Os elementos de terras raras (TRs) – um grupo de 17 elementos químicos que inclui os 15 lantanídeos, o escândio e o ítrio – são de importância estratégica fundamental para a economia global moderna. Suas aplicações abrangem desde supercondutores e magnetos miniaturizados até catalisadores para refino de petróleo e componentes para veículos híbridos e monitores de LCD.
Embora o termo “terras raras” seja considerado inadequado, dada a sua relativa abundância na crosta terrestre, sua relevância reside na complexidade e custo associados à sua extração, separação e purificação, além da ausência, até o momento, de substitutos que proporcionem o mesmo desempenho em suas diversas aplicações.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
O Brasil, reconhecido por seu vasto potencial mineral de TRs, tem buscado consolidar uma estratégia nacional para o desenvolvimento dessa cadeia produtiva, conforme delineado em estudos prospectivos como o do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) para o período de 2012 a 2030.
Características e aplicações estratégicas das terras raras
As TRs possuem propriedades químicas e físicas singulares que as tornam indispensáveis para inúmeras aplicações industriais. Essas aplicações podem ser categorizadas em: usos que permitem ou facilitam o processamento de materiais (process enablers) e usos como blocos de construção de produtos de engenharia (technology building blocks).
Exemplos da primeira categoria incluem catalisadores de craqueamento catalítico fluido (FCC) na indústria de refino de petróleo, onde lantânio (La) e cério (Ce) aprimoram a interação com hidrocarbonetos, e pós para polimento de vidros e lentes, nos quais óxidos de TRs (como o cério) reagem com a superfície do vidro para um acabamento de alta qualidade.
Na segunda categoria, as TRs são incorporadas diretamente em produtos finais, como ímãs permanentes, catalisadores automotivos, ligas metálicas, fósforos, baterias de níquel-hidreto metálico (Ni-MH) e fibras ópticas.
A demanda por TRs é crescente e abrange diversos setores. Em 2010, os catalisadores foram a principal aplicação nos EUA e a segunda globalmente. Contudo, as projeções para 2015 indicavam um crescimento expressivo na demanda por ímãs permanentes, ligas metálicas e pós para polimento, que, combinados, poderiam alcançar cerca de 62% do total global.
Os ímãs de TRs, notadamente os de neodímio-ferro-boro (Nd-Fe-B), são cruciais para turbinas eólicas, veículos elétricos e híbridos, motores e geradores compactos, e em setores como aeroespacial e de defesa. Neodímio (Nd), disprósio (Dy), európio (Eu) e térbio (Tb) são considerados alguns dos ETRs mais críticos para essas aplicações. Fósforos são essenciais para iluminação eficiente (LEDs), telas LCD e lasers. As ligas metálicas, particularmente as de cério, são empregadas na indústria metalúrgica e siderúrgica como aditivos para desoxidação e nodulização do ferro fundido.
Dinâmica do mercado global e desafios para o Brasil
O mercado global de TRs é marcadamente influenciado pela hegemonia chinesa, que concentra a maior parte da produção e, consequentemente, afeta a estabilidade dos preços e a garantia de suprimento. Essa concentração impulsiona a busca por fontes alternativas e o reposicionamento de países com jazidas significativas, como Brasil, EUA, Canadá, África do Sul e Austrália.
Para o Brasil, apesar de possuir reservas expressivas de TRs, sua ascensão como um grande player global enfrenta desafios importantes. A necessidade urgente de mapeamento e dimensionamento das reservas é crucial, pois os dados existentes ainda são inconsistentes ou insuficientes para avaliar a real importância econômica e a viabilidade técnica da exploração.
Há também desafios na capacidade tecnológica, com o Brasil dominando as fases experimentais e piloto de lavra, beneficiamento, separação e purificação, mas com domínio parcial ou incipiente nas etapas de inovação, produção e comercialização em larga escala. As fases mais críticas incluem a redução de óxidos, obtenção de ligas e fabricação de ímãs.
A infraestrutura laboratorial e de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) necessita de aprimoramento. A formação e capacitação de recursos humanos é outro ponto crítico, com a necessidade urgente de qualificação em todos os níveis, uma vez que muitos especialistas do passado migraram para outras áreas.
O “Custo Brasil” e a precariedade da infraestrutura de transporte limitam a instalação de cadeias produtivas, e a volatilidade dos preços globais inibe investimentos na indústria mínero-metalúrgica brasileira. Questões ambientais e regulatórias, especialmente a presença de radionuclídeos em jazidas de TRs, exigem adequação da legislação brasileira, tornando o processamento mais complexo e oneroso. Adicionalmente, a baixa demanda interna por TRs no Brasil atualmente não justifica a mineração em larga escala.
