A Administração Pública brasileira busca a satisfação do interesse público através de contratações eficazes e sustentáveis. Isso exige que os gestores incorporem o controle de constitucionalidade em suas decisões, indo além da mera legalidade.
Nesse cenário, a governança surge como ferramenta essencial, alinhando gestores e estratégias e distribuindo responsabilidades. Contudo, surge a questão: como gerenciar custos, tanto humanos quanto monetários, ao promover a sustentabilidade nas contratações públicas, que muitas vezes implicam em um custo monetário inicial maior?
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Para isso, o gestor público precisa ir além da interpretação literal da lei. É fundamental interpretar o ordenamento jurídico em sua totalidade, extraindo a essência e os objetivos das normas para desempenhar suas funções de forma mais ampla e eficaz, considerando as modificações legislativas para impulsionar a sustentabilidade.
Permissiva legal para exigir critérios de sustentabilidade nas contratações públicas
A promulgação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC), Lei 14.133/2021[1], marcou uma ruptura legislativa no Brasil após vinte e oito anos no Brasil, alinhando as contratações públicas às demandas sociais e modernizando a gestão.
A NLLC trouxe inovações significativas, reforçando o papel da liderança dos gestores na condução responsável das finanças públicas. O objetivo é a eficácia, ou seja, garantir que a empresa selecionada não apenas cumpra as normas, mas, principalmente, supra a demanda pública existente com a melhor proposta.
Um dos pilares da NLLC é a sustentabilidade. A lei incentiva a oferta de produtos e serviços ambientalmente responsáveis, permitindo que os gestores incorporem a economicidade em suas contratações. Isso impulsiona o mercado a inovar, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A longo prazo, a sustentabilidade se traduz em vantagem econômica, com a adoção de tecnologias eficientes e a redução de custos operacionais e impactos ambientais.
Nesse sentido, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB[2]), por meio da Lei 13.655/2018, já tinha incorporado artigos com premissas para as decisões administrativas serem baseadas em governança, análise e gestão de riscos, enfatizando a importância de avaliar as consequências e impactos das decisões no interesse público [3](LEAL, MENDONÇA, 2016, p. 33).
Em 2021, a Lei de Improbidade Administrativa[4] (Lei 8.429/1992) sofreu alterações substanciais (Lei 14.230/2021). Enquanto essa lei tenha sido apenas alterada, a Lei de Licitações passou por uma reformulação, resultando em uma nova legislação. Essa diferença ressalta a necessidade de atualização dos gestores perante às normas de contratações públicas.
A NLLC passou a prever vinte dois princípios expressos, como a eficácia e o desenvolvimento nacional sustentável. Com isso, reforçou que selecionar a melhor proposta nas contratações e alinhar custo-benefício, com a promoção de outras finalidades públicas, como a proteção do meio ambiente, visando não apenas a eficiência (JUSTEN FILHO, 2024, p. 422[5]).
A sustentabilidade e o perfil do gestor para aplicar a governança
As políticas públicas para serem implementadas ou mantidas, carecem de recursos (humanos e materiais) e, com isso, inevitavelmente passam pelas contratações públicas. Essas podem ser aproveitadas como mecanismo de instrumentalização dessas ações, exigindo nos editais de licitações ou nas especificações contratuais a obediência às práticas sustentáveis, utilizações de materiais com certificações ambientais, etc., pois, dessa forma as empresas interessadas em participar de certames públicos se engajaram buscarão atender a necessidade delineada, como por exemplo, a reduzindo suas emissões de carbono.
Do ponto de vista legal, a NLLC estabelece em seu art. 11, inciso IV, que um dos objetivos dos processos licitatórios é “incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável”. Para alcançar essa meta, o parágrafo único do mesmo artigo ressalta a importância da estruturação da governança.
A governança é apresentada como o caminho para promover um ambiente de contratações públicas íntegro e confiável, baseado em compliance, accountability e no compromisso das instituições com a eficiência e eficácia dos negócios públicos, sempre alinhados aos interesses sociais. A legislação também enfatiza que a primeira linha de defesa nas contratações é composta pelos próprios agentes e autoridades da administração.
Para que os gestores possam implementar práticas de finanças e negócios sustentáveis, é fundamental que incorporem e complementem seus estudos técnicos e demais documentos que definem as futuras contratações com aspectos de sustentabilidade. Isso significa desafiar-se a ir além do convencional e incluir critérios que promovam um desenvolvimento mais sustentável nas soluções propostas.
À primeira vista, exigir cumprimento de exigências sustentáveis pode trazer um custo aos preços negociados (que seria uma visão simplista de que a busca pelo menor preço é o que se pretende como primordial nos negócios públicos), mas, exercendo sua responsabilidade de gestor público com as necessidades sociais, dentre elas, a execução dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), que se alinham ao controle de constitucionalidade e a busca pela melhor proposta que atenda ao interesse público (GT AGENDA 2030, 2015, p. 6-8[vi]).
A Lei 14.133/2021, incorpora o desenvolvimento sustentável como um objetivo que exige a análise do ciclo de vida do objeto licitado e seu impacto ambiental desde a fase de preparação das contratações, com isso, ressalta a necessidade de uma cultura de sustentabilidade entre os operadores de compras públicas no Brasil, visando assegurar que os instrumentos normativos sejam aplicados com consciência e responsabilidade em prol do interesse público.
Conclusão
A governança se destaca como um elo central que liga todos os agentes que atuarão no processo contratual, uma vez que pelo princípio da segregação de funções as deliberações deverão ser descentralizadas, partilhadas, tornando-se até ferramenta de compliance.
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Dessa forma, desde a fase de planejamento da contratação, através de consultas mercadológicas e audiências públicas, difunde-se para o mercado industrial e empresarial, bem como para outros diversos setores envolvidos no processo produtivo, que a Administração Pública segue parâmetros sustentáveis na formulação dos objetos licitatórios e contratuais, além de cumprir as prescrições legais da margem de preferência para produtos sustentáveis e da escolha da proposta por meio da rastreabilidade na cadeia de suprimentos, incentivando práticas que favoreçam a sustentabilidade.
O gestor, através do exercício da liderança se apresenta como ferramenta de governança, capaz para superar a visão estrita ao aspecto econômico, para aplicar os valores do desenvolvimento social, com espírito de empreendedor sustentável, preocupado com gestão consciente.
[1] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.133-de-1-de-abril-de-2021-310833306
[2] : https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.655-de-25-de-abril-de-2018-170033736
[3] https://ojs.brazilianjournals.com-.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/46040
[4] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm
[5] https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/5365a8e1-760f-4200-9bdf-1d3e6609398b/content
[6] https://gtagenda2030.org.br/wp-content/uploads/2015/08/odstraduzidos.pdf