Entre a simplificação e a proteção: o dilema do licenciamento ambiental

A tramitação do PL 2159/2021 tem sido justificada pela alegada necessidade de uniformização do licenciamento ambiental no Brasil. A proposta buscaria consolidar normas e procedimentos em âmbito federal, diante da diversidade de regras existentes nos entes subnacionais.

Contudo, essa uniformização ocorre em um momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou, por meio de decisões recentes, balizas constitucionais sobre a matéria, limitando a adoção de instrumentos como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença Única (LU) aos empreendimentos de baixo impacto ambiental, ou mesmo proibindo a dispensa da exigência do licenciamento ambiental.

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Na ADI 6.808/DF, que foi julgada como parte da denominada Pauta Verde, o STF julgou inconstitucionais os dispositivos da Lei 14.195/2021 que permitiam a emissão automática de alvarás e licenças ambientais, por meio do sistema Redesim, para atividades de risco médio sem coleta adicional de dados ambientais.

A decisão fixou interpretação conforme à Constituição, determinando que tais dispositivos só se aplicariam ao licenciamento ambiental de baixo impacto, reforçando a exigência de análise técnica e realização prévia de estudos para as demais situações.

A ADI 5.014/BA analisou a constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei Estadual 10.431/2006, que instituiu a Política de Meio Ambiente e de Proteção à Biodiversidade da Bahia. Na decisão, o STF reconheceu a competência legislativa concorrente dos Estados para legislar sobre proteção ambiental (art. 24 da CF/88), inclusive para criar novas tipologias de licenciamento ambiental, a exemplo da Licença de Regularização. Entretanto, o acórdão reiterou que a LAC deveria se limitar às atividades de baixo impacto haja vista o dever constitucional de proteção suficiente ao meio ambiente.

Já na ADI 6.618/RS, o STF julgou inconstitucional parte da Lei Estadual 15.434/2000 (Código Ambiental do Rio Grande do Sul) que previa a emissão de licenças ambientais sem a análise técnica prévia e em formato único para atividades que não se enquadrassem como de baixo impacto.

A corte entendeu que a simplificação do licenciamento não pode comprometer o princípio da prevenção, o qual tem fundamento no caput do art. 225 da Constituição Federal. Essa decisão vetou a possibilidade de generalização de licenciamento simplificado para atividades de médio ou alto impacto, ainda que amparadas por normas regionais ou locais.

Quanto à dispensa da obrigatoriedade da licença ambiental, a jurisprudência do STF é unânime ao considerar a prática inconstitucional em se tratando de atividades que poluem ou que podem vir a fazê-lo. É o caso das ADIs 6.650/SC, 6.288/CE, 5.312/TO e 5.016/BA[1].

Para a corte isso flexibiliza o art. 225, §1º, V da Constituição Federal, segundo o qual cabe ao Poder Público “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”. O PL prevê a dispensa para certas atividades agropecuárias e determinadas obras de infraestrutura.

O envio do PL 2159/2021 à sanção presidencial, ocorrido em 18 de julho de 2025, insere-se em cenário de tensão entre a busca por desburocratização e a preservação do núcleo essencial do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O projeto amplia as hipóteses de autodeclaração, institui a dispensa do licenciamento para atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e flexibiliza prazos e etapas de licenciamento e descentraliza regras, o que pode contrastar, no todo ou em parte, com os entendimentos firmados pelo STF. No caso da LAC e da LU a discordância seria parcial, ao passo que no da dispensa seria integral.

Adicionalmente, o art. 9º do texto aprovado altera o regime do Cadastro Ambiental Rural (CAR), esvaziando seu caráter técnico de controle e fiscalização ao permitir que a inscrição seja suficiente para caracterizar regularidade, o que compromete seu uso enquanto ferramenta de governança. A Emenda 15, inserida pelo Senado, também introduz dispositivos que podem enfraquecer o controle prévio em áreas ecologicamente sensíveis.

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A despeito da ambição de se criar um modelo nacional de licenciamento, o PL pode acabar gerando ainda mais insegurança jurídica ao ir de encontro a decisões reiteradas do STF. Por outro lado, o PL atribui à autoridade licenciadora muito poder para estabelecer procedimentos enquadramentos, de forma que as diferenças entre os órgãos ambientais tendem a se acentuar.

A análise presidencial antes de eventual sanção ou veto parcial vai exigir, portanto, um olhar criterioso sobre o texto aprovado tendo em vista a centralidade do licenciamento na política ambiental e valores constitucionais ecológicos. O desafio, portanto, será equilibrar a simplificação administrativa com os deveres de proteção, prevenção e participação democrática que fundamentam o regime jurídico ambiental no Brasil contemporâneo.

[1] A ADI 5.016/BA trata da impossibilidade de dispensa da outorga de direito de uso recursos hídricos, que é considerada uma espécie de “licença ambiental da água”, tendo fundamentação muito parecida com a das outras três ADIs.

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