O cenário regulatório brasileiro vivenciou transformações importantes no primeiro semestre de 2025, período em que o Banco Central intensificou seus esforços de modernização normativa e adaptação às inovações do Sistema Financeiro Nacional (SFN), do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e do mercado de criptoeconomia.
Este movimento regulatório não representa uma ação isolada, mas a materialização da agenda regulatória 2025-2026 apresentada pelo BC em abril de 2025[1], que elencou como prioridades, por exemplo, a evolução do Open Finance, a regulação de ativos virtuais, o monitoramento do uso de inteligência artificial e a expansão das funcionalidades do Pix.
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Pix: expansão e aperfeiçoamento do ecossistema
No arranjo de pagamentos Pix, foi relevante a implementação do Pix Automático, em 16 de junho. Esta funcionalidade permite que usuários autorizem, uma única vez, o pagamento automático de contas recorrentes como energia elétrica, telefone, mensalidades escolares, academias, condomínios, assinaturas digitais e seguros, eliminando a necessidade de realizar novos pagamentos a cada cobrança.
Algumas das atualizações normativas do primeiro semestre concentraram-se na Instrução Normativa BCB 632[2] e na Instrução Normativa BCB 633[3], que divulgaram, respectivamente, as versões 1.6 do Manual de Uso da Marca e 3.7 do Manual de Segurança do Pix.
A atualização do Manual de Uso da Marca, publicada em 5 de junho, introduziu elementos visuais referentes a funcionalidades do ecossistema Pix. A principal alteração concentrou-se na inclusão de novos verbetes no glossário[4], especificamente “Pix Automático”, “Pix Cobrança”, “Pix por aproximação”, “Pix Saque” e “Pix Troco”, além da padronização da grafia “Pix Agendado”.
O contexto regulatório dessas atualizações deve ser compreendido à luz das discussões realizadas durante a 24ª Reunião Plenária do Fórum Pix, realizada em março. Neste evento, o BC apresentou o roadmap de evolução do Pix, destacando três grandes inovações: (i) o Pix Parcelado, (ii) o Pix em Garantia e (iii) o aperfeiçoamento do Mecanismo Especial de Devolução (MED).
O Pix Parcelado, com disponibilização prevista para setembro próximo, permitirá que o usuário pagador parcele uma transação Pix através da tomada de crédito, enquanto o recebedor terá acesso ao valor integral instantaneamente. O Pix em Garantia, com implementação prevista para 2026 devido à maior complexidade de sua infraestrutura, permitirá que recebíveis futuros de Pix sejam utilizados como garantia em operações de crédito[5].
A atualização do Manual de Segurança para a versão 3.7 refletiu os aprimoramentos implementados no MED, que ganhou uma nova versão – o MED 2.0 – com disponibilização prevista para outubro. O MED 2.0 introduziu o conceito de autoatendimento para contestação de transações Pix, permitindo que usuários vítimas de fraudes, golpes e crimes solicitem a devolução de recursos de forma digital, diretamente através dos aplicativos das instituições reguladas, sem necessidade de interação com atendimento humano.
Ativos virtuais: Edital de Consulta Púbica 122
A Consulta Pública 122, publicada em 25 de junho, representa o primeiro movimento estruturado do Banco Central para estabelecer critérios contábeis específicos para o reconhecimento, mensuração, baixa e evidenciação de ativos virtuais e tokens de utilidade (utility tokens) por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC[6].
A proposta de regulação distingue três situações principais: ativos adquiridos ou recebidos, ativos emitidos e ativos custodiados[7].
Para ativos virtuais adquiridos ou recebidos, propõe-se critérios de reconhecimento inicial baseados na forma de aquisição[8]. Ativos adquiridos devem ser reconhecidos pelo valor efetivamente pago, enquanto ativos recebidos em pagamento de prestação de serviços – como no caso de staking e mineração – devem ser reconhecidos pelo valor justo, observada a data do cumprimento da obrigação de performance. Para ativos recebidos gratuitamente, exemplificados pelos airdrops, o reconhecimento deve ocorrer pelo valor justo na data do recebimento.
A mensuração subsequente dos ativos virtuais adquiridos ou recebidos segue o princípio do valor justo, com reavaliação mínima mensal e reconhecimento das variações diretamente no resultado do período
O prazo estabelecido para contribuições à consulta pública, 24 de agosto[9], reflete a urgência regulatória em estabelecer critérios claros para um mercado em rápida expansão.
