O Tribunal de Contas da União (TCU) deve julgar até setembro a proposta de edital do leilão do Tecon Santos 10, no porto de Santos (SP) — o maior arrendamento da história do setor portuário brasileiro. Devido à dimensão e importância do negócio, o julgamento gera grande expectativa, tanto nos concorrentes que disputarão o controle da nova estrutura, quanto das empresas que dependem de mais capacidade de escoamento nesse e em outros portos. A questão é que ainda há uma disputa em torno do formato de concorrência do leilão.
O investimento esperado no novo terminal deverá chegar a R$ 6,45 bilhões ao longo dos 25 anos de concessão. Esse tempo pode ser estendido até 70 anos, com renovações futuras ao vencedor do certame. Quando plenamente instalado, sua capacidade alcançará 3,25 milhões de TEUs (medida de contêiner) ao ano, além de 91 mil toneladas ao ano de carga geral. Esses números representam um incremento de 50% na capacidade de movimentação do porto.
Diante disso, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trata o leilão do novo megaterminal como prioridade e promete que ele ocorrerá ainda este ano, até dezembro. Por conta disso, o ano de 2025 foi repleto de reviravoltas.
Entenda, nesta reportagem, como se chegou até aqui e os principais fatos que podem determinar o formato do leilão.
Concorrência na audiência pública
Fala-se na possibilidade de um novo terminal em Santos (SP), na região do Saboó, desde pelo menos 2013. De lá para cá, existiram diferentes propostas para o empreendimento. A mais significativa se deu em 2022, quando o então STS-10 quase foi a leilão, sob o governo Jair Bolsonaro.
No último ano do governo Bolsonaro, o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, anunciou que o leilão do STS-10 iria integrar uma possível concessão do porto de Santos. Sem uma reeleição, todos os projetos envolvendo o porto e o novo terminal entraram em estado de suspensão.
Em outubro de 2024, quando a atual gestão do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) emitiu diretrizes para o STS-10 — mudando o nome para Tecon Santos 10 e determinando novos estudos à Infra S/A. Veio uma nova audiência pública, realizada entre fevereiro e março deste ano.
A questão concorrencial sempre foi o principal tema de discussão, desde a nova audiência pública até hoje. Isso porque há uma preocupação sobre a posição de mercado que o vencedor do leilão assumiria em Santos.
Por ser um megaterminal que vai aumentar em aproximadamente 50% a capacidade de movimentação de contêineres do porto, o vencedor do certame poderia exercer uma posição dominante, caso já possuísse outros terminais em Santos. No entanto, a minuta de edital apresentada na audiência pública não continha restrições de participação de nenhuma empresa.
Isso mudou quando a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) emitiu uma decisão alterando essa fórmula.
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Leilão em duas fases
A Deliberação DG-38/2025 da Antaq, publicada no final de maio, propôs um leilão em duas fases. Na primeira, estariam proibidas de participar as empresas que já controlassem terminais em Santos.
Quem está nessa condição é a CMA-CGM, responsável por 42% da movimentação total do porto (2,3 milhões de TEUs), seguida da BTP/Maersk-MSC (34% do manejo de cargas ou 1,8 milhões de TEUs) e DP World (24% ou 1,2 milhões de TEUs), segundo dados do estatístico aquaviário da Antaq relativos à 2024.
Se não existir nenhuma proposta válida na primeira fase, então viria um segundo estágio, na qual qualquer empresa, incluíndo as atuais incumbentes, poderiam participar. Contudo, se uma delas vencesse o leilão, teria que abrir mão do ativo que já estava controlando, para evitar a concentração de mercado. A proposta foi aprovada em consenso no plenário da Antaq.
Agora, essa é a versão do edital que está com o TCU, aguardando a deliberação da corte, que deve definir se a limitação da Antaq a novos players é válida. O caminho mais provável é que o MPor siga a definição do tribunal.
Reações à decisão da Antaq
A polêmica decisão gerou reações imediatas. Um dia após o processo chegar ao TCU, o Ministério Público de Contas (MPTCU) pediu a suspensão do leilão do megaterminal, por medida cautelar. O órgão pediu ao tribunal a averiguação de “possíveis irregularidades na condução do procedimento licitatório”. O pedido foi indeferido pelo ministro relator, Antonio Anastasia.
