A eficiência da Administração Pública está diretamente relacionada à forma como seleciona seus quadros. Em artigo anterior, argumentamos que o dever de aplicação de provas — inclusive nos processos seletivos simplificados (PSS) — decorre de um imperativo constitucional de impessoalidade e de aferição objetiva de mérito.
O recente debate em torno da reforma administrativa reacende discussões relevantes sobre o aprimoramento dos instrumentos de seleção pública, com destaque para a proposta de criação de uma base nacional de dados de aprovados, voltada ao uso por estados e municípios.
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O coordenador do Grupo de Trabalho (GT) da reforma na Câmara indicou que será sugerida a criação de um cadastro nacional de aprovados em seleções públicas, inclusive concursos, para uso compartilhado entre os entes. A ideia remete ao modelo do Contrata+Brasil, plataforma nacional de divulgação de dados sobre contratações públicas.
O uso de uma estrutura desse tipo pode oferecer ganhos em transparência e planejamento da força de trabalho. Essa proposta também consta do PL 3086/2025, recentemente protocolado no Senado, que trata da contratação de agentes públicos especiais.
De fato, em várias administrações locais, o número de servidores temporários já supera 50% dos quadros em determinados cargos. Alguns Tribunais de Contas mapeiam essa realidade, mas de forma local. Ter uma base nacional que propague esses quantitativos e permita comparativos federativos seria um avanço importante.
Outro ponto positivo do PL citado e que deve ser incorporado à reforma, é a previsão de garantias mínimas de direitos sociais — como 13º salário e férias — para os contratados temporários. A jurisprudência do STF tem entendido que esses direitos só se aplicam quando previstos em lei local. A ausência dessas garantias favorece a precarização e o uso do vínculo temporário como mão de obra mais barata, em detrimento do provimento por servidor efetivo.
Por outro lado, caso a proposta venha a admitir o aproveitamento nacional de aprovados sem exigência de etapa complementar pelo ente federado, há riscos concretos à aferição do mérito. Nos PSS, a aplicação de prova objetiva deve ser regra, dispensada apenas em situações excepcionais em que o meio ordinário de preenchimento de cargo público não se justifica.
Nos concursos públicos, o risco é ainda maior. O aproveitamento de listas nacionais sem etapas complementares que reflitam as especificidades do cargo pode desconfigurar a essência do concurso como seleção por mérito. O ente que possui uma Gestão de Pessoas profissionalizada e realizou o mapeamento de competências segundo os objetivos institucionais precisa de fases próprias, aderentes à sua realidade.
A Lei 14.965/2024, que estabelece normas gerais para concursos públicos, reforça essa necessidade ao exigir a gestão por competências como eixo estruturante dos processos seletivos, o que demanda participação ativa do ente na definição de etapas compatíveis com seu contexto institucional.
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Doutrina e jurisprudência são firmes ao associar o concurso público ao princípio do mérito, compreendido como seleção impessoal, de provas ou provas e títulos, e voltada à melhor adequação entre candidato, cargo e missão institucional. Soluções genéricas contrariam esse fundamento constitucional.
A preocupação se intensifica diante da tendência de ampliação dos vínculos temporários. O PL 3086, por exemplo, que aparentemente foi bem recebido pelo GT, admite contratações para situações genéricas como na hipótese “o meio ordinário de preenchimento de cargo público não se justifica” (art. 2º, II). Essa ampliação normativa, se incorporada, pode significar a substituição estrutural dos efetivos, com inconstitucionalidades potenciais.
É legítimo buscar alternativas que tornem o processo seletivo menos oneroso para os entes subnacionais, mas é preciso assegurar que o mérito, a gestão por competências e os fundamentos do concurso público permaneçam como pilares do sistema de seleção do Estado brasileiro.