Sociedades de crédito, financiamento e investimento: modernização do SFN
A publicação da Resolução CMN 5.237, em 24 de julho[10], representa marco na modernização do SFN, consolidando e atualizando o framework regulatório das sociedades de crédito, financiamento e investimento (SCFIs) – popularmente conhecidas como “financeiras” – após quase seis décadas de normas esparsas.
É possível afirmar, sem dúvidas, que a nova Resolução das SCFIs se ancora, por exemplo, na dimensão “competitividade” da Agenda Institucional BC#[11].
A inclusão das atividades de (i) emissão de moeda eletrônica, (ii) emissão de instrumento de pagamento pós-pago, (iii) credenciamento e (iv) iniciação de transação de pagamento, no rol de operações das SCFIs, representa adaptação à evolução do SPB. Esta permissão regulatória alinha as financeiras com as tendências de digitalização dos meios de pagamento, permitindo que essas instituições participem ativamente do ecossistema de pagamentos eletrônicos[12].
A autorização para operar no mercado de câmbio também amplia significativamente o escopo de atuação das financeiras, permitindo que essas instituições ofereçam serviços cambiais aos seus clientes[13]. Esta permissão é especialmente relevante no contexto de crescente internacionalização das empresas brasileiras e da demanda por serviços cambiais mais acessíveis e competitivos, em uma interessante intersecção com o mercado de ativos virtuais, notadamente via stablecoins.
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No âmbito das fontes de recursos, o ampliaram-se as possibilidades de captação das financeiras. A inclusão dos certificados de operações estruturadas (COEs) representa uma significativa expansão das opções de funding disponíveis, permitindo que as financeiras emitam instrumentos de captação mais sofisticados e potencialmente mais atrativos para investidores qualificados[14].
Segurança cibernética e prevenção a fraudes: fortalecimento dos controles
A Instrução Normativa BCB 590[15], publicada em contexto de crescente preocupação com fraudes no sistema financeiro, estabeleceu diretrizes para o compartilhamento de dados sobre tentativas e ocorrências fraudulentas entre instituições financeiras através do Sistema Unicad (Sistema Único de Cadastro de Clientes).
O Sistema Unicad, operado pelo BC, funciona como uma central de informações que permite às instituições reguladas consultar e reportar dados sobre clientes e operações suspeitas, criando uma rede de inteligência coletiva para prevenção de fraudes[16].
Paralelamente, o Banco Central intensificou os trabalhos para alterações relacionadas a prevenção a fraudes, conforme estabelecido na agenda regulatória 2025-2026. Conforme indicado pelo BC, a agenda é composta por “estudos para regulamentar a Política de Prevenção a Fraudes, para aprimorar os procedimentos e controles de fraudes das instituições, a exemplo de critérios para abertura e movimentação de contas”[17].
Arranjos de pagamento e registradoras: aperfeiçoamento da autorregulação
O aperfeiçoamento do regramento de arranjos de pagamento e registradoras de recebíveis foi materializado principalmente via Resolução BCB 456[18], que introduziu importantes melhorias nos processos de autorregulação setorial. Esta norma fortaleceu o papel dos manuais técnicos operacionais como instrumentos de autorregulação, conferindo maior autonomia às entidades do setor na definição de procedimentos operacionais específicos.
A harmonização de procedimentos entre registradoras de recebíveis de cartão e registradoras de recebíveis imobiliários representa avanço significativo na eficiência operacional do mercado de recebíveis. Esta harmonização reduz custos operacionais para as instituições que atuam em ambos os segmentos e facilita a compreensão dos procedimentos pelos participantes do mercado.
Brasil como benchmarking regulatório
O impacto das medidas implementadas no primeiro semestre de 2025 transcende o âmbito nacional, possibilitando ao Brasil, cada vez mais, solidificar-se como referência internacional em regulação inovadora e responsável. A capacidade de equilibrar inovação, competitividade e estabilidade constitui um modelo que pode inspirar outros países na construção de sistemas financeiros mais inclusivos e eficientes.