Poucos dias depois da decisão de Anastasia, o governo de São Paulo também expressou discordância com a restrição. Em um ofício, afirmou que “não se revela pertinente a criação de regras restritivas que esvaziam a ampla competição e impedem a participação de agentes econômicos tecnicamente qualificados na disputa”.
A Maersk — uma das empresas detentoras de terminais em Santos — resolveu entrar na justiça, em julho, questionando a restrição. A empresa pedia liminarmente a suspensão dos efeitos das decisões da Antaq sobre o processo licitatório. O pedido também foi negado. O juiz entendeu que, enquanto o caso ainda está esperando o aval do TCU, não há necessidade de paralisar o processo.
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Um novo formato?
O TCU realizou no final de julho um painel de referência — uma espécie de audiência pública — com o setor interessado na licitação do megaterminal. A maioria dos que usaram a palavra se manifestaram de forma contrária ao leilão em duas etapas.
“Eu pediria que, se alguém aqui acreditar na possibilidade de uma segunda etapa concebida dessa forma, que me explicasse as razões, pois a probabilidade de uma etapa um vazia é tão factível quanto a de um trem andar de lado”, disse no evento o diretor executivo do Centronave (Centro de Navegação Transatlântico), Claudio Loureiro de Souza. “Vai haver vencedor na primeira etapa. É uma forma disfarçada de proibir a participação dos atuais incumbentes”, avaliou.
Ao longo do evento, foi ganhando força uma ideia apresentada nos estudos técnicos da agência e resgatada pelos participantes — a de um leilão com fase única, aberto a todos os interessados, mas mantida a obrigação de desinvestimento, caso a empresa vencedora fosse uma das três com terminais em Santos.
O entendimento é que essa proposta modificada contemplaria a preocupação do governo em evitar a concentração excessiva do mercado de contêineres em Santos nas mãos de uma única empresa, ao mesmo tempo que permitiria uma concorrência ampla. Consequentemente, poderia haver maior outorga do que com a fórmula definida pela Antaq na Deliberação 38/2025.
Contudo, na nota técnica que baseou a decisão da Antaq, o órgão pondera que a estratégia poderia de desinvestimento pode não aumentar o número de agentes no porto nem promover um novo entrante. Isso ocorre, por exemplo, quando o controle do terminal é consolidado por um sócio já existente (que não conquistou o novo terminal e, portanto, não precisaria se desfazer do ativo) ou se o empreendimento for transferido para outro agente estabelecido por meios legais e regulatórios permitidos.
Além disso, se por um lado, poderia gerar ganhos de expertise, por outro, abriria a possibilidade de que informações sensíveis (como estrutura de custos, margens de lucro, segredos industriais e outros dados estratégicos) sejam transferidas de um terminal para outro.
Essa alternativa pode ser incorporada pelo TCU, mas o desfecho ainda está em aberto. Relator do caso, o ministro Antonio Anastasia mencionou, no embasamento de seu despacho indeferindo a medida cautelar do MPTCU, que o tribunal já opinou favoravelmente, no passado, a outros certames que propuseram restrições à concorrência.
“Sem qualquer prejulgamento do caso concreto ainda a ser escrutinado, cabe recordar que a imposição de barreiras à participação de players incumbentes ou a vedação à concentração de mercado no setor portuário tampouco seriam matérias inéditas a serem apreciadas pelo TCU”, argumentou.
Anastasia citou “situações semelhantes” nas quais o TCU já admitira a validade de cláusulas restritivas no edital ou condicionantes à participação de determinados operadores.
Do lado do governo, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, defendeu a decisão da Antaq, mas tem evitado falar antes do posicionamento definitivo da corte de contas. Sobre o tema, a Antaq informou que sua meta é atuar em nome de um mercado mais transparente e equilibrado, abrindo espaço para players que atualmente não estão inseridos nas operações do porto.
Empresas de diversos países já demonstraram interesse em participar do leilão. Além das brasileiras CPN e JBS, há empresas com origem na Alemanha (Hapag-Lloyd), China (CCCC, CN Ports, Cosco e TCP), Coréia do Sul (HMM), Estados Unidos (Hudson Ports), Filipinas (ICTSI), Japão (ONE e UAM) e Singapura (PSA).
Próximos passos
Com a decisão do TCU, o processo retorna ao poder concedente e, ao ser publicado, começará a “fase externa” da licitação propriamente dita. Com as regras definidas, os interessados poderão se inscrever e disputar o ativo. A expectativa do governo é realizar o leilão em dezembro e fazer a assinatura do arrendamento na metade de 2026.