O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que a Constituição de 1988 foi responsável por uma mudança de paradigma ao vincular a propriedade à dignidade humana e à função social dos bens. “Levar os direitos de propriedade a sério é reconhecer que sua proteção está entrelaçada com a de outros direitos fundamentais”, afirmou durante a conferência da International Society of Public Law (ICON-S), na quarta-feira (30/7), em Brasília.
Mas, destacou o ministro, o Brasil ainda enfrenta retrocessos e impasses relevantes não resolvidos pós-1988. Um dos principais é a disputa em torno do marco temporal das terras indígenas. “Passados 37 anos desde a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil avançou significativamente na implementação de seus princípios constitucionais. No entanto, retrocessos ocorreram e algumas questões permanecem não resolvidas, como o Marco Temporal”, declarou durante ICON-S. O JOTA é parceiro de mídia do evento.
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A discussão sobre a tese segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras ocupadas em 5 de outubro de 1988 reflete “tensões profundas entre regimes de propriedade, sobrevivência cultural e proteção constitucional”, acrescentou o ministro. O marco temporal foi derrubado pelo STF em 2023, mas restabelecida pelo Congresso por meio da Lei 14.701, atualmente contestada por inconstitucionalidade na Corte.
Ele ainda citou que, apesar da proteção constitucional, os conflitos fundiários se intensificaram e frequentemente extrapolam o campo jurídico. O ministro disse também que há uma preocupação crescente com o cenário de populismo autoritário e agenda econômica nacionalista, que estão retornando ao debate público.
O magistrado participou de um painel que reuniu autores de textos que vão compor o Oxford Handbook of the Brazilian Constitution para discutir princípios fundamentais da Constituição de 1988. O capítulo autoria de Fachin, escrito com o professor José Arthur Castillo de Macedo, do Instituto Federal do Paraná (IFPR), trata da reconfiguração do conceito de propriedade privada na Constituição.
Protagonismo brasileiro no debate constitucional
A conferência da ICON-S é considerada o maior evento global sobre Direito Público, reunindo acadêmicos e juristas de mais de 60 nacionalidades. Fundada em Florença, Itália, em 2014, a sociedade científica é responsável por articular debates internacionais nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional e Internacional, além de manter publicações como o International Journal of Constitutional Law e o blog I-CONnect, ambos da Oxford University Press.
A edição de 2025 foi a primeira realizada no Brasil e a segunda na América Latina. Foram três dias de debate na UnB, de 29 a 30 de julho, com quase 350 painéis e plenários que reuniram representantes do Judiciário brasileiro, entre eles os presidentes do STF, ministro Luis Roberto Barroso, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin.
O evento foi promovido com apoio de instituições como FAPDF, CNPq, CAPES, BNDES, Banco do Brasil, OAB, AGU, Itaipu, Mattos Filho, INSPER, além da UnB, UFMG e USP.
Co-diretor da Seção Brasileira da ICON-S, o professor Juliano Zaiden Benvindo (UnB) celebrou a realização da conferência em Brasília e destacou seu valor simbólico. “É um lugar muito importante no contexto atual e a Universidade de Brasília, que tem uma história de resistência democrática”, afirmou.
A próxima edição da ICON-S será realizada em Dublin, em 2026.