[1] Banco Central do Brasil. BC elenca prioridades regulatórias para 2025/2026. Publicado em 28/04/2025. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/20645/noticia
[2] Instrução Normativa BCB nº 632, de 5 de junho de 2025. Divulga a versão 1.6 do Manual de Uso da Marca, que compõe o Regulamento do Pix. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%20BCB&numero=632. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[3] Instrução Normativa BCB nº 633, de 5 de junho de 2025. Divulga a versão 3.7 do Manual de Segurança do Pix, que compõe o Regulamento do Pix. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%20BCB&numero=633. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[4] Conforme glossário constante da página 40 do Manual de Marcas do Pix. Disponível: https://www.bcb.gov.br/content/estabilidadefinanceira/pix/Regulamento_Pix/I_manual_uso_marca_pix.pdf. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[5] Banco Central do Brasil. Conheça novas funcionalidades do Pix e outros aperfeiçoamentos no meio de pagamento. Publicado em 03/04/2025. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/20602/noticia. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[6] Edital de Consulta Pública nº 122/2025. Critérios contábeis para ativos virtuais. Publicada em 25/06/2025. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/edital-de-consulta-publica-n-122-2025-. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[7] Conforme os parágrafos 3º a 9º do Edital de Consulta Pública nº 122/2025. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/edital-de-consulta-publica-n-122-2025-. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[8] Conforme o parágrafo 3º do Edital de Consulta Pública nº 122/2025. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/edital-de-consulta-publica-n-122-2025-. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[9] Conforme o parágrafo 11 do Edital de Consulta Pública nº 122/2025. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/edital-de-consulta-publica-n-122-2025-. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[10] Resolução CMN nº 5.237, de 24 de julho de 2025. Dispõe sobre a constituição, a organização e o funcionamento das sociedades de crédito, financiamento e investimento. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=5237. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[11] Disponível em: https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/bcmais_competitividade. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[12] Conforme o artigo 6º da, incisos V, VI, VII, e VIII, da Resolução CMN nº 5.237, de 24 de julho de 2025. Dispõe sobre a constituição, a organização e o funcionamento das sociedades de crédito, financiamento e investimento. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=5237. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[13] Conforme o artigo 6º da, inciso IX, da Resolução CMN nº 5.237, de 24 de julho de 2025. Dispõe sobre a constituição, a organização e o funcionamento das sociedades de crédito, financiamento e investimento. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=5237. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[14] Conforme o artigo 8º da, inciso I, alínea “j”, da Resolução CMN nº 5.237, de 24 de julho de 2025. Dispõe sobre a constituição, a organização e o funcionamento das sociedades de crédito, financiamento e investimento. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=5237. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[15] Instrução Normativo BCB nº 590, de 5 de fevereiro de 2025. Altera a Instrução Normativa BCB nº 330, de 24 de novembro de 2022, que consolida os procedimentos para o registro de informações cadastrais no Sistema de Informações sobre Entidades de Interesse do Banco Central (Unicad) de que trata a Resolução BCB nº 209, de 22 de março de 2022, dispondo sobre procedimentos para o registro de empresa contratada de que trata o art. 5º da Resolução Conjunta nº 6, de 23 de maio de 2023. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%20BCB&numero=590. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[16] Conforme o BCB, “Unicad – Informações sobre Entidades de Interesse do Banco Central – é um sistema de cadastro do Banco Central do Brasil cujo objetivo é integrar as diversas bases de informações cadastrais existentes no BCB em um sistema único, completo, abrangente e seguro. Substitui o Cadinf (Cadastro de Instituições Financeiras), o Capef (Cadastro de Pessoas Físicas e Jurídicas – administradores e acionistas das entidades supervisionadas pelo Banco Central) e outros sistemas cadastrais do BCB. O seu desenvolvimento é gerenciado pelo Desig (Departamento de Monitoramento do Sistema Financeiro), que conta com a parceria do Deinf (Departamento de Tecnologia da Informação) e com a colaboração de outros departamentos do BCB – usuários de sistemas de informações cadastrais”. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/unicadentidadesinteressebanco. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[17] Conforme agenda regulatória BCB 2025-2026. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/regulacao?modalAberto=regulacao_. Acesso em 04 de agosto de 2025.
[18] Resolução BCB nº 456, de 25 de fevereiro de 2025. Altera a Resolução BCB nº 264, de 25 de novembro de 2022, a Resolução BCB nº 308, de 28 de março de 2023, e a Resolução BCB nº 339, de 24 de agosto de 2023, para prever a não sujeição à aprovação, pelo Banco Central do Brasil, do conteúdo dos manuais técnicos operacionais das respectivas convenções e para incluir, na Resolução BCB nº 308, de 28 de março de 2023, a obrigatoriedade de as convenentes submeterem os manuais técnicos operacionais à certificação por empresa de auditoria independente. . Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=456. Acesso em 04 de agosto de 2025.