, não consigo imaginar que Lula se preocupe tanto, a menos que isso realmente prejudique a economia brasileira, porque Lula tem, creio eu, convicções filosóficas e políticas razoavelmente fortes que jamais serão bem aceitas por um Donald Trump. Mais importante ainda, o Brasil não é uma das economias mais abertas e não tem muito comércio com os EUA.



As exportações brasileiras correspondem a um quinto do PIB nacional. As vendas aos EUA são 12,5% deste total.

É relativamente menor em comparação com outros países. A Suíça, talvez o caso mais extremo, ao ser atingida por uma tarifa de quase 40%, exporta bastante. Seu maior mercado de exportação, depois da Alemanha, são os EUA. Pessoalmente, acho que é administrável, mas, obviamente, depende de tudo o mais que esteja acontecendo na economia brasileira. Não consigo imaginar que Lula consideraria querer responder a isso de uma forma que agradasse a Trump, porque não consigo imaginar como faria.

O governo anunciou um pacote de ajuda para setores específicos, enquanto evita falar em retaliação.

Isso parece bastante sensato e não me surpreende ouvir que essa seja a resposta inicial.

Nos últimos anos, o senhor disse que não gostava muito, para dizer o mínimo, dessa noção de BRICS político.

Correto. É por isso que é tão intrigante, e um pouco bizarro, porque não acho que, quando você analisa de perto, que tenha havido, até agora, quaisquer consequências economicamente importantes da aliança política. Sim, o banco de desenvolvimento, que provavelmente é o sucesso específico para destaque. Mas, mesmo para os padrões do próprio banco de desenvolvimento do Brasil ou o chinês, o que o banco de desenvolvimento do BRICS fez é bastante modesto até agora.

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E, claro, sim, vários países do BRICS veem seu comércio com outros países do BRICS crescendo mais, mas não acho que tenha algo a ver com a aliança política do BRICS. Claro que isso ocorre em parte porque é difícil para os países BRICS compartilharem tanto ou porque era muito difícil para eles pensarem em fazer tanto juntos, ao contrário de outros lugares. Acho que é particularmente difícil para a Índia. Com Trump atacando simultaneamente a Índia com tarifas bastante pesadas e quase os envergonhando…Quando Trump chegou ao poder, ele permitiu que os indianos tivessem a impressão de que seriam um dos primeiros na fila para fechar um bom acordo.

Sempre achei que os indianos, de certa forma, eram os mais céticos dos quatro países do BRIC e gostavam de fazer parte disso por relacionamentos históricos, mas não se esforçaram para promover políticas coletivas sérias. Na margem, isso só pode fazer os indianos pensarem mais seriamente sobre isso. E acrescento rapidamente que, se eu fosse o presidente Xi Jinping ou assessor da liderança chinesa, estaria dizendo agora que esta é a nossa chance de tentar nos aproximar de Nova Déli. E, claro, isso poderia resultar em algo que fosse realmente importante para todos os BRICS.

O presidente americano disse que estaria disposto a falar com o brasileiro por telefone. Mas sabemos que ligações como essas têm que ser preparadas, caso contrário, haveria um show como o que vimos com Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, ou com Cyrill Ramaphosa, da África do Sul. Lula deve ligar para Trump?

Neste caso específico, a natureza da frustração de Trump obviamente tem a ver com uma figura política muito específica. O que exatamente Lula pode fazer para deixá-lo feliz? Estou brincando, mas a menos que o Brasil vá dizer que exportará café para os EUA de graça, o que ele pode fazer para deixar Trump mais feliz? Acho que Trump é um admirador secreto dos BRICS. Os dois países que, sem dúvida, se posicionaram de forma mais agressiva, ou, sem qualquer preocupação com Trump, foram Rússia e China. E ele não fez nada. Apenas estendeu o prazo da China por mais 90 dias. E antes desta reunião na sexta-feira (com Vladimir Putin), parece que Trump está pensando em remover as sanções comerciais à Rússia. Acho que Lula provavelmente está certo em não querer ligar para Donald Trump. O que ele vai conseguir com esse telefonema, além de fazer Trump se sentir ainda mais o único cara que importa no mundo?

O que o senhor acha dessa discussão entre os BRICS sobre negociação com moedas locais?

Particularmente entre os grandes países, já seria difícil. Eu realmente não entendo como mesmo a ideia vaga disso ainda circula, porque é apenas fantasia. Mas acho, e isso está entre as coisas que acho que agora é relativamente mais fácil para fazerem se levarem adiante, é negociar mais usando suas próprias moedas. Cada um tem sua própria moeda e, portanto, não precisa criar nada. Basta negociar em casos individuais e, possivelmente, abrir suas mentes e alguns aspectos legais sobre como as moedas podem ser mantidas nesses países, respeitando as leis cambiais atuais. Mas isso seria uma das coisas relativamente mais simples para os países do BRICS fazerem. Então, acho que Trump está efetivamente dando a eles um incentivo maior para fazer isso.

