Conep um ano após a vigência da Lei 14.874: o que a carta aberta revela?

Às vésperas de completar um ano de vigência, no próximo dia 28 de agosto, a Lei 14.874/2024 foi objeto de carta aberta da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), datada do último dia 28 de julho e dirigida aos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs).

No documento, a Conep questionou a proposta de regulamentação da Instância Nacional de Ética em Pesquisa (INAEP) e a pretensa configuração da governança do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Em vez de contribuir com fundamentos técnicos e institucionais para a regulamentação e a implementação da lei, a carta adota uma narrativa ideologizada, que pode fragilizar a segurança jurídica.

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Segundo a Conep, o teor do decreto em elaboração com o amparo do Ministério da Saúde pretende não apenas retirar sua função de coordenação do sistema ético, mas excluí-la por completo da composição da INAEP. Tal medida, segundo a Conep, comprometeria a proteção dos participantes de pesquisa e colocaria os CEPs sob controle de um grupo indicado exclusivamente pelo Poder Executivo, supostamente em benefício da indústria farmacêutica.

A crítica, no entanto, desconsidera que a Lei 14.874/2024 está em vigor desde 28 de agosto de 2024. O artigo 2º, inciso XXVI define a INAEP como colegiado interdisciplinar e independente, integrante do Ministério da Saúde, sob coordenação da área técnica competente em ciência e tecnologia, com atribuições normativas, consultivas, deliberativas e educativas.

Compete à INAEP proceder à regulação, fiscalização e controle ético da pesquisa, com vistas à proteção da integridade e dignidade dos participantes, bem como ao fortalecimento da pesquisa científica em padrões éticos. Tal atribuição que não foi objeto de veto presidencial. O novo modelo rompe com a lógica anterior de dupla instância na tramitação da análise ética, ao designar o CEP como instância competente para essa avaliação (art. 6º).

Ressalte-se que, nos termos do artigo 102 da Constituição Federal, compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade de leis e atos normativos federais ou estaduais. A Conep, portanto, não possui legitimidade nem competência constitucional para interpretar a constitucionalidade da Lei 14.874/2024.

Embora a lei traga avanços significativos, sua plena eficácia depende de regulamentação — especialmente quanto à instituição formal da INAEP e o novo rito de análise ética. Essa lacuna, contudo, não justifica a resistência promovida pela Conep, tampouco legitima a manutenção indefinida de um sistema ad hoc sob o pretexto de defesa dos participantes da pesquisa. O que se espera é uma transição normativa tecnicamente fundamentada, colaborativa e harmônica, voltada à publicação do decreto previsto no artigo 5º e à adequação dos CEPs à nova estrutura.

A carta da Conep, em vez de oferecer diretrizes técnicas compatíveis com esse momento de transição, acaba por gerar confusão entre os CEPs que ainda têm rejeitado a análise ética de protocolos clínicos com fundamento na lei, e não na Resolução CNS 466/2012.

Ao optar por alimentar incertezas, reforçar posicionamentos ideológicos e preservar uma lógica patrimonialista do sistema ético nacional, a Conep se distancia de seu papel institucional.

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Tal postura representa não apenas um retrocesso político-institucional, com impactos sobre a ciência, a inovação e a efetiva proteção dos participantes da pesquisa, que ficam ser o devido esclarecimento sobre as novas regras vigentes, por exemplo, critérios para a interrupção do programa de fornecimento da medicação experimental pós-ensaio clínico – mediante submissão de justificativa ao CEP, para apreciação (art. 33).

É imprescindível reconhecer a Lei 14.874/2024 como o marco jurídico atualmente vigente para a pesquisa com seres humanos no Brasil. Por mais legalidade e pragmatismo e menos paixões na pesquisa com seres humanos.

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