O fim do improviso na ocupação prisional

O sistema prisional brasileiro vive uma crise crônica e uma situação inconstitucional, sendo que a superlotação foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal a possível origem de todos os males. Evidências apontam que o problema não irá se resolver com as medidas usuais: dados recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que o déficit de vagas subiu 10,6% em 2024, a despeito de esforços contínuos para ampliar a capacidade de custódia do Estado.

De forma complementar, dados do Sistema Nacional de Informações Penais do Executivo Federal mostram que, com 53 mil novas vagas registradas entre 2019 e 2024, a ocupação segue 30% acima da capacidade, com déficit de mais de 175 mil vagas para uma população de mais de 670 mil pessoas encarceradas.

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A criação de unidades prisionais e ampliação do número de vagas é importante, e equipamentos modernos e de qualidade cumprem suas finalidades. No entanto, esse investimento não pode ser a única opção, pois a estratégia vem se mostrando onerosa para os cofres públicos sem resolver o problema.

A superlotação compromete a eficiência de um serviço essencial para devolver segurança para a população. Penas mal ou insuficientemente cumpridas, desumanamente executadas, não resultam em avanços no controle da criminalidade e não passam o sentimento de que o Estado tem real tutela sobre as penas e as prisões.

A manutenção de pessoas presas em quantidade que excede exponencialmente o espaço disponível faz o Brasil acumular condenações em tribunais internacionais por violações aos direitos humanos. Além disso, reforça a violência dentro e fora das prisões, prejudica possibilidades de reintegração e ajuda a tornar as prisões lugares insalubres, inclusive para os que ali trabalham. O problema não é de um só Poder, tampouco só da União — Executivo, Legislativo, Judiciário, estados e Distrito Federal têm responsabilidade conjunta.

No contexto do Pena Justa, plano coordenado pelo Executivo e pelo Judiciário para retomada de controle das prisões pelo Estado, está a disseminação das centrais de regulação de vagas. O método reverte a lógica vigente – que oferece soluções simplistas para desafios complexos e multifacetados – rompendo com os improvisos e o amadorismo funcional. A ideia é simples: garantir que apenas uma pessoa ocupe cada vaga, como já ocorre em áreas como saúde e educação. Parece óbvio, mas não é o que acontece hoje, com fluxos de entrada e saída sem qualquer controle.

A primeira experiência com a central de regulação de vagas começou no segundo semestre de 2022, no Maranhão. Desde 2019, o estado registrava aumento do número de vagas na mesma proporção em que subia o número de pessoas encarceradas, comprovando a insuficiência dessa medida isolada. Com o início da operação da central de regulação de vagas a partir de diagnóstico da situação local, houve uma estabilização desses números, e o principal: sem qualquer impacto na segurança pública.

Dados da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão a partir de ocorrências registradas entre janeiro de 2022 e junho de 2025 mostram que, após a implantação da metodologia, diversos meses registraram ocorrências abaixo da média do período, mantendo esse patamar desde novembro de 2024. Atualmente a central de regulação de vagas está em expansão para 12 unidades da federação, com previsão de cobertura nacional até 2027.

A metodologia tem potencial para resultados, mas não é mágica: exige transparência, diálogo interinstitucional, dados confiáveis, gestão eficiente e vontade política. O momento exige responsabilidade compartilhada e compromisso institucional.

Mais do que construir presídios, é preciso reconstruir a lógica do encarceramento de forma coerente e racional. A central de regulação de vagas viabiliza essa escolha de forma inteligente, eficaz e economicamente viável, com um Estado mais forte e a segurança pública compreendida em sentido integral. O Brasil não pode mais esperar.

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