Isso poderia, no fim das contas, ser ameaça ao dólar americano?

Se todo o resto permanecer igual, provavelmente não, mas é claro que todo o resto não é igual e isso está acontecendo ao mesmo tempo que as tarifas comerciais com o resto do mundo. Novamente, volto à questão de que acho que a Índia tão interessante aqui. Se a própria China e a Índia, dentro do BRICS, realmente usassem isso como uma oportunidade para tentar fazer mais comércio com menos tarifas entre si, isso também funcionaria, porque esses dois países são grandes e ainda estão crescendo bastante. Isso funcionaria como um incentivo para outros países ocidentais e outros países em desenvolvimento se concentrarem mais em fazer mais comércio com eles e se interessarem menos pelos EUA.

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Você tem que ver isso nesse contexto, juntamente com uma 3ª coisa: os riscos extraordinários e contínuos que o presidente dos EUA também está correndo com as instituições democráticas previamente bem estabelecidas nos EUA, seja a Suprema Corte ou o Federal Reserve Board. Imagino que todas essas coisas estejam, na margem, tornando os investidores conservadores convencionais um pouco mais cautelosos com o dólar do que antes. Se você observar as negociações do dólar hoje em relação às moedas ocidentais, ele está mais fraco do que o que eu costumava chamar de equilíbrio ciclicamente ajustado, porque os diferenciais das taxas de juros ainda são bastante amplos. Mas é tudo bastante lógico. Se você juntar tudo, sabe que essas coisas podem ter se acumulado.



Havia uma expectativa de que o declínio da economia dos EUA seria mais rápido em termos de inflação, mas isso ainda não aconteceu. Os mercados parecem ter se adaptado. E estão satisfeitos, não?

Acho que o que talvez tenha mantido os mercados calmos até agora foi a queda dos últimos números da inflação. Na verdade, o que tivemos foi menor do que o esperado. E agora os mercados estão precificando um corte de 25 pontos-base com quase 100% de confiança para o próximo mês. Provavelmente por isso os mercados ainda estão tão fortes. Mas o que acho interessante é que o núcleo da inflação subjacente realmente subiu, e assim vemos a persistência da inflação, apesar do fato de a economia real estar enfraquecendo. Então, não acho que os mercados estejam… digamos assim, se comportando de forma extremamente otimista.

Outra reação ao tarifaço são acordos bilaterais, como o acordo UE-Mercosul a ser assinado até o fim do ano.

Não é de surpreender que isso faça com que muitas outras partes do mundo comecem a pensar mais seriamente em acordos comerciais bilaterais com outras partes do mundo e em tentar reduzir o impacto tarifário do comércio entre esses países. É perfeitamente lógico. No fim das contas, enquanto os EUA representam 25% do PIB mundial, o resto do mundo representa 75% do PIB.

E a OMC?

Tudo o que você sabe é que Trump provou, se é que havia dúvida, que a OMC há muito tempo perdeu seu poder.

O que esperar para a economia global?

Deixe-me dizer quatro coisas. Temos um número muito grande, voltando ao início, de incógnitas conhecidas. Algumas com uma escala que, hoje, é muito difícil prever, como as consequências tarifárias, ou as da inflação. Há mais incógnitas por aí do que consigo lembrar. A segunda é que, felizmente, até agora, os mercados financeiros se recuperaram da volatilidade e fraqueza de abril. Mas estamos muito vulneráveis a pelo menos outro episódio do mesmo tipo. Estamos chegando aos notórios setembro e outubro, que historicamente têm sido períodos frequentes de extrema fraqueza para os mercados de ações dos EUA e do mundo.

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A terceira é mais construtiva. No acumulado dos dois meses do ano, ainda temos muitos mercados de ações superando os EUA. Isso certamente se relaciona com o caso da Europa, onde alguns analistas revisam para cima suas previsões de PIB, embora partindo de níveis baixos, e onde os formuladores de políticas estão estimulando mais suas próprias economias. A Alemanha é o melhor exemplo no mundo desenvolvido. E, como você me disse quando começamos a conversa, Lula anunciou medidas no Brasil. Talvez, se virmos mais países fazendo o mesmo, a economia mundial se adaptará melhor, a despeito do enfraquecimento dos EUA e de suas relações comerciais com outros países.

A última coisa a dizer é que, no fim das contas, Trump é atualmente um político. Se sua avaliação nas pesquisas piorar ainda mais à medida que nos aproximamos do final do ano, o Partido Republicano começará a ficar muito preocupado. Algumas pessoas acham que um substituto para Trump terá de ser como Trump, mas estou muito cético quanto à capacidade dos republicanos de vencer depois de Trump, a menos que Trump reverta o curso de algumas dessas políticas.

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