Estratégias e roadmap para o desenvolvimento no Brasil
Para superar esses desafios e capitalizar seu potencial, o Brasil propôs uma estratégia nacional para o desenvolvimento da cadeia produtiva de TRs. Essa estratégia abrange:
Realizar mapeamento e dimensionamento das ocorrências e reservas para viabilizar a produção e o processamento mineral.
Encaminhar e aprovar um novo marco regulatório mineral, que explicite aspectos do desenvolvimento da cadeia e equacione questões ambientais ligadas a radionuclídeos.
Promover políticas públicas de cunho mineral, industrial e de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).
Criar mecanismos de financiamento e incentivos para atrair empresas de toda a cadeia produtiva, com condições competitivas internacionais.
Viabilizar as cadeias produtivas de aplicações de TRs de forma sustentável e competitiva.
Consolidar e expandir a infraestrutura de laboratórios e facilidades de pesquisa.
Capacitar recursos humanos em todos os níveis para o desenvolvimento da cadeia.
Promover o desenvolvimento tecnológico e a inovação.
O roadmap estratégico para a cadeia produtiva de TRs no Brasil, com horizontes para 2020 e 2030, foi concebido para guiar essas ações. As cadeias produtivas consideradas mais estratégicas para o país são as de ímãs permanentes, catalisadores e ligas metálicas, seguidas por fósforos, pós para polimento e fabricação de vidros especiais.
Para a cadeia de ímãs de TRs, apesar do domínio em fases experimentais e piloto, há gargalos na transição dos resultados da fase piloto para inovação, produção e comercialização em larga escala, sendo a redução de óxidos, a obtenção de ligas e a fabricação de ímãs as etapas mais críticas. A maioria das empresas detentoras de patentes em ímãs permanentes de TRs é japonesa.
No caso dos catalisadores, o Brasil demonstra tecnologia madura e importante domínio nas etapas da cadeia de catalisadores para FCC, inclusive com fábrica própria. Entretanto, para catalisadores automotivos, há apenas domínio parcial e dependência de tecnologia externa para monólitos. Empresas europeias e americanas lideram nas patentes de catalisadores contendo TRs.
A reciclagem de ETRs surge como uma alternativa promissora para países sem produção primária, oferecendo acesso e mitigando a dependência de produtos chineses. Métodos como a hidrometalurgia para ímãs de Nd-Fe-B são propostos como opções com menor impacto ambiental e maior rendimento.
P&D no Brasil
A pesquisa em TRs no Brasil é reconhecida por seu alto nível e pela produção de publicações de impacto internacional. O país possui 496 especialistas, 49 instituições e 113 grupos de pesquisa atuando em P&D de TRs.
Instituições como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) se destacam em número de publicações. A maioria dos grupos de pesquisa se concentra nas áreas de Química, Física e Engenharia de Materiais/Metalúrgica.
Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA
Apesar da excelência na pesquisa, é crucial alinhar esses esforços com objetivos comuns aos setores acadêmico e industrial. O incentivo à inovação tecnológica é um requisito fundamental para manter a competitividade na economia globalizada, e o Brasil dispõe de iniciativas de apoio como leis de incentivo fiscal e recursos não reembolsáveis.
Conclusão
O Brasil possui um vasto potencial em reservas de terras raras e uma base de pesquisa consolidada. No entanto, enfrenta desafios complexos para verticalizar e consolidar sua cadeia produtiva. Qualquer estratégia bem sucedida deve passar pela reconstrução de capacidades estatais de regulação, criação de incentivos e sobretudo de uma nova política industrial para o país.
A superação da hegemonia chinesa, a atração de investimentos, o aprimoramento tecnológico, a formação de mão de obra qualificada e a resolução de questões regulatórias e ambientais são cruciais.
A implementação de um roadmap estratégico, focado nas aplicações mais promissoras e na colaboração sinérgica entre governo, academia e setor privado, é fundamental para que o país se posicione como um fornecedor competitivo e sustentável no mercado global de TRs, agregando valor à sua riqueza mineral e impulsionando o desenvolvimento tecnológico e econômico nacional.
Antoniassi, J. L. Caracterização tecnológica de recursos minerais de terras raras em complexos alcalinos e alcalino-carbonatíticos do Brasil. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2017.
BNDES. Terras-raras: situação atual e perspectivas. BNDES Setorial 35, sd, p. 369 – 420
CEDES. Minerais Estratégicos e Terras-Raras. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014.
CGEE. Usos e aplicações de Terras Raras no Brasil: 2012-2030. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2013.
Holanda, J. Terras Raras e nióbio no Brasil: minerais críticos e elementos essenciais para a transição energética. Agosto de 2021.
IPEA. Texto para Discussão 2768, Ipea, 2022.
Lima, L. de A. A economia mineral de terras raras: o cenário mundial e nacional para o neodímio. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal do Pará, 2021.
Sousa Filho, P. C., & Serra, O. A. Terras raras no Brasil: histórico, produção e perspectivas. Química Nova, v. 37, n. 4, p. 